Nova Cartografia Social Da Amazônia

RESISTÊNCIAS CONSTRUIDAS PELOS AFROCOLOMBIANOS EN COMUNAS Y BARRIOS CONTRA O MEGAPROJETO COMPLEXO PORTUARIO DE BUENAVENTURA, COLOMBIA


Participantes do II Seminário Internacional Megaprojetos, Atos de Estado, Povos e Comunidades Tradicionais visitaram o espaço da Casa Social Cultural e conheceram as diversas atividades da Fundación Espacios de Convivencia y Desarrollo Social – FUNDESCODES, localizado na Comuna 3, na cidade de Buenaventura.

Durante o II Seminário Internacional Megaprojetos, Atos de Estado, Povos e Comunidades Tradicionais (Cali, Colômbia23 a 25 de outubro de 2018) foi inserida na programação a visita ao Porto de Buenaventura, com 41 inscritos. Destaca-se que a ‘visita de campo’ é atividade complementar em diversos eventos organizados pelo Projeto Nova Cartografia Social, as instituições colaboradoras e os movimentos sociais.

Nas visitas de campo tenta-se desenvolver observações sobre situações sociais especificas, entre aquelas abordadas no evento por pesquisadores e agentes sociais; estas sempre contam com a contribuição das organizações para apresentar experiências de conflitos e mobilizações sociais narradas pelos próprios agentes sociais. As visitas de campo podem ser aproximadas das anotações que Gerald Berreman (1962) fez do “trabalho de campo” com “sutilezas” da “experiência humana” que “despierta una nueva sensibilidad frente a su propia experiencia
de campo pasada, presente y futura”.

Desde a concepção do II Seminário Internacional foi reiterado o interesse de ter contato com os que resistem à ampliação desmedida do Complexo Portuário de Buenaventura sobre terrenos utilizados por comunidades tradicionais. Na abertura rendeu-se homenagem a Temístocles Machado, dirigente no bairro Isla de la Paz, presidente da Junta de Ação Comunal, quem participou ativamente no Paro Cívico de Buenaventura, em junho de 2017. Na Mesa IV “Testimonios de agentes sociales, representantes de comunidades y pueblos afectados” realizada no dia 24 de outubro participou o senhor Arsecio Isquierdo, presidente da Junta Comunal e ameaçado de morte.

Temístocles Machado Rentería, líder social, defensor de Direitos Humanos, assassinado na cidade de Buenaventura em 27 de janeiro de 2018. (fotografia retirada do jornal El Pais. Com data de 3/3/2018. https://www.elpais.com.co/judicial/por-crimen-de-lider-temistocles-machado-capturan-a-tres-personas-en-buenaventura.html).

A viagem de ônibus partiu de Cali para Buenaventura e teve duração de mais de 2 horas. Esse trajeto permitiu observações e comentários sobre essa via terrestre, história e relevância do Porto de Buenaventura para a economia colombiana na atualidade. O povoado formou-se 476 anos atrás e, hoje, a cidade agiganta-se com a ampliação da atividade portuária que deslocou e cercou de contêineres as terras dos grupos afrocolombianos, que representam 98% da população, mais os indígenas. Buenaventura conta com aproximadamente 500 mil habitantes e no planejamento estatal corresponde a uma Zona Econômica Estratégica. As terras arrendadas por empresas do setor com origem canadense, ingleses, noruegueses, espanhóis, franceses têm expulsado centenas de famílias. Em 20 anos foram assassinadas mais de 7000 pessoas, enquanto os desaparecidos são calculados em mais de 700. Contam-se 26 massacres em zona rural e urbana e mais de 28.000 pessoas que sofreram deslocamentos compulsórios. Os expositores coincidiram na afirmação que o “ator armado é extremamente racista” e comentaram o massacre de Punta del Este no qual 12 jovens da mesma comunidade sofreram torturas como a introdução de barras de ferros nos orifícios do corpo. O senhor Isquierdo comentou aos negros não os querem fazendo parte do desenvolvimento nacional e sua exclusão é violenta.

Buenaventura é uma cidade que não tem serviço de água potável, isto é existem11 bacias fluviais no entorno. Uma delas, a formada pelo rio Dagua está contaminada pela mineração de ouro, atividade extrativa das mais danosas aos direitos sociais, étnicos e territoriais dos povos afrocolombianos do Pacífico. A maior parte da cidade não tem serviço de esgotos sanitários e as águas residuais desaguam no mar provocando contaminação das pessoas e dos seus meios de vida.

O movimento de caminhões, mais de 4 mil diários, fez com que a cidade aumentasse a atividade hoteleira, os serviços, de um modo geral, e negativamente a prostituição sexual e infantil. Buenaventura não tem hospital público, aliás essa inexistência de serviços é comum para os habitantes do Pacífico Sul, de Buenaventura até Tumaco. O Sr. Galbán (da Corporación Haciendo, Pensando el Pacífico) destacou a quantidade de recursos que passam para o Estado na forma de impostos e não são aplicados localmente. A ideia é que o Estado pensa esses grupos sociais como não merecedores de serviços, de atendimento; desta forma os mantem em condição que não é humana, concluiu. O Sr. Izquierdo lembrou o primeiro ano do Paro Cívico e o que entende por “morte política de Temístocles que veio fortalecer o movimento, com seu martírio”. Ele recordou que com vários meses tentando proteger sua vida passou a viver fora de Buenaventura e uma noite teve a presença em sonho do sr. Temístocles Machado que lhe dizia: “Arsecio não deixes perder o que temos ganhado. Essa luta aqui não termina verdadeiramente” e foi esse sonho a força para o seu retorno a Buenaventura e retomada das ações à frente da Junta Comunal.

O grupo de visitantes reunido na Quadra da Resistencia escutam as explanações do Sr. Arsecio Isquierdo, Rodrigo Machado, Jhon Lamer Panameño e Adriel Ruiz Galbán. A manutenção desse espaço Quadra foi resultado de uma ação organizada para evitar ser ocupada pelos projetos do complexo portuário. Nesse caso, o futebol se constituiu como um elemento central de coesão social e de resistência na luta pela manutenção do território.

Buenaventura acolhe 14 projetos de megaestrutura portuária, maiormente privada. Entre os portos foram citados o Puerto de Água Dulce, Puerto del rio Delta, Puerto Cirpol, Puerto de los Filipinos, (especializado na importação de carvão) e o Puerto Seco, que soma seis portos que serão preenchidos com água do rio Dagua.

A modernização portuária tem significado desemprego para os trabalhadores da cidade, por adotar tecnologias, equipamentos (gruas) que poupam trabalhadores. Com isto o desemprego na cidade chega a 68%.

O Sr. Temístocles Machado é o autor da frase: “Porque esta tierra es nuestra! Completamente nuestra!” o que representa a luta dos afrocolombianos de Buenaventura e de toda Colombia. O Sr. Arsecio explicou a propósito do território: “nosotros no teníamos títulos, los linderos eran de palabra. Empezaron as compras de tierras. Ellos venian y compraban a cualquiera por veinte billetes de cien. Faltou conciencia para no vender la tierra. Después hubo una titulación; faltaban diez títulos. Quiñones empezó a titular los predios. Se suspendió la titilación y esta suspensa hasta ahora. Luego vino el despojo, la prostitución, las amenazas, los crímenes, la violación de las niñas. Y llegaron personas que reclamaron 45 hectáreas que corresponde a seis barrios de la ciudad. Quienes reclamaban eran las personas del puerto. Ellos presentaban títulos falsos, presentaban títulos que no coinciden.

Portas e paredes das casas da rua principal do bairro Oriente mostram os cartazes.

No sitio onde funcionou o antigo posto de saúde informa o cartaz que será construído o Posto de Saúde e Parque Comunitário, inserido nos acordos pós Paro Cívico

O sr. Izquierdo informa sobre as condições de vida dos bairros de Buenaventura

Arsecio Isquierdo

Ações e atividades no espaço da Fundación Espacios de Convivencia y Desarrollo Social

Na Comuna 3 da cidade de Buenaventura desenvolve suas atividades a Fundación Espacios de Convivencia y Desarrollo Social – FUNDESCODES, localizada em um território conquistado e encostado ao mar, pois como falaram as pessoas foram depositando resíduos sólidos para enchimento/sedimentação de áreas inundáveis, situadas nas zonas periféricas da cidade de Buenaventura. O primeiro espaço é denominado Casa Social Cultural com o auditório Mama Cuama. No segundo andar funciona a Biblioteca Comunitária San Pedro Apóstol, a Capela da Memória e a Galeria Mulheres e Saberes. No terceiro está a Terraza Arco Iris. O percurso por estes compartimentos e os seus conteúdos constitui outro registro das lutas dos povos que vivem em Buenaventura.

Auditório Mama Cuama com obras de arte retratando a violência desatada em Buenaventura que vitima os afrocolombianos, deslocados compulsoriamente múltiplas vezes por força do terror implantado pelo dispositivo paramilitar

Biblioteca Comunitária San Pedro Apostol apresentada nas suas atividades para crianças e adultos do bairro. Nela encontram-se os arquivos do pescador Andrés Belloza e de Temístocles Machado, cujo arquivo possui mais de dez mil páginas.

Na Capela da Memória os painéis mostram as fotografias dos assassinados e desaparecidos.

Gravação da parede com apresentação da galeria e instrumentos musicais utilizados nas atividades desenvolvidas pelas mulheres, das quais recreação, contos e canto.

No centro da Capela encontra-se a canoa doada por uma senhora que teve o esposo, pescador, e os seis filhos assassinados. Ela fez a doação da canoa e de objetos que pertenceram aos seus parentes. A forma de trabalho com as famílias das vítimas, a maioria mulheres, é feita com acompanhamento psicológico em grupo. A ideia central desse acompanhamento não é recordar para sofrer, mais recordar para resistir.

Espaço Humanitário Puente Nayero em Buenaventura

Desde o terraço do Hotel Vistamar é possível observar o Muelle Turístico, girando do lado esquerdo o Espaço Humanitário Puente Nayero e do lado direito as “modernas” instalações deste setor central do Porto de Buenaventura.

ENTRADA DA COMUNIDADE

PORTO

“Espaço Humanitario” Puente Najero no bairro Playita. / Instalações portuárias em Buenaventura.

Na ordem, a visita de campo foi realizada primeiro no Espaço Humanitário Puente Nayero, criado em 2014. corresponde a uma rua do porto de Buenaventura construída com terra recuperada em meio a compactação de lixo e areia, cercadas por pontes e palafitas. A área é constituída eminentemente por famílias de Guapi e Naya, onde muitas experimentaram massacres e assassinatos seletivos e foram obrigadas a se deslocar da região do Naya, nos departamentos de Cauca e Valle, instalando-se no bairro La Playita, onde conservaram o nome devido a relação com o rio Naya de seu território original. Novamente, neste bairro onde se instalaram, foram vítimas de forças de grupos mafiosos armados, os quais disputam o controle territorial da cidade de Buenaventura, mediante uma articulação intrínseca entre economia política e dispositivo paramilitar, consumada através da implantação de megaprojetos econômicos e de atividades ilícitas fortemente lucrativas, espalhados no Pacífico Sul colombiano. Na rua visitada ainda existem as manifestações do histórico de violência concomitante a instalação e operação da área portuária de Buenaventura, como a casa de pique, onde pessoas eram torturadas, cortadas e jogadas no mar. Houve intervenção para oferecer paz a estas famílias com apoio da igreja e organizações. Na Resolución nº 25/2014, de 15 de setembro de 2014, no qual a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu a Medida Cautelar nº 152-14 reconhecendo o chamado “espaço humanitário” no bairro La Playita, com aproximadamente 302 famílias e 1000 moradores. No acordo, ficou consignado medidas de proteção da vida dessas famílias, como a determinação que o governo colombiano instalasse cinco pontos de proteção, que finalmente ficaram reduzidas à rua de entrada onde se instalou um portão, com acompanhamento do exército, e no extremo desta rua, que dá acesso ao mar, a Marinha.

Os participantes da visita atentos as falas sobre a existência deste Espaço Humanitário

No extremo da rua o chamado “espaço humanitário” encontra o mar e ali está a força da Marinha, com a finalidade de dar proteção, o que é cobrado insistentemente.

Entre as habitações de Ponte Nayero, tem-se a visão da extinta casa de pique, onde predominava o terror devido a ocorrência de torturas, desmembramento dos corpos, mortes e lançamento ao mar dos corpos.

O denominado “Espaço Humanitário” expressa processos de esperança e resistência daqueles que se negam a abandonar seu território. É uma zona de vida, onde a reconstrução do lugar, retomada da confiança e a defesa da paz fundamentam estratégias pacíficas para combater distintos grupos que financiam a guerra, violência, extorsão e morte para controle do local e expulsão dos moradores. A experiência do Puente Nayero, enquanto primeira zona humanitária, serviu de inspiração para criação de outras áreas de permanência como o Espaço Humanitário Punta Icaco. Nota-se que na prática, o Espaço Humanitário não tem apoio efetivo do Estado Colombiano, com inexistência dos serviços de saneamento (água tratada, drenagem pluvial, limpeza urbano, coleta e tratamento de esgoto), prevalecendo o abandono intencional dos afro-colombianos no enfrentamento dos paramilitares e dos efeitos nocivos da política desenvolvimentista governamental de implementação de megaprojetos, quer sejam de infraestrutura logística, portuária e de turismo com rede de hotéis estrangeiros, os quais operam para extinguir as formas de uso coletivo do lugar que divergem da racionalidade econômica deste capital transnacional. De fato, transitando no interior das ruas e das palafitas, observam-se condições de moradia, trafegabilidade e serviços que provocam impressões fortes; elas negam a condição humana e evidenciam uma necropolítica. Ainda, observando as pessoas que falavam desse Espaço Humanitário, há registros de continuidade da violência com novas mortes e frequentes ameaças aos que defendem a permanência das famílias no bairro, disputado pelos empreendimentos portuários, turísticos e pelos grupos que rivalizam pelo controle das rotas do narcotráfico.

Condições de moradia de crianças e suas famílias

Condições de moradia de crianças e suas famílias

Campo de futebol

Área Humanitária

Área Humanitária

Área Humanitária

Área Humanitária

Certamente, a da visita nos bairros de Buenaventura constitui a experiencia humana que permitiu conhecer as realidades do despojo, da violência e negação de direitos de povos tradicionais em Colômbia, país que recebeu os pesquisadores para o II Seminário Internacional. Os registros diversos (fotografia, gravação e georreferenciamento dão ensejo a uma leitura aproximada com situações sociais na Amazônia, com ênfase contrastiva, tomando como exemplo cidades como Barcarena, Abaetetuba, Santarém no Pará, lócus da instalação de megaprojetos industriais e de infraestrutura com efeitos sociais, ambientais e políticos que aprofundam os conflitos. O trabalho de pesquisa contribui para desconstruir as formas que assumem os megaprojetos, formas de poder e dominação, e dar relevo às capacidades de resistências desses povos.

 

Texto elaborado por: Rosa Acevedo Marin, Selma Solange Monteiro Santos e Elielson Pereira da Silva

Fotos: Elielson Pereira da Silva, Selma Solange Monteiro Santos

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