Nova Cartografia Social Da Amazônia

Contradição ou Complementaridade: Novas Tendências do Pensamento Vistas a partir da Antropologia


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Por: Helciane Araujo (jornalista e socióloga, professora da UEMA/pesquisadora do PNCSA)

Em conferência proferida na 64ª Reunião Anual da SBPC, no dia 27 de julho, em São Luís-MA, o antropólogo Otávio Velho (UFRJ) apresentou o ponto de vista da antropologia sobre os termos Contradição ou Complementaridade que ele considera como novas tendências do pensamento. Ao expor um olhar antropológico sobre a própria antropologia, destacou certa tendência,

segundo ele, perturbadora a uma “escolarização excessiva”, repetitiva, da atividade do antropólogo e certa falta de atenção às pesquisas de campo.

Essa dificuldade da antropologia no Brasil, segundo o conferencista, se dá nos centros mais tradicionais da antropologia do centro sul do que no norte do país, onde trabalhos, como o dos pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – com destaque para a atuação dos antropólogos Alfredo Wagner e Txai Terri Aquino -, são exemplares e que aos poucos vêm sendo reconhecidos pela disciplina. “Ainda é uma batalha, mas eu acho que o que está sendo produzido aqui nesta parte do país é fundamental nessa reinvenção da hierarquia acadêmica”, acrescentou.

Com o intuito de articular tendências, para ele interessantes, mas não muito fáceis de serem compatibilizadas, o professor Otávio Velho comentou duas tendências. A primeira tem como referência fundadora a figura de Gregory Bateson , um antropólogo que trabalhou entre os anos 1930 aos anos 1960 na direção de uma interdisciplinaridade, que o aproximou muito da biologia. Filho do biólogo inglês Willian Bateson, conhecido como pai da genética, Gregory Bateson tornou-se um antropólogo, mas sempre deu uma atenção muito grande para a biologia e a questão da vida. “Ele fazia sempre uma diferença muito forte entre os seres vivos e os seres inanimados e tentava pensar em uma ciência de seres vivos, de certa maneira, relativizando a oposição entre o campo da biologia e o campo da cultura, por assim dizer, coisa que aos pouquinhos hoje começa a entrar um pouco mais, e por isso mesmo durante muito tempo não tinha tanto reconhecimento assim, aos poucos vai tendo”.

Mas essa linha hoje tem seus prolongamentos um dos deslocamentos tem a ver com a questão da vida. Para Bateson, o foco da atenção é o agente social basicamente em comunicação, em interação e em comunicação. Otávio Velho ressalta o deslocamento do foco dos supostos agentes em comunicação para o todo, o campo como um todo, provocado por Tim Ingold, outro antropólogo inglês, que dá ênfase para o agente da vida e não para os agentes individuais em comunicação. Otávio Velho assim sintetizou esse pensamento: “a vida é o potencial criativo de um campo dinâmico de relações em que seres específicos emergem e assumem suas formas, cada um com relação com os outros” e, nesse sentido, continuou, “a vida não está tanto no organismo e sim, o organismo na vida. Aqui está uma crítica a ideologia individualista da sociedade que, de certa maneira, permeia o nosso inconsciente teórico. Então o foco não é mais o indivíduo, o foco é o sistema como um todo. E, ao fazer essa transposição, Ingold se aproxima também de categorias que ele retira da antropologia e que a antropologia, por sua vez, tem retirado dos povos nativos que ela estudou”

Essa segunda tendência Otávio Velho chama de antropologia da vida desenvolvida por Tim Ingold, uma verdadeira filosofia da vida, e ele a caracteriza como a critica ao eurocentrismo, a ideia da Europa como o centro do mundo e essa é uma crítica que pode estar aí em muitos planos e que pode dar uma conversa interessante com colegas de outras áreas.

Otávio Velho citou novamente o Projeto da Nova Cartografia Social, como uma crítica ao eurocentrismo. Segundo ele, isso significa, inclusive, uma critica aos mapas eurocêntricos, ao mapa mundi eurocêntrico: “Existe hoje uma tendência a uma critica à projeção de Mercator que é aquela que corta o mapa mundi que nós já estamos acostumados, no qual os países da esfera do hemisfério norte ganham uma grande ampliação ao mesmo tempo em que outros ganham uma redução. Nós ficamos muito pequenos nesse mapa mundi que parece consagrado. Essa questão do eurocentrismo permeia toda a nossa vida. Então a crítica ao eurocentrismo não é uma coisa assim, banal, é uma coisa que mexe profundamente com o nosso inconsciente, com o nosso inconsciente cultural, com o nosso inconsciente ideológico, por assim dizer. Eu acho que nós antropólogos deveríamos ser os primeiros a fazer esse trabalho, já que falamos tanto em estranhar o familiar”.

Otávio Velho fez um convite a uma releitura dos clássicos: “não uma releitura boba, no sentido de se fazer uma crítica crônica a eles. Nós temos que compreender, contextualizá-los, saber o seu momento. Não é nada fácil, isso não significa jogar fora a nossa tradição, mas ter uma postura crítica em relação a nossa tradição. É impressionante no Brasil como nós temos grande familiaridade com esses autores norte americanos e europeus e desconhecemos a produção latino americana que está aqui do nosso lado e sob alguns aspectos existe uma produção latino americana que está mais avançada do que nós nesse ponto crítico”.

O conferencista destacou que a antropologia tem uma origem no colonialismo europeu e que a diferença às vezes era utilizada justamente para marcar a incomensurabilidade, digamos assim, o eurocêntrico e os outros povos, exatamente para mostrar que esses povos eram incapazes do desenvolvimento tecnológico e outras coisas. “Então a diferença que a gente tende a valorizar foi abusada muitas vezes pelo contrário. Toda a obra de Max Weber é para mostrar a especificidade e especificamente a superioridade do europeu, os europeus que são capazes de se desenvolver, são capazes de criar escolas, criar cidades, criar indústrias e os outros povos não foram capazes disso. Só os povos europeus. Então, uma crítica ao eurocentrismo significa que nós não devemos reificar nossos conceitos. Nós temos que estar o tempo todos atentos a isso”. Otávio Velho destacou alguns conceitos consagrados na antropologia que precisam ser revistos nessa releitura dos clássicos, como: o colonialismo; raça, noção que vem junto com a questão do colonialismo; historicismo que pensa a história associada à razão.

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