Nova Cartografia Social Da Amazônia

Quilombolas de Jambuaçu – Moju em situação de conflito com a empresa Norsk Hydro


A empresa norueguesa Nork Hydro informa no seu site os ‘baixos resultados’ do primeiro trimestre de 2019, com lucro de NOK 559 milhões, o qual comparam ao resultado do primeiro trimestre de 2018, quando obtiveram lucros bilionários de NOK 3,14 bilhões (NSK Coroas Norueguesas, corresponde a R$ 0,45). A Hydro explica que esse resultado é devido aos baixos preços realizados da alumina; registra que houve elevação do custo de matérias-primas e ainda os efeitos do corte de produção na refinaria de alumina Alunorte. A Hydro é proprietária de 92,1% da Alunorte, ambas são sócias no empreendimento em Barcarena e detêm a posição da maior refinaria de alumínio do mundo. Os picos de resultados elevados coincidem com ampliação da capacidade de produção. No último ano, como indica a empresa, tiveram péssimo resultado, que atribuem a ocorrência do vazamento de lama vermelha nos igarapés de Barcarena. Os ditos “acidentes” ambientais provocados pelo vazamento de resíduos tem ocorrido frequentemente em Barcarena, mas dessa vez, a Justiça Federal na decisão do Juiz Federal Arthur Pinheiro Chaves da 9ª Vara, suspendeu em 50% as operações da empresa, que teria recebido multa de 250 milhões de reais.

Reunião no Auditório do prédio onde funciona o MPF no dia 27 de maio de 2019 com presença de 50 quilombolas de Jambuaçu.

A bauxita beneficiada em Barcarena é transportada por minerodutos, ao longo de 244 Km de extensão, saindo de Paragominas onde está localizada a mina Miltônia III, até a fábrica implantada naquela cidade. Os minerodutos cortam o território quilombola de Jambuaçu em Moju, em uma extensão de 15 Km.

A Hydro não realizou a renovação do licenciamento ambiental do mineroduto e da linha de transmissão, ambos vencidos desde 2014, portanto, uma situação ilegal. O MPF pressionou pela renovação das licenças e a obrigação da empresa de compensar todos os quilombolas de Jambuaçu. A empresa precisa manifestar respeito nos termos da Consulta Previa, livre e Informada assegurada pela Convenção 169 da OIT, entretanto, os efeitos dos empreendimentos sobre o conjunto das comunidades são parciais.

Vista parcial do público presente na reunião convocada pelo MPF, em Belém, no dia 27 de maio de 2019.

A reunião convocada pelo MPF, realizada no dia 2 de maio de 2019 em Jambuacu, apresenta o quadro de posições das comunidades, da Fundação Cultural Palmares e da Hydro. Desde a transferência, em 2011, da empresa da Vale, para as mãos da Norsk Hydro não houve pagamento das compensações.

A Hydro foi a primeira a intervir e expôs a proposta com vista a eventual acordo: 1. Encontrar uma solução definitiva para o conflito; 2. Estabelecimento de um processo participativo, incluindo as 15 comunidades; 3. Obediência ao Protocolo de Consulta e à C 169 OIT; 4. Encerramento dos protestos; 5. Pleno acesso para manutenção e inspeção do linhão e dos minerodutos, pois há mais de dois anos a empresa não consegue entrar na área; 6. Cumprimento das obrigações legais e metodologia das indenizações; 7. Continuidade do licenciamento Estudo do Componente Quilombola e Plano Básico Ambiental – ECQ/PBAQ, que está parado há cinco anos; 8. Definição sobre o uso da terra. (Memorial de Reunião 02/05/2019).

As associações manifestaram posicionamento convergente, a partir da concepção de um território etnicamente configurado e tem a posição que todas as famílias devem ser indenizadas e receber compensações iguais. Discordaram, porém, da classificação Diretamente Atingidos, que estaria na Área Diretamente Atingida – ADA, tanto o grupo de cinco comunidades, quanto os que estão na Área de Influência Indireta. Insistem que o tratamento deve ser o mesmo para todos os que vivem no território.

Conforme foi relatado pelos participantes da reunião, a Fundação Cultural Palmares atuou no Território Quilombola de Jambuaçu e teria forjado a criação da Associação ADA (Área Diretamente Atingida) da qual fazem parte 61 famílias. O órgão governamental e a empresa reuniram os atingidos e criaram a ADA, que existe desde 2018. Na reunião, o representante da ADA afirmou a existência de um acordo entre a Associação dos Atingidos – ADA, Fundação Cultural Palmares e Hydro. Nesses atos foi tecido um campo de conflitos internos entre os quilombolas que estariam favorecidos pela empresa. Essas famílias passaram a ser reconhecidas pela empresa Hydro e na Memória de Reunião, o mesmo representante da ADA definiu como objetivo, reunir-se diretamente como a empresa e não em assembleia.

A posição do representante da Casa Familiar Rural questionou o documento apresentado pela FCP, pois teria elaborado um diagnóstico restrito de famílias. O representante da comunidade São Sebastião afirmou que a luta do território e os resultados sejam para todos os quilombolas. De forma enfática questionou os critérios de definição de Atingidos utilizados pela Fundação Cultural Palmares que elaborou o diagnóstico e listou “as ditas famílias da ADA”, lista mantida quase em sigilo. Esse questionamento foi justificado pelo técnico da Fundação Cultural Palmares ao admitir que “pode haver falhas no trabalho e como é humano, pode ter errado”. A Casa Familiar Rural-CFR questionou o diagnóstico da Fundação Cultural Palmares e indagou de que forma o novo acordo influenciaria na Ação que movem as 58 famílias das cinco comunidades.

A BAMBAÊ, Coordenação das Associações Quilombolas localizadas no Território de Jambuaçu, assinalou que a luta é muito antiga e todos enfrentam dificuldades no território, portanto, não são apenas cinco comunidades atingidas. A proposta de criação de um Fundo pela Hydro não está clara. A MALUNGU também indagou sobre a proposta do Fundo e indicou que os quilombolas deviam estar informados sobre os mecanismos de organização, repasse e de gestão, ainda frisou que os quilombolas não tinham pressa para tomar decisões. Acrescentou a BAMBAÊ que havia sido entregue um Projeto à Hydro, com propostas de geração de renda, mas que não obteve respostas. De forma determinada insistiu que a SEMAS e a Fundação Cultural Palmares não podem decidir pelos quilombolas. O advogado da BAMBAÊ questionou o valor oferecido pela Hydro de um milhão por ano, o que é muito pouco para garantir os projetos das comunidades, interrogou a quem se destinaria esse aporte financeiro do Fundo e ainda acrescentou que esse valor – um milhão de reais -, dentro de 25 anos não teria valor algum.

Algumas associações se manifestaram sobre a “crise financeira” que atravessam e indagaram se haveria um instrumento que beneficiaria cada uma delas nesses acordos.

A única intervenção da SEMAS foi feito em resposta à indagação do MPF sobre os empreendimentos e seus licenciamentos. A resposta foi taxativa de que cada empreendimento realiza a discussão de propostas separadamente.

O MPF fez questionamentos sobre a proposta da HYDRO e solicitou esclarecimentos sobre os critérios usados no cálculo do Valor da Terra Nua; os critérios para definir a Área Diretamente Atingida e as diferenças em relação à Área de Influência Indireta – AII. Destacou os direitos territoriais dos quilombolas de Jambuaçu e frisou que todo o território deve ser indenizado em razão dos direitos quilombolas.

Reunião do dia 27 de maio de 2019

O MPF enviou convite para pesquisadores do PNCSA, que acompanham desde 2004, situações de conflitos dos quilombolas de Jambuaçu, para participar da reunião do dia 27/05/2019, às 10:00h, na sede do MPF em Belém. Nessa nova reunião estiveram presentes os representantes das associações quilombolas, a BAMBAÊ, Casa Familiar Rural, Malungu, SEMAS e Hydro, para examinar as propostas  apresentadas pela empresa HYDRO/Mineração Paragominas, referentes ao cumprimento do componente quilombola dos empreendimentos mineroduto e linha de transmissão, que atravessam o Território Quilombola do Jambuaçu – Moju /Pará.

Mesa composta pelo Procurador Felipe de Moura Palha e Silva (MPF), Hyede de Souza Marinho, (SEMAS), Aurélio Borges (MALUNGU), Fádwa Andrade, José Haroldo Chaves, Lucas Vidotti Gomes (HYDRO)

Os 51 quilombolas saíram do seu território, às quatro horas da madrugada, transportados em duas Vans até Belém; eles comentaram a sua chegada, com atraso de quase duas horas, devido as dificuldades do transporte. Os homens eram maioria. A comitiva da Hydro foi formada por José Haroldo Chaves, Fádwa Andrade e Lucas Vidotti Gomes e por Bruno Gomes, da “HUMANA”, empresa contratada pela Hydro.

A abertura foi realizada pelo Procurador Federal Felipe Moura Palha da Silva que deu as boas-vindas e fez o chamado dos representantes por cada Associação, sendo que cada uma tinha três pessoas designadas. O foco da reunião era a exposição detalhada da proposta da Hydro e resposta às dúvidas e questionamentos. O Procurador elencou os pontos e dúvidas registrados nas falas da reunião anterior, e a partir da leitura do documento de autoria da empresa, “Território Quilombola do Moju” (abril, 2019) indicou, “as tabelas são confusas e os representantes das comunidades precisam entender do que trata a proposta da HYDRO, por isso a empresa precisa dizer: – De onde vieram os números? Como chegaram aos valores mencionados na sua proposta? A quem será direcionada as indenizações? – O que é o fundo? Como se constitui? O que será preciso para gerir? Como os valores do FUNDO serão gastos? Como será feita a prestação de contas? – O que é área de servidão? O que é a averbação da servidão? Qual a metragem da área da servidão? – O apoio técnico será pago por quem? O custo está dentro do fundo ou a empresa vai assumir?”

A senhora Fádwa Andrade iniciou a apresentação da nova proposta da Hydro comentando que esta era “mais robusta, mais sólida” que a impressa e distribuída entre os presentes.

Na mesa Roselene Lima, Paulo Ramos e Felipe de Moura Palha e Silva (MPF) e Aurélio Borges

Os senhores José Haroldo Chaves e Lucas Vidotti, foram os expositores da proposta. José Haroldo Chaves fez uso da palavra para responder à questão: O que norteia a proposta da empresa? E no final reiterou que a “proposta da empresa busca uma solução definitiva, segura, de consenso e sustentável”; “a solução deve contribuir para uma cultura de Paz e para o desenvolvimento do território no longo prazo”. O expositor sinalizou nos slides com o mapa das comunidades quilombolas, a visão do impacto territorial. Um dos slides inova por situar a ADA como a mais impactada em uma escala. O que estaria de acordo com dados, que curiosamente não foram elaborados, pois o Estudo do Componente Quilombola e o Projeto Básico Ambiental Quilombola ainda não está concluído.

O item específico de Indenizações, Investimento Voluntario – Mecanismo Financeiro e Estudo Componente Quilombola foi rapidamente informado aos presentes. Os itens sobre a forma de identificar a Área Diretamente Afetada pelo Mineroduto, Área Diretamente Afetada pela Linha de Transmissão, Áreas sobrepostas foram objeto de indagações, assim como a Metodologia de Cálculo para Indenizações, apresentado por Lucas Vidotti. As questões feitas ao técnico da empresa não foram respondidas de imediato e satisfatórias. Foi concedido tempo para elaborar as respostas. Perguntou-se por que foi escolhido o Açaí como benfeitoria e para cálculo de indenizações? Lucas Vidotti informou que o cálculo da terra nua foi feito tendo como método comparativo o da ABNT e usou como critério imóveis (rurais) com as mesmas características” (Memória, 27/05/2019). Esse ponto é controverso, por reduzir a biodiversidade e escolher critérios de valoração de produtos diferentes aos das comunidades.

Outro ponto controverso é sobre a área de Servidão. De acordo com a Memória, a empresa esclareceu que “ÁREA DE SERVIDÃO são os espaços territoriais que a empresa precisa ter livre acesso para realizar os procedimentos de manutenção dos empreendimentos e que na prática estas áreas já não usadas, mesmo assim a empresa está pretendendo indenizar a restrição de uso. Para o mineroduto que tem 33,3308 hectares de área afetada, a sua faixa de segurança é de 20 m, portanto esta é a área de servidão; a linha de transmissão que tem 124,4877 hectares de área afetada, a faixa de segurança é de 60 m, segundo os representantes da empresa”. Indagado, o funcionário da empresa afirmou que “o cálculo da ‘terra nua’” foi estimado em R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), por hectare. Em relação as BENFEITORIAS PRODUTIVAS foi escolhido o açaí, cujo cálculo foi feito para reposição de 100% da área com restrição de uso, somando-se a isso o lucro cessante estimado em 3 (três) anos”. (Memória, 2019).

A constituição de um “Fundo” proposto pela Hydro foi um ponto polémico. Contudo ressaltam-se posições: estabelecer a tutela administrativa da empresa HUMANA imposta pela Hydro e os questionamentos pela BAMBAÊ e MALUNGU; a existência ou não de capacidade administrativa, organizacional e financeira pelos quilombolas para usos e aplicação coletiva desse Fundo.

Em síntese a posição dos quilombolas foi de ter tempo, sem pressões para discutir as propostas. Eles opõem-se a negociação fraccionada como proposta pela ADA; questionam o papel de HUMANA na administração do “Fundo”, empresa essa contratada pela Hydro, e entendem que devem voltar para o território, para debater quais os projetos.

A BAMBAE manifesta ter capacidade para administrar, além de já ter os projetos a serem desenvolvidos em cada comunidade. “A BAMBAÊ questiona o andamento das discussões e diz que tem pressa porque os projetos que possui estão aguardando a posição da empresa para sair do papel. Acrescentou ainda que eles são capazes de gerir os recursos do FUNDO, mas a empresa tem que fazer logo isso, porque eles já sabem o que fazer, cada comunidade já tem o seu projeto e informaram em outras reuniões, o custo de cada projeto, portanto não concordam que tenham que esperar mais. Na ocasião entregou também ao MPF o levantamento que fez sobre o número de famílias que vivem no Território Quilombola do Jambuaçu”.

No final da Memória o parágrafo indica a próxima etapa:

“1 – A HYDRO enviará ao MPF, no dia 03 de junho, relatório técnico detalhado explicando a sua metodologia e o fundamento do cálculo das indenizações e a empresa HUMANA apresentará material com as explicações sobre o FUNDO, sua constituição, funcionamento, destinação e utilização dos recursos; 2 – Após o recebimento dos documentos referidos no item 1, o MPF encaminhará à assessoria pericial para análise técnica; 3 – O MPF também se comprometeu a fazer uma breve apresentação na próxima reunião sobre a divergência conceitual existente em relação à área diretamente e indiretamente impactada, pois este é um grande entrave no processo, já que o MPF possui um entendimento diferente da empresa, em relação a esse assunto. 4 – Fica agendada a próxima reunião para o dia 03 de julho 2019, às 10:00, no MPF em Belém”.

Momento da reunião com diálogos nas mesas e no público.

Texto: Rosa Acevedo Marin

Fotografia: Cedidas pelo MPF

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