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EUA recorrem a antropólogos para resolver conflitos no Afeganistão


Fonte: globo.com


Numa isolada fortaleza talibã a leste do Afeganistão, soldados norte-americanos estão empregando o que consideram uma nova arma fundamental nas operações locais de contra-insurgência: uma antropóloga civil, de fala suave, chamada Tracy.

Tracy, que pediu que seu sobrenome fosse mantido em sigilo por motivos de segurança, faz parte da primeira equipe Human Terrain Team, um programa experimental do Pentágono que designa antropólogos e outros cientistas sociais para unidades de combate dos EUA no Afeganistão e no Iraque.

A capacidade da equipe em compreender pontos sutis das relações tribais – em um dos casos, localizando uma disputa de terras que serviu de base para o talibã ameaçar uma tribo principal – foi elogiada por oficiais que dizem estar obtendo resultados concretos.

O coronel Martin Schweitzer, comandante da 82ª unidade da Divisão Airborne que trabalha com os antropólogos, contou que as operações de combate da unidade foram reduzidas em 60% desde a chegada dos cientistas sociais em fevereiro. Ele também afirmou que os soldados estão capacitados para focar mais na melhoria da segurança, saúde e educação da população.

“Estamos vendo a questão de uma perspectiva humana, do ponto de vista de um cientista social”, declarou ele. “Não estamos focados no inimigo. Nosso intuito é levar o controle para a população”, disse Schweitzer.

Em setembro deste ano, o secretário de defesa, Robert M. Gates, autorizou verbas de expansão do programa avaliadas em US$ 40 milhões (cerca de R$ 73 milhões), que deslocarão equipes de antropólogos e cientistas sociais para cada uma das 26 brigadas de combate dos EUA no Iraque e no Afeganistão.

Como conseqüência, oficiais militares se dedicam a encontrar mais acadêmicos dispostos a aderir às tropas nas linhas de frente. Há um mês, cinco novas equipes foram enviadas para a região de Bagdá, totalizando seis equipes.

Críticas

Contudo, não são poucas as críticas no meio acadêmico. Citando o uso indevido, no passado, das ciências sociais em campanhas de contra-insurgência, inclusive no Vietnã e na América Latina, há quem denuncie o programa como uma forma de “antropologia mercenária”, que explora a ciência social para obtenção de vantagem política.

Pessoas contrárias ao programa temem que, seja qual for sua intenção, os intelectuais que trabalham com os militares possam, sem querer, fazer com que todos os antropólogos sejam vistos como aliados da inteligência do exército norte-americano.

Hugh Gusterson, professor de antropologia da George Mason University, e outros dez acadêmicos estão fazendo um abaixo-assinado pela internet pedindo que os antropólogos boicotem essas equipes, sobretudo no Iraque.

“Embora o programa seja apresentado como um trabalho a serviço de mais segurança mundial”, lê-se num trecho do manifesto, “na verdade, ele contribui com uma guerra de ocupação brutal que acarretou um volume enorme de baixas”.

No Afeganistão, os antropólogos chegaram junto com 6 mil soldados, o que duplicou o poderio militar norte-americano na área sob sua patrulha, o leste do país. Em uma versão reduzida do aumento de tropas da administração Bush no Iraque, o fortalecimento no Afeganistão permitiu que as unidades norte-americanas conduzissem a estratégia de contra-insurgência no país, onde as forças dos EUA, em geral, enfrentam menos resistência e têm mais condições de assumir riscos.

Perspectiva afegã

Desde quando o general David H. Petraeus, comandante chefe dos EUA no Iraque, coordenou a preparação do novo manual de contra-insurgência do exército no ano passado, a estratégia se tornou o mais novo mantra dos militares.

Uma recente operação militar dos EUA no Afeganistão ofereceu uma demonstração de como os esforços para colocar a nova estratégia em prática funcionam em campo de formas inimagináveis.

Em entrevistas, os oficiais norte-americanos elogiaram o programa de antropologia, declarando que a consultoria dos cientistas sociais se provou “brilhante”, ajudando-os a enxergar a situação pela perspectiva afegã e permitindo que eles reduzissem as operações de combate.

O objetivo final, segundo eles, é melhorar o desempenho dos representantes do governo local, convencer os membros de tribos locais a entrar para a polícia, atenuar a pobreza e proteger os moradores de vilarejos contra criminosos e talibãs.

Oficiais civis afegãos e orientais também elogiaram os antropólogos e a nova estratégia militar norte-americana, mas não estão convencidos sobre o sucesso do plano a longo prazo. Muitos problemas econômicos e políticos responsáveis pela instabilidade só poderiam ser solucionados por enormes quantidades de especialistas civis afegãos e norte-americanos.

“Minha sensação é de que o exército está atravessando uma mudança significativa neste momento, em que reconhece que não terá sucesso militarmente”, declarou Tom Gregg, oficial chefe da ONU no sudeste do Afeganistão. “Mas eles ainda não possuem a capacitação necessária para implementar” uma estratégia não militar que seja coerente, acrescentou.

Deslocando pequenos grupos de soldados norte-americanos para regiões distantes, os soldados de Schweitzer organizaram jirgas, ou conselhos locais, para solucionar disputas tribais inflamadas há décadas.

Os oficiais deram de ombros diante de perguntas sobre se o exército estaria à vontade com aquilo que David Kilcullen, antropólogo australiano e idealizador da nova estratégia, denomina “trabalho social armado”. “Quem mais fará isso?”, questionou o tenente coronel David Woods, comandante da 4ª esquadrilha, 73ª cavalaria. “É preciso evoluir. Caso contrário, você se torna inútil”.

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