No dia 04 de julho de 2018 foi programado pela Cooperativa dos Garimpeiros da Ressaca, Itatá, Galo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda (COOMGRIF), Movimento Xingu Vivo para Sempre, estudantes e professores da Universidade Federal do Pará e pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, o lançamento do Boletim nº 12 Povos e Comunidades Tradicionais da Volta Grande do Xingu – Garimpeiros, Agricultores, Assentados, Indígenas, Pescadores e Moradores PNCSA/Cartografia da Cartografia Social. Esse ato se realizou na Sede da COOMGRIF e reuniu 36 pessoas, entre os convidados e os organizadores vindos de Altamira. Aos convidados somou-se uma equipe de redação da Tv. Record de Altamira.
A oportunidade do lançamento do Boletim Nº 12 permitiu trazer várias reflexões dos temas debatidos no Seminário Povos e Comunidades Tradicionais da Volta Grande do Xingu face aos projetos de desenvolvimento realizado no Auditório do Campus de Altamira nos dias 02 e 03 de julho e no qual participaram o sr. José Pereira Cunha, Valdimiro Pereira Lima e Francisco Pereira da Silva, representando à COOMGRIF.
A mesa foi presidida pelo sr. José Pereira Cunha (COOMGRIF), Valdimiro Pereira Lima, Idglan Pereira da Cunha, professora Maria Soares, Elielson Pereira da Silva, Selma Solange Monteiro Santos, Cláudia Leão e Rosa Acevedo. Feitas as falas iniciais sobre a importância do lançamento do Boletim 12 na Vila da Ressaca foi ressaltado a relevância política desse ato como forma de resistência às imposições, desrespeitos, isolamento e violências impostas aos moradores da região pela Mineradora Belo Sun articulada com o prefeito Dirceu Biancardi, defensor do Projeto Volta Grande da Mineração, fato que ficou evidente nas audiências públicas do licenciamento e no Seminário As veias abertas da Volta Grande do Xingu, realizado na Vila da Ressaca no dia 24 de novembro de 2017. Essas ações de violência repetiram-se no Seminário As veias abertas da Volta Grande do Xingu na Universidade Federal do Pará, Campus de Belém, quando na tarde de 29 de novembro de 2017, o auditório foi invadido por grupo associado ao Prefeito e que mantiveram pesquisadores, professores, estudantes, defensores, promotores públicos impedidos de sair do auditório. A Mineradora Belo Sun tem em todos os eventos filmado, registrado as explanações para utilizar nas suas estratégias imediatas. Observou-se inclusive no Seminário de Altamira essas presenças indesejadas no auditório.
O ponto alto do lançamento foi o diálogo a partir de informações sobre o tema Questões fundiárias e ambientais do Projeto Volta Grande do Xingu e destaques sobre a conferência da profa. Simone Fátima Pereira relativas as análises que esta profissional realizou sobre o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório – EIA/RIMA do Projeto Volta Grande.
A apresentação de Elielson Pereira da Silva frisou a trajetória de criação do PA Ressaca, criado oficialmente pela Portaria Nº 67, de 3 de setembro de 1999, portanto, prestes a completar 20 anos. Teve como demandantes o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município de Altamira – STTR e Associação dos Agricultores da Ilha da Fazenda/Ressaca – AGRIFAR que solicitam ‘a criação do Projeto de assentamento na Gleba Ituna/Ressaca/Município do Senador José Porfirio. Essa portaria definiu a área de 30.265,6330 hectares e de acordo com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA de 2017 estão efetivamente assentadas 476 famílias.
O PA Ressaca foi inserido pelo INCRA no Sistema de Informações do Cadastro Ambiental Rural – SICAR no ano 2016 informando que o PA possui 26.133,29 hectares. Essa informação está em discordância com o da Portaria e informa exatos 4.132,34 hectares a menor.
Em outubro de 2017 a empresa Belo Sun Mineração Ltda envia documentos a autoridades do INCRA para manifestar interesse em tratar da “Desafetação. Belo Sun Mineração, Projeto Volta Grande. Encaminhamento de Áreas para Aquisição pela Belo Sun” e cita um Protocolo de Intenções de 2016. A empresa admite que existem 2.049,55 hectares do PA Ressaca que estão superpostos pelo empreendimento, consoante os pedidos de concessão de lavra que tramitam no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
O que é ressaltado no dossiê que foi divulgado com o título Dossiê Fundiário sobre a Mineração da Belo Sun no PA Ressaca: a política de reforma agrária na região, onde 32 assentamentos estão prestes a serem “consolidados, titulados e emancipados”, consoante a contrarreforma agrária em curso, objetivada em políticas governamentais a favor da mineração, pecuária e agronegócio. No caso da mineração na Volta Grande do Xingu que atinge diretamente o PA Ressaca o INCRA assume uma posição de priorizar, facilitar e ceder às exigências da empresa canadense. Para isto recorre a artifícios legais como a desafetação, a autorização de compra de lotes, como ocorre com o conhecido Lote 103 da Gleba Belo Monte. No município de Anapu a Mineradora Belo Sun realiza compra de terras em áreas de conflito agrário. Outro agravante é a titulação, que conforme tem sido denunciada está sendo feita com registro de uma área de 60 hectares, menor aos 100 hectares estabelecido no contrato original dos assentados. A quem se destina essa diferença? Na mesma linha assiste-se as “Mutirões de Titulação”, encabeçados por políticos em busca de reeleição. Por último, informou sobre as mudanças nos procedimentos de consolidação e emancipação dos assentamentos que favorecem a mercadorização das terras.
Várias intervenções conferiram as últimas ocorrências de compras de lotes, de títulos com redução de tamanho de lotes, de indenizações, compras enganosas e coerção para a saída dos moradores da Vila da Ressaca por parte da Belo Sun. No público encontravam-se cinco pessoas com lotes de terra no PA Ressaca que manifestaram suas preocupações e, inclusive, deram a notícia de um mutirão de titulação programado para os próximos dias. Sobre os “benefícios” dos Projetos Volta Grande da Mineração para os cinco municípios que serão atingidos, Elielson Pereira da Silva fez uma estatística primária no qual chega à conclusão que os royalties da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM representa R$ 30,00 por pessoa por mês durante os 12 anos do projeto.
Selma Solange Monteiro Santos informou sobre o licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande que está a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMAS e para isso indicou as fases desse procedimento. A Mineração Belo Sun fez o requerimento nessa Secretaria e obteve a licença prévia, enquanto a licença de instalação foi suspensa por requerimento do Ministério Público Federal – MPF devido a ausência da consulta aos povos indígenas da Volta Grande do Xingu. Informou sobre a obra que será executada e as proporções que terão as covas de depósito dos resíduos estéreis, e a bacia de rejeitos, indicando os riscos e os aspectos não considerados de acordo com a Lei de Segurança de Barragens. Situou ainda o significado de algo em torno dos 500 empregos em comparação com a riqueza extraída e a destruição irreversível que será provocada, concluindo em favor de uma reflexão cautelosa e crítica diante das narrativas discursivas de emprego, prosperidade, sustentabilidade e desenvolvimento que prometem a Mineradora e seus defensores.
Cláudia Leão e Rosa Acevedo trouxeram alguns registros da conferência da professora Simone Pereira e afirmaram que a existência da Vila da Ressaca tornar-se-ia inviável com o Projeto instalado dada a proximidade com as áreas de extração e beneficiamento. Aliás, retomando uma observação da professora Pereira situaram a questão das emissões atmosféricas – os particulados, – que contém substâncias que a empresa não declara no EIA-RIMA, sendo omissa nas informações quanto a forma que realizará o controle. Outro ponto, brevemente apresentado foi sobre a vazão do rio Xingu, reduzida em 20% em um trecho de 100 quilômetros. As pesquisas do MPF indicam a inviabilidade da vida das espécies animal e vegetal com esse tipo de empreendimento e já se observam perda de recursos da ictiofauna, em especial peixes como o Curimatá, Pacu, pelas alterações provocadas no curso do Rio Xingu, abaixo do paredão.
A senhora Maria Soares, professora da Escola Luiz Ribeiro e secretária da Associação de Moradores, manifestou expectativas de continuar vivendo na Ressaca com saúde, educação e trabalho. Algumas observações feitas por ela sobre os efeitos do garimpo manual na Ressaca, desde os anos 1940 foram examinadas por Ideglan Pereira da Cunha e Valdimiro Pereira Lima. O primeiro fez o relato de sua viagem para a região de Carajás e apresentou detalhes da mineração industrial, movida por grandes cavadeiras, caminhões e o como foi transformado esse território que pertencia a povos indígenas, extrativistas, agricultores, ribeirinhos.
Ideglan Pereira esclareceu que os garimpeiros da Vila da Ressaca há vários anos reinventam suas formas de explorar o garimpo atentos às práticas que podem afetar o meio ambiente.
O senhor Valdimiro Pereira Lima manifestou as experiências de trabalho no garimpo e as formas de cooperação que realizam no trabalho diário. Ao refletir sobre os discursos do progresso e desenvolvimento propalado pela Mineradora e seus apoiadores expressou a contradição entre a possibilidade de a empresa trazer benefício para a população quando seu projeto inicial e condutas convergem para “retirar o povo daqui”. Nesse sentido conclamou “Ela nunca fez outro projeto, nunca mudou e jamais ela vai mudar. Não existe possibilidade dessa vila viver aqui, conviver com esse empreendimento. Esse povo vai ter que sair daqui”. Recordou que a Mineradora Belo Sun realizou uma reunião por volta de cinco anos atrás em que distribuiu uma cartilha acerca dos empregos diretos e indiretos, contudo nunca se comprometeu com número de pessoas da vila da Ressaca ou da região do Xingu que ia empregar.
Durante a permanência na Vila da Ressaca, Elielson Pereira da Silva captou imagens das pessoas que ali vivem; nas ruas, no campo de futebol, nas decorações das casas e na transformação do espaço coletivo, como a pequena praça Milton Reis em homenagem a um morador assassinado no mês de maio de 2018. A construção da praça foi realizada com a colaboração de todos.
A aproximação feita no Seminário em Altamira por Dimitria Leão entre suas observações da Vila Ressaca e o conto de Jorge Luís Borges O Jardim dos Caminhos que se bifurcam encontra-se inspiração profunda e podemos tentar decifrar cada labirinto, e frase. Por que não escolher está? O tempo se bifurca perpetuamente para inumeráveis futuros. Num deles sou seu inimigo. Stephen Albert precisa desaprumou e Richard Madden morrer. A vila Ressaca pode ser a cidade salva. O povo da Volta Grande do Xingu tem a audácia do Dr. Yu Tusun.
Fotografias: Elielson Pereira da Silva, Rosa Acevedo Marin, Selma Santos e Lucas Mariano.
Redação: Rosa Acevedo Marin, Elielson Pereira da Silva e Selma Solange Monteiro.