Nova Cartografia Social Da Amazônia

AFROCOLOMBIANOS DE JAMUNDI: REALIZAÇÕES POLÍTICAS E AMEAÇAS ÀS FORMAS DE EXISTÊNCIA COLETIVA


Grupo que realizou a visita de campo a Jamundi. De direita a esquerda: Dona Nice Machado, Joercio, Carlos Escobar, Jurandir, Alfredo Wagner, Paulo, Ava (primeira fila); Cynthia, Dorinete e Joana (segunda fila), Sr. Moises, Rosa, Emmanuel, James, Maria e Selma, (última fila em pé).

Participantes do II Seminário Internacional Megaprojetos, Atos de Estado, Povos e comunidades tradicionais receberam convite de parte de Carlos Alberto Gonzalez Escobar – etnobiologo e representante de FUNECOROBLES – para visitar as comunidades afrocolombianas do município de Jamundi, Colômbia no dia 26 de outubro de 2018. A programação da visita de campo incluiu breve permanência nos povoados Quinamayo, Robles e observações mais detalhadas na Madre Vieja Cauquita y Guarinó e no aqueduto comunitário em Robles sob a gestão da Asociación de Usuarios del Água Potable del sur de Jamundí – Acuasur.

Ao longo da viagem, o grupo participante recebeu informações de Carlos Escobar relacionadas às mudanças em curso na região que afetam as comunidades tradicionais, em especial, as 14 comunidades quilombolas do município de Jamundi. Ostensivamente as áreas cultivadas de cana de açúcar dominam na margem direita e esquerda da estrada tomando as terras das comunidades. O uso de químicos na fumigação coloca em risco as fontes de água e a finca tradicional. As semeaduras de arroz também disputam essas terras, sob a forma também de monocultivos. As recentes políticas estatais têm fomentado o cultivo de frutas (Papaya, maracujá, goiaba, piña) para exportação e as unidades produtivas das comunidades tradicionais inserem-se nesse ramo, com redução das fincas tradicionais. Esse cultivo que depende dos preços na economia internacional pode levar a perdas monetárias que terminam determinando a venda dos terrenos. A finca tradicional representa um sistema de domínio sobre a terra que oferece menos ingressos, mas facilita a sua permanência como fonte de uso comum dos recursos. Quando o cultivo de frutas de exportação tem queda eles vendem a terra para os cañeros, e muitas vezes ocorre por pressão. Na região as zonas de arroz cultivado em terras alagadas; cultivo que opera em regime de monopólio pois uma única empresa processa, provê os insumos e comercializa. A economia do arroz e açúcar oferecem poucos empregos. A cana de açúcar está altamente mecanizada, quando contratam trazem os “corteros”, cortadores de cana de outros centros. A cana de açúcar retira água em poços profundos e retiram dos poços menos profundos.

Cultivos de cana ocupam grandes extensões

Plantadores de cana de açúcar

Carlos Escobar mencionou que a prática de queima da cana-de-açúcar afeta às comunidades pelo esquema de interpor denúncias contra elas e ainda comentou a cessão por arrendamento das terras para esse cultivo, como um meio das famílias obterem renda. Observou que o governo oferece subsídios para os cañeros e nega para os camponeses. Nos anos 1980 a finca tradicional detinha 600 hectares e atualmente está reduzida à metade.

Na descrição das mudanças na economia local, Carlos Escobar situou os Guaduales imensos, (áreas com abundância de Guadua spp) transportada para Cali e hoje conta-se com poucas plantas; o seu uso era para construir casas. Ainda, fez observações que incidiram sobre Projetos que findaram em “fracasso”. Nos finais de 1980 foi construída a fábrica Tilápia S. A para produção de peixe Tilápia vermelho, destacada por seu grande tamanho, os peixes eram criados em 110 lagos e nela estavam contratados 5.500 trabalhadores. Para jovens e adultos das comunidades representou a primeira experiencia de trabalho assalariado.

No trajeto os participantes tiveram indicação dos povoados: Villa Paz que possui um modelo educativo comunitário, com a maioria dos docentes locais. Essa comunidade esteve muito afetada pelos paramilitares que se tornaram autoridade e submeteram as pessoas a um regime de terror e violência. Villa Paz conseguiu subverter essa dominação. A comunidade Quinamajó recebe o nome do rio homônimo. Foi descrito o ciclo de festas religiosas e suas distinções. Sobre Robles distingue-se pela famosa cantora Leonor Gonzalez Mina, conhecida como a Negra de Colômbia.

Madre Vieja e Finca Tradicional

Novamente, Carlos Escobar centra a descrição na finca tradicional que está estreitamente associada aos humedales, conhecidos localmente como Madre Vieja, a cobertura vegetal da primeira protege esse recurso, em síntese, a finca tradicional é a floresta que fixa os humedales e o que conserva-se de vegetação nessa região. Carlos Escobar frisou que existem 14 Madres Viejas e vários deles já estão secos pela ação da cana-de- açúcar, criação de gado e obstrução dos canais de comunicação com o rio Cauca.

Vegetação aquática (Flor de Lotus) na Madre Vieja, que segundo Carlos Escobar, no início do século passado correspondia ao leito do Rio Cauca

As Madres Viejas constituem locais de pesca praticada pelas mulheres no horário da tarde, utilizando instrumentos tradicionais como vara e tarrafa. Com a perda das espécies que se deslocavam dos rios, alimentam os alevinos. Na Madre Vieja praticam as famílias atividades recreativas.

Canoa a margem da Madre Vieja

Aviso da Madre Vieja Cauquita

As fincas tradicionais respondem por uso tradicional, sem demarcação de limites, assim passa-se de uma finca para outra. Estas não foram reconhecidas e não tem títulos como território coletivo, embora as regras de uso e usufruto o seja. A finca corresponde a pequenas áreas. A medida usual é a plana, que corresponde a 6.400m2, aproximadamente meio hectare. Carlos Escobar destacou a diversidade de cultivos que em media é de 42 espécies, portanto uma longa lista da qual são destacadas as frutas: cacau, banana da terra, abacate, guaiava, sapoti, laranjas, peras, ingá, além de madeiras, café e diversas ervas aromáticas e medicinais. O Pipilongo, uma espécie de pimenta local, é encontrada neste ambiente.

Finca Tradicional com sua diversidade de espécies

As comunidades afrocolombianas reivindicam a permanência neste território, ainda fortemente ameaçado pela expansão especulativa, promovida pelo mercado de imóveis, orientado para construção de residências que se apoiam em planos de desenvolvimento territorial do Estado colombiano. Outro lado desse movimento especulativo é a comercialização pelos cañeros das áreas cultivadas de cana-de-açúcar que, devido à redução da lucratividade, têm maior interesse em transferir as terras para a indústria da construção civil.

Aqueduto Comunitário de AQUASUR

No município de Jamundi as quatorze (14) comunidades afrocolombianas usufruem de serviço de qualidade e preços acessíveis, a partir de sua inserção em um esquema de montagem e gestão do serviço de captação, tratamento e distribuição de agua que está sob a gestação de Acuasur, associação que tem autorização do estado colombiano para oferecer serviços e benefícios de agua potável para mais de 15 mil habitantes (3.200 casas), o que se baseia no princípio de que a água potável é um direito humano.

A contaminação do rio Cauca e dos igarapés (pequenos cursos de água que são conhecidas como quebradas) pela mineração de carvão era fonte de doenças e mortes, especialmente, entre as crianças. Nesse tempo os rituais de Bundé (velório de crianças) eram muito frequentes, observou Carlos Escobar.

A iniciativa das comunidades foi reunir-se e destinar o seu subsidio familiar (Fundo Nacional de Solidariedade) para junto com contribuições dos governos regional e local passar a construir um sistema de potalibilização, captação e distribuição de água potável para as comunidades negras de Jamundi. A construção iniciou em 1994 e depois de tentativas com a prefeitura constituiu um Comitê Operativo, posteriormente reunidos em Assembleia Geral, com três representantes por comunidade criaram a Associação ASOTIMBA. Estes firmam convênios com Acuavalle para realizar as operações. Mas, finalmente, experimentaram o abandono e o não cumprimento de convênios. Em 1999, decidiram tomar as rédeas do aqueduto e constituíram a Asociación de Usuarios del Água Potable del sur de Jamundí – Acuasur. A experiencia de planejamento comunitário, organização, gestão, formação e participação dos usuários que são sócios foi apresentada pelo Sr. Edgar Vivas que indicou os apoios institucionais do Instituto CINARA, Universidad del Valle e organizações locais.

Durante a visita a Planta de Potabilización Acuasur os participantes tiveram oportunidade de ouvir e conferir como as comunidades têm conseguido superar dificuldades e garantir códigos de organização comunitária e lutado pela autonomia política.

Unidades da planta de Potabilizacion de ACUASUR.

Unidades da planta de Potabilizacion de ACUASUR.

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O Sr. Moisés, responsável pelo aqueduto ofereceu informações detalhadas do funcionamento e cuidados com essa infraestrutura. A água é tomada do rio Timba e percorre 22 km até entrar no prédio para ser potabilizada e distribuída nas casas.

Desde a Planta de Potabilización Acuasur o domínio visual das montanhas.

A experiência humana que representou a visita de campo em Jamundi, nas comunidades afrocolombianas e no aqueduto sintetiza relações de pesquisa anteriores com Carlos Alberto Gonzalez Escobar, de mais de sete anos. A principal reivindicação apresentada pelas lideranças sociais de Jamundí aos coordenadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) consistiu na atualização do mapeamento social realizado há 20 anos atrás no referido território tradicional, com o propósito de reinterpretar os processos sociais e territoriais a partir de novas dinâmicas incidentes no lugar.

A senhora Rosalva Gonzalez, gentilmente nos recebeu em Quinamayó e nos ofereceu delicioso “refrigério”, Armando Vasquez que se disponibilizou a conversar brevemente sobre as comunidades negras de Jamundi; Edgar Vivas Larrahomdo, Administrador de Acuasur mostrando os domínios da gestão do aqueduto comunitário e senhor Moisés que gentilmente explicou o sistema de potabilização e distribuição da água a partir do aqueduto comunitário, uma experiência modelo de gestão autônoma.

Armando Vasquez dirige-se aos participantes na visita de campo narrando a respeito das lutas territoriais

Edgar Vivas Larrahomdo explica a gestão do aqueduto comunitário que se alimenta das águas do rio Timba, situado a 22 km da unidade de tratamento.

Dona Rosalva, mãe de Carlos Alberto González Escobar nos abriu as portas de sua casa, ofereceu o refrigério e não temos como agradecer tanta gentileza, lição de alegria e amizade.

Texto: Rosa Acevedo Marin, Selma Solange Monteiro Santos e Elielson Pereira da Silva

Fotos: Elielson Pereira da Silva

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