A empresa norueguesa Nork Hydro informa no seu site os ‘baixos resultados’ do primeiro trimestre de 2019, com lucro de NOK 559 milhões, o qual comparam ao resultado do primeiro trimestre de 2018, quando obtiveram lucros bilionários de NOK 3,14 bilhões (NSK Coroas Norueguesas, corresponde a R$ 0,45). A Hydro explica que esse resultado é devido aos baixos preços realizados da alumina; registra que houve elevação do custo de matérias-primas e ainda os efeitos do corte de produção na refinaria de alumina Alunorte. A Hydro é proprietária de 92,1% da Alunorte, ambas são sócias no empreendimento em Barcarena e detêm a posição da maior refinaria de alumínio do mundo. Os picos de resultados elevados coincidem com ampliação da capacidade de produção. No último ano, como indica a empresa, tiveram péssimo resultado, que atribuem a ocorrência do vazamento de lama vermelha nos igarapés de Barcarena. Os ditos “acidentes” ambientais provocados pelo vazamento de resíduos tem ocorrido frequentemente em Barcarena, mas dessa vez, a Justiça Federal na decisão do Juiz Federal Arthur Pinheiro Chaves da 9ª Vara, suspendeu em 50% as operações da empresa, que teria recebido multa de 250 milhões de reais.
A bauxita beneficiada em Barcarena é transportada por minerodutos, ao longo de 244 Km de extensão, saindo de Paragominas onde está localizada a mina Miltônia III, até a fábrica implantada naquela cidade. Os minerodutos cortam o território quilombola de Jambuaçu em Moju, em uma extensão de 15 Km.
A Hydro não realizou a renovação do licenciamento ambiental do mineroduto e da linha de transmissão, ambos vencidos desde 2014, portanto, uma situação ilegal. O MPF pressionou pela renovação das licenças e a obrigação da empresa de compensar todos os quilombolas de Jambuaçu. A empresa precisa manifestar respeito nos termos da Consulta Previa, livre e Informada assegurada pela Convenção 169 da OIT, entretanto, os efeitos dos empreendimentos sobre o conjunto das comunidades são parciais.
A reunião convocada pelo MPF, realizada no dia 2 de maio de 2019 em Jambuacu, apresenta o quadro de posições das comunidades, da Fundação Cultural Palmares e da Hydro. Desde a transferência, em 2011, da empresa da Vale, para as mãos da Norsk Hydro não houve pagamento das compensações.
A Hydro foi a primeira a intervir e expôs a proposta com vista a eventual acordo: 1. Encontrar uma solução definitiva para o conflito; 2. Estabelecimento de um processo participativo, incluindo as 15 comunidades; 3. Obediência ao Protocolo de Consulta e à C 169 OIT; 4. Encerramento dos protestos; 5. Pleno acesso para manutenção e inspeção do linhão e dos minerodutos, pois há mais de dois anos a empresa não consegue entrar na área; 6. Cumprimento das obrigações legais e metodologia das indenizações; 7. Continuidade do licenciamento Estudo do Componente Quilombola e Plano Básico Ambiental – ECQ/PBAQ, que está parado há cinco anos; 8. Definição sobre o uso da terra. (Memorial de Reunião 02/05/2019).
As associações manifestaram posicionamento convergente, a partir da concepção de um território etnicamente configurado e tem a posição que todas as famílias devem ser indenizadas e receber compensações iguais. Discordaram, porém, da classificação Diretamente Atingidos, que estaria na Área Diretamente Atingida – ADA, tanto o grupo de cinco comunidades, quanto os que estão na Área de Influência Indireta. Insistem que o tratamento deve ser o mesmo para todos os que vivem no território.
Conforme foi relatado pelos participantes da reunião, a Fundação Cultural Palmares atuou no Território Quilombola de Jambuaçu e teria forjado a criação da Associação ADA (Área Diretamente Atingida) da qual fazem parte 61 famílias. O órgão governamental e a empresa reuniram os atingidos e criaram a ADA, que existe desde 2018. Na reunião, o representante da ADA afirmou a existência de um acordo entre a Associação dos Atingidos – ADA, Fundação Cultural Palmares e Hydro. Nesses atos foi tecido um campo de conflitos internos entre os quilombolas que estariam favorecidos pela empresa. Essas famílias passaram a ser reconhecidas pela empresa Hydro e na Memória de Reunião, o mesmo representante da ADA definiu como objetivo, reunir-se diretamente como a empresa e não em assembleia.
A posição do representante da Casa Familiar Rural questionou o documento apresentado pela FCP, pois teria elaborado um diagnóstico restrito de famílias. O representante da comunidade São Sebastião afirmou que a luta do território e os resultados sejam para todos os quilombolas. De forma enfática questionou os critérios de definição de Atingidos utilizados pela Fundação Cultural Palmares que elaborou o diagnóstico e listou “as ditas famílias da ADA”, lista mantida quase em sigilo. Esse questionamento foi justificado pelo técnico da Fundação Cultural Palmares ao admitir que “pode haver falhas no trabalho e como é humano, pode ter errado”. A Casa Familiar Rural-CFR questionou o diagnóstico da Fundação Cultural Palmares e indagou de que forma o novo acordo influenciaria na Ação que movem as 58 famílias das cinco comunidades.
A BAMBAÊ, Coordenação das Associações Quilombolas localizadas no Território de Jambuaçu, assinalou que a luta é muito antiga e todos enfrentam dificuldades no território, portanto, não são apenas cinco comunidades atingidas. A proposta de criação de um Fundo pela Hydro não está clara. A MALUNGU também indagou sobre a proposta do Fundo e indicou que os quilombolas deviam estar informados sobre os mecanismos de organização, repasse e de gestão, ainda frisou que os quilombolas não tinham pressa para tomar decisões. Acrescentou a BAMBAÊ que havia sido entregue um Projeto à Hydro, com propostas de geração de renda, mas que não obteve respostas. De forma determinada insistiu que a SEMAS e a Fundação Cultural Palmares não podem decidir pelos quilombolas. O advogado da BAMBAÊ questionou o valor oferecido pela Hydro de um milhão por ano, o que é muito pouco para garantir os projetos das comunidades, interrogou a quem se destinaria esse aporte financeiro do Fundo e ainda acrescentou que esse valor – um milhão de reais -, dentro de 25 anos não teria valor algum.
Algumas associações se manifestaram sobre a “crise financeira” que atravessam e indagaram se haveria um instrumento que beneficiaria cada uma delas nesses acordos.
A única intervenção da SEMAS foi feito em resposta à indagação do MPF sobre os empreendimentos e seus licenciamentos. A resposta foi taxativa de que cada empreendimento realiza a discussão de propostas separadamente.
O MPF fez questionamentos sobre a proposta da HYDRO e solicitou esclarecimentos sobre os critérios usados no cálculo do Valor da Terra Nua; os critérios para definir a Área Diretamente Atingida e as diferenças em relação à Área de Influência Indireta – AII. Destacou os direitos territoriais dos quilombolas de Jambuaçu e frisou que todo o território deve ser indenizado em razão dos direitos quilombolas.
Reunião do dia 27 de maio de 2019
O MPF enviou convite para pesquisadores do PNCSA, que acompanham desde 2004, situações de conflitos dos quilombolas de Jambuaçu, para participar da reunião do dia 27/05/2019, às 10:00h, na sede do MPF em Belém. Nessa nova reunião estiveram presentes os representantes das associações quilombolas, a BAMBAÊ, Casa Familiar Rural, Malungu, SEMAS e Hydro, para examinar as propostas apresentadas pela empresa HYDRO/Mineração Paragominas, referentes ao cumprimento do componente quilombola dos empreendimentos mineroduto e linha de transmissão, que atravessam o Território Quilombola do Jambuaçu – Moju /Pará.
Os 51 quilombolas saíram do seu território, às quatro horas da madrugada, transportados em duas Vans até Belém; eles comentaram a sua chegada, com atraso de quase duas horas, devido as dificuldades do transporte. Os homens eram maioria. A comitiva da Hydro foi formada por José Haroldo Chaves, Fádwa Andrade e Lucas Vidotti Gomes e por Bruno Gomes, da “HUMANA”, empresa contratada pela Hydro.
A abertura foi realizada pelo Procurador Federal Felipe Moura Palha da Silva que deu as boas-vindas e fez o chamado dos representantes por cada Associação, sendo que cada uma tinha três pessoas designadas. O foco da reunião era a exposição detalhada da proposta da Hydro e resposta às dúvidas e questionamentos. O Procurador elencou os pontos e dúvidas registrados nas falas da reunião anterior, e a partir da leitura do documento de autoria da empresa, “Território Quilombola do Moju” (abril, 2019) indicou, “as tabelas são confusas e os representantes das comunidades precisam entender do que trata a proposta da HYDRO, por isso a empresa precisa dizer: – De onde vieram os números? Como chegaram aos valores mencionados na sua proposta? A quem será direcionada as indenizações? – O que é o fundo? Como se constitui? O que será preciso para gerir? Como os valores do FUNDO serão gastos? Como será feita a prestação de contas? – O que é área de servidão? O que é a averbação da servidão? Qual a metragem da área da servidão? – O apoio técnico será pago por quem? O custo está dentro do fundo ou a empresa vai assumir?”
A senhora Fádwa Andrade iniciou a apresentação da nova proposta da Hydro comentando que esta era “mais robusta, mais sólida” que a impressa e distribuída entre os presentes.
Os senhores José Haroldo Chaves e Lucas Vidotti, foram os expositores da proposta. José Haroldo Chaves fez uso da palavra para responder à questão: O que norteia a proposta da empresa? E no final reiterou que a “proposta da empresa busca uma solução definitiva, segura, de consenso e sustentável”; “a solução deve contribuir para uma cultura de Paz e para o desenvolvimento do território no longo prazo”. O expositor sinalizou nos slides com o mapa das comunidades quilombolas, a visão do impacto territorial. Um dos slides inova por situar a ADA como a mais impactada em uma escala. O que estaria de acordo com dados, que curiosamente não foram elaborados, pois o Estudo do Componente Quilombola e o Projeto Básico Ambiental Quilombola ainda não está concluído.
O item específico de Indenizações, Investimento Voluntario – Mecanismo Financeiro e Estudo Componente Quilombola foi rapidamente informado aos presentes. Os itens sobre a forma de identificar a Área Diretamente Afetada pelo Mineroduto, Área Diretamente Afetada pela Linha de Transmissão, Áreas sobrepostas foram objeto de indagações, assim como a Metodologia de Cálculo para Indenizações, apresentado por Lucas Vidotti. As questões feitas ao técnico da empresa não foram respondidas de imediato e satisfatórias. Foi concedido tempo para elaborar as respostas. Perguntou-se por que foi escolhido o Açaí como benfeitoria e para cálculo de indenizações? Lucas Vidotti informou que o cálculo da terra nua foi feito tendo como método comparativo o da ABNT e usou como critério imóveis (rurais) com as mesmas características” (Memória, 27/05/2019). Esse ponto é controverso, por reduzir a biodiversidade e escolher critérios de valoração de produtos diferentes aos das comunidades.
Outro ponto controverso é sobre a área de Servidão. De acordo com a Memória, a empresa esclareceu que “ÁREA DE SERVIDÃO são os espaços territoriais que a empresa precisa ter livre acesso para realizar os procedimentos de manutenção dos empreendimentos e que na prática estas áreas já não usadas, mesmo assim a empresa está pretendendo indenizar a restrição de uso. Para o mineroduto que tem 33,3308 hectares de área afetada, a sua faixa de segurança é de 20 m, portanto esta é a área de servidão; a linha de transmissão que tem 124,4877 hectares de área afetada, a faixa de segurança é de 60 m, segundo os representantes da empresa”. Indagado, o funcionário da empresa afirmou que “o cálculo da ‘terra nua’” foi estimado em R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), por hectare. Em relação as BENFEITORIAS PRODUTIVAS foi escolhido o açaí, cujo cálculo foi feito para reposição de 100% da área com restrição de uso, somando-se a isso o lucro cessante estimado em 3 (três) anos”. (Memória, 2019).
A constituição de um “Fundo” proposto pela Hydro foi um ponto polémico. Contudo ressaltam-se posições: estabelecer a tutela administrativa da empresa HUMANA imposta pela Hydro e os questionamentos pela BAMBAÊ e MALUNGU; a existência ou não de capacidade administrativa, organizacional e financeira pelos quilombolas para usos e aplicação coletiva desse Fundo.
Em síntese a posição dos quilombolas foi de ter tempo, sem pressões para discutir as propostas. Eles opõem-se a negociação fraccionada como proposta pela ADA; questionam o papel de HUMANA na administração do “Fundo”, empresa essa contratada pela Hydro, e entendem que devem voltar para o território, para debater quais os projetos.
A BAMBAE manifesta ter capacidade para administrar, além de já ter os projetos a serem desenvolvidos em cada comunidade. “A BAMBAÊ questiona o andamento das discussões e diz que tem pressa porque os projetos que possui estão aguardando a posição da empresa para sair do papel. Acrescentou ainda que eles são capazes de gerir os recursos do FUNDO, mas a empresa tem que fazer logo isso, porque eles já sabem o que fazer, cada comunidade já tem o seu projeto e informaram em outras reuniões, o custo de cada projeto, portanto não concordam que tenham que esperar mais. Na ocasião entregou também ao MPF o levantamento que fez sobre o número de famílias que vivem no Território Quilombola do Jambuaçu”.
No final da Memória o parágrafo indica a próxima etapa:
“1 – A HYDRO enviará ao MPF, no dia 03 de junho, relatório técnico detalhado explicando a sua metodologia e o fundamento do cálculo das indenizações e a empresa HUMANA apresentará material com as explicações sobre o FUNDO, sua constituição, funcionamento, destinação e utilização dos recursos; 2 – Após o recebimento dos documentos referidos no item 1, o MPF encaminhará à assessoria pericial para análise técnica; 3 – O MPF também se comprometeu a fazer uma breve apresentação na próxima reunião sobre a divergência conceitual existente em relação à área diretamente e indiretamente impactada, pois este é um grande entrave no processo, já que o MPF possui um entendimento diferente da empresa, em relação a esse assunto. 4 – Fica agendada a próxima reunião para o dia 03 de julho 2019, às 10:00, no MPF em Belém”.
Texto: Rosa Acevedo Marin
Fotografia: Cedidas pelo MPF