Nova Cartografia Social Da Amazônia

Informativo PNCSA nº 6 – 694 famílias no município de Barcelos/AM são ameaçadas de despejo por sentença judicial


No dia 19 de Fevereiro, o juiz da 3ª Vara da Justiça Federal Ricardo de Sales determinou no processo 0014263-26.2010.4.01.3200, a ação reivindicatória a favor da União, para uso do Comando da Aeronáutica, de uma área de 3,9 milhões de metros quadrados, no município de Barcelos/AM, que compreende os bairros de Aparecida, Nazaré, São Francisco e Bairro da Paz. Estima-se que essa sentença atinja diretamente três mil pessoas.

Na sentença é alegado que as terras pertencem à União, adquiridas através da lei municipal N. 01 de 01 de Fevereiro de 1974, que por sua vez foi cedida para uso do Comando da Aeronáutica através do Termo de Entrega da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em 10 de Novembro de 1978. Essa área está sendo requerida pelo Comando da Aeronáutica através do 7º Comando Aéreo Regional (Comar/AM) para a construção/ampliação do aeródromo.

Entre as famílias atingidas, estão indígenas das etnias Baré, Tukano, Baniwa, Tariano além de pescadores, artesãos e piaçabeiros, e são descritas como “invasores”, tendo um prazo de trinta dias a contar da expedição da decisão para desocuparem suas casas, não havendo a saída das famílias, o auxílio de força policial poderá ser acionado. Nenhuma indenização é referida no processo.

Essas famílias moram nesses bairros há mais de vinte anos, e que suas casas foram construídas em loteamento que a própria Prefeitura na década de 1980 executou. O presidente da Associação indígena de Barcelos, Benjamim Baniwa escreve: “Sou um desses moradores desse lugar há 27 anos, juntamente com minha mãe que tem 82 anos, e vou afirmando, que antes de me tirar daqui, vão ter que primeiro tirar o meu sangue!!!”.

Martinho Albuquerque, indígena Baniwa e atualmente vereador do município de Barcelos, escreve ao Projeto Nova Cartografia Social o seguinte: “as terras foram doadas para a aeronáutica em 1974, um total de 3.900.000,00m2 e desde esta data não foi colocada nenhuma cerca que indicasse que as terras fossem dela. Ao longo dos anos a cidade se expandiu e novos bairros foram se estruturando dentro desta área. Hoje temos os bairros de Aparecida, parte do bairro de Nazaré, São Francisco, Conjunto São Lázaro, Bairro da Paz na sua totalidade e parte do bairro de São Sebastião, totalizando mais de 700 famílias o que resulta em mais de 3.000 pessoas. O problema social que isto causará não tem proporções. Queremos o aeroporto longe da cidade, queremos nossas casas“.

Na área em litígio, além das 694 casas, há prédios públicos como escolas estaduais e municipais, centros sociais, agências bancárias, e o prédio em construção que instalará a Universidade do Estado do Amazonas, primeira sede de uma Universidade no município.

No dia 28 de Fevereiro de 2015, as famílias ameaçadas de deslocamento compulsório realizaram uma passeata em Barcelos em protesto contra essa sentença judicial.

Em nota de repúdio, o Professor da rede estadual de ensino em Barcelos-AM, Marcelo Gonçalves, escreve:

“Nós do município de Barcelos-AM, estamos indignados e assustados, com a atual situação em que se encontram os moradores de vários bairros, da cidade de Barcelos, situação essa de constrangimentos, desesperos e aflições, por residirem nos bairros de Aparecida, Nazaré, São Francisco e Bairro da Paz, compreendendo aí mais de setecentas (700) casas, aproximadamente mais de sete mil (7.000) pessoas, onde a União coloca os cidadãos moradores dos referidos Bairros, como invasores das terras e não os são. Haja vista essas terras pertencerem na verdade à COMISSÃO DE AEROPORTO DA REGIÃO AMAZÔNICA (COMARA), terras essas doadas pela PREFEITURA MUNICIPAL DE BARCELOS em 1974 com aval da CÂMARA MUNICIPAL DE BARCELOS e que, na década de oitenta, a PREFEITURA DE BARCELOS urbanizou e loteou parte dessas terras, ora ocupadas, e doou a esses cidadãos que outrora havia doado à UNIÃO. Assim podemos avaliar o mesmo Órgão que doou as terras à União, posteriormente com ou sem conhecimento de causa, doou parte dessas terras à população. Por conseguinte não se caracteriza uma invasão popular e sim uma doação com loteamento e urbanização pelo poder Executivo Municipal de Barcelos.
É importante salientar que a maioria dos moradores residem há mais de vinte e cinco (25) anos nessas terras, além do mais, no interior dessa área conflitada, foram edificados vários prédios públicos pela Prefeitura como: duas escolas municipal ( Pe. Clemente e Evarista Braz); uma escola estadual (Angelina Palheta Mendes) que acabou de ser reformada com dez (10) salas de aulas, sala de mídia, sala de videoteca, refeitório e quadra poliesportiva; dois postos de saúde (um no bairro Aparecida e outro no bairro de São Francisco); dois Centro Sociais e três conjuntos de casas residenciais todos financiados pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e por fim, temos um prédio sendo construído pelo Governo do Estado do Amazonas para alocar as instalações da Universidade do Estado do amazonas – UEA.
A situação hoje dessas pessoas é melindrosa e constrangedora, caso a ação de despejo venha a ser concretizado, espero que não, gostaria de saber quem é que vai arcar com os danos materiais e morais desses cidadãos?”

 

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Presidente da Associação Indígena de Barcelos, Benjamim Baniwa em manifestação no dia 28/02/2015. Foto: Barcelos Na Net

 

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Passeata no dia 28/02/2015 em protesto contra a decisão judicial que determina o deslocamento compulsório de 694 famílias, dentre indígenas, artesãos, pescadores e demais, para uso do Comando Regional da Aeronáutica. Foto: Barcelos Na Net.

 

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Foto: Barcelos Na Net

 

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Foto: Barcelos Na Net

 

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Foto: Barcelos Na Net

 

 

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Foto: Barcelos Na Net

 

Pesquisadora Elieyd Sousa de Menezes

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