Respondendo a solicitação do povo Cariri, os pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – Núcleo Piauí realizaram nos 25 a 26 de agosto de 2018, na aldeia Serra Grande, no município de Queimada Nova, Estado do Piauí, a Oficina de Produção do Mapa. A atividade faz parte das ações do Projeto Brasil Central e contou com a participação de indígenas Cariri e lideranças das comunidades quilombolas Mocambo, Sumidoro e Tapuio. Durante a oficina foi refletida a situação e os problemas de cada povo.
Localizados na região do semiárido, os indígenas e quilombolas são severamente afetados pela falta d’agua. Vivem em condições difíceis, sem saneamento e com atendimento precário na área da saúde e educação. No aspecto territorial, sofrem com a morosidade do processo de regularização fundiária empreendido pela FUNAI e INCRA. A falta deste procedimento deixa as comunidades ainda mais vulneráveis diante dos empreendimentos da usina eólica que chegou à região. Possibilita, inclusive, que porções do território sejam arrendadas ilegalmente.
Eles afirmam que as empresas chegaram com promessas fantasiosas de geração de renda e emprego. As famílias que vivem em situação de extrema pobreza se tornaram presas fáceis. Sem muito esclarecimento, assinaram contratos de arrendamento de terras. Como alguns se recusaram a negociar, conflitos eclodiram nas comunidades.
“Eles chegaram aqui e nas primeiras palestras deles era que o rico ia milhonar, o pobre ia ficar rico e quem andava jogando areia quente na bunda com um chinelo ia passa a andar ,a andar de moto e de carro e não era um carro só não. As histórias eram bonitas. A conversa deles era essa, era de dá emprego a todo mundo, não tinha idade. As promessas eram bonitas. E eu sentado lá só assuntando e o outro que se faz de ativo, vai acolhendo a conversa e caindo na lama” (Laudemiro, Cariri da Serra Grande).
Não vejo miguem rico… Eu vejo a minha mãe, ela arrendou lá no Barreiro… Pois ela arrendou, tem ano que ela recebe, outro ano que não recebe. Ano passado não recebeu. Esse ano recebeu, mas o atrasado não recebeu (Maria da Paixão, Cariri Serra Grande).
“As terras já estão arrendadas. Muita terra aqui em cima da serra já estão arrendada. Foi feita uma medição que diz que não deu vento suficiente, ai arrendaram a terra pra energia solar. Agora eles estão com um novo cadastro, um novo cadastro pra energia solar. Uma boa parte da Serra Grande” (Zequinha, Cariri da Aldeia Serra Grande).
Diante das adversidades enfrentadas e dos problemas ocasionados pelas ações dos empreendimentos energéticos, eles acreditam que a produção do mapa beneficiará as comunidades, pois favorecerá o reconhecimento da existência dos indígenas e quilombolas de Queimada Nova. Como estão localizados na fronteira do Piauí, Bahia e Pernambuco, têm a preocupação de que o mapa não se limite a um Estado, pois é preciso contemplar os recursos necessários à sobrevivência e os parentes que vivem no mesmo território, mas localizados em Estados distintos.
Já tinha escutado falar (de fazer mapa), mas da comunidade da gente, não. É ótimo! A gente se torna mais conhecido por todos. Parece que a gente é uma comunidade que é um deserto, que ninguém sabe da existência (Janeane, Quilombo Mocambo).
“É pra acabar com essa história das empresas que estão chegando aqui e que diz que não tem mais indígena. Ah ninguém conhece! No Piauí não conhece! Vocês não tão na FUNAI. A gente vai na FUNAI e não encontra nada. Esse é o primeiro passo pra divulgação, é esse mapa da divulgação desta comunidade. Que as outras empresas não vão mais chegar aqui: Onde é a comunidade indígena? Aonde é? Muitos deles já chegaram aqui sem conhecer. Na assembleia eles chegaram aqui: Aqui tem comunidade indígena? Nem os quilombolas que tem uma luta grande não são reconhecidos. Eles são reconhecidos em nível da Fundação Palmares, mas no município não sabe. No município não sabe onde estão as comunidades quilombolas porque não são mapeadas, não tem um mapa. Não tem um mapa pra contar as histórias desses povos, dos indígenas e quilombolas” (Cacique Francisca Cariri, Aldeia Serra Grande).
“A gente mora em uma comunidade de fronteira, fronteira com a Bahia e o Pernambuco. O mapa não pode ser só a questão de um Estado. Tem que ser um mapa de onde as famílias precisam pra sobreviver” (Zequinha, Cariri da Aldeia Serra Grande).