Nova Cartografia Social Da Amazônia

SEMINÁRIO “DIREITOS HUMANOS E ATOS DE ESTADO”


Dando continuidade ao ciclo de Seminários Temáticos “Políticas Públicas para o Brasil que queremos”, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizou um debate sobre os direitos humanos e atos de Estado, no dia 14 de junho, na Universidade de Brasília (UnB). O evento contou com a participação de especialistas que são referências na área, como Deborah Duprat, procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), Luiz Eduardo Bento de Mello Soares, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e considerado como um dos mais importantes especialistas em segurança pública do Brasil, e Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Coordenador da “Terra de Direitos” além dos professores Otavio Velho (UFRJ), Luis Roberto Cardoso de Oliveira (UnB), Cynthia Carvalho Martins (UEMA), Henri Acselrad (UFRJ), Fernanda Sobral (UnB), Patricia Portela (UEMA), Maria Stella Grossi Porto (UnB), Izaura Sobral (UFS) e Adriana Sarair (CNPq), Liliana Vieira Moraes, militante dos movimentos que demandam Direitos da Pessoa com Deficiência, Paulo Maldos do Conselho Federal de Psicologia-Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Cecilia Bizerra Souza, Secretária Executiva do CNDH, e o Presidente da SBPC Ildeu de Castro Moreira.

No encontro foram abordados temas amplos relacionados aos direitos humanos como “Os direitos humanos – desafios e perspectivas”, “Direitos humanos e segurança pública” e “A ação do Conselho Nacional de Direitos Humanos”. E nas diferentes perspectivas apresentadas, foi possível identificar fatores que influenciam nas violações dos direitos mais fundamentais das pessoas.

O coordenador do evento, antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, conselheiro da SBPC, ressaltou para o Jornal da Ciência, reportagem de Daniela Klebis, que um ponto central destacado no evento foram as políticas de austeridade impostas pelo atual governo e como elas favoreceram o aumento das diferenças sociais, da miséria, provocando a degradação das relações de trabalho e o crescimento desmedido da violência no País.

A violência aumentou desmesuradamente e os índices de violação de direitos humanos cresceram. Essas medidas de restrição de aportes financeiros já assegurados na década anterior trouxeram intranquilidade para a vida universitária e afetam fundamentalmente o progresso científico. Os registros de arbítrio contra autoridades universitárias (prisão de reitores, ameaças a professores, tentativas de impedir a realização de pesquisas de campo) aumentaram, bem como casos de violação da autonomia universitária com intrusamento de campi buscando impedir a realização de atividades dentro das próprias universidades (seminários e worshops) e restringir o direito à livre expressão. A permissividade destes atos impacta os incentivos ao ensino e à pesquisa, porque tivemos, simultaneamente, uma redução expressiva de bolsas de estudos, sobretudo aquelas destinadas a indígenas e quilombolas, dos financiamentos à pesquisa e voltamos, em termos de atos arbitrários, aos patamares do século passado. Aliás, nesse atual governo, a primeira medida adotada foi justamente alterar o conceito de trabalho escravo, através da redefinição da jornada de trabalho e das condições de precariedade do trabalho. Esse governo atualizou, deste modo, todas as formas de mobilização da força de trabalho análogas à escravidão. Inclusive com a suspensão da publicação da “lista suja”, daqueles que infringem a legislação trabalhista,

afirma Almeida.

Deborah Duprat fez uma descrição detalhada revelando o que significaram as políticas de austeridade no Brasil nos últimos dois anos: o que significa a reforma trabalhista, a redução da seguridade social, e de que forma elas acentuam as desigualdades. Segundo ela, a partir da Constituição de 1988, com o esforço coletivo de trazer para a sociedade novos sujeitos de direito, houve o reconhecimento da pluralidade social no País e a reconfiguração de novos espaços sociais, permitindo repensar gênero, sexo, identidades, a ideia de direitos humanos, o sistema penal, e tudo o que produz desigualdades sociais nesse país. A Constituição de 1988 mostrou as condições de possibilidades de atingirmos um patamar mais elevado, de sociedade civilizada, com respeito aos direitos humanos.

Na visão da Procuradora, em 2016, houve uma ruptura com essa Constituição. E houve a revogação de direitos trabalhistas, com a redefinição do conceito de trabalho escravo, a proibição de divulgação da “lista suja”, e isso trouxe uma crise profunda para a sociedade brasileira.

“Precisamos refletir sobre o que é um país em crise, que rompe um pacto de uma Constituição, e traz o aumento da desigualdade”, comenta o coordenador do Seminário.

Outro expositor foi Luiz Eduardo Bento de Mello Soares, que foi secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, e autor dos livros Meu Casaco de General e um dos principais inspiradores do filme Tropa de Elite, que deu origem a mais de um filme. Soares  discutiu o papel da polícia, que é uma questão fundamental para a democracia brasileira, que precisa se levar em conta para se pensar em maneiras de superar esse quadro de violência extremada. Ele mostrou como a segurança pública é frequentemente negligenciada.

Dados apresentados mostraram que somente em 2016 foram contabilizados 62.517 homicídios dolosos no País, e desses, 71,5% são pessoas negras. Apenas 8% de todos esses assassinatos constituíram inquérito. “Ou seja, a tragédia é de grandes dimensões, imensa, mas a investigação é pífia, porque 92% dos homicídios ficam impunes”.

O palestrante Luiz Eduardo assinala que a população penitenciária do Brasil cresce de maneira veloz: temos hoje mais de 700 mil pessoas detidas. Temos o crescimento mais veloz de população encarcerada do mundo. “E quem são esses presos? São aqueles mesmos dos homicídios: são negros, são pobres, de baixa escolaridade”.

Almeida reafirma também que outra grande preocupação levantada são as violências cometidas contra a autonomia das Universidades. “Tivemos vários casos ano passado de reitores serem presos e algemados, inclusive um deles levou ao suicídio de um reitor. Tivemos também a invasão de campi por grupos de interesse como mineradoras e representantes de partidos políticos, que invadiram a Universidade do Pará, no meio de um seminário que discutia os megaprojetos no Rio Xingu, coordenado pela Profa. Rosa Acevedo Marin”, ressalta, lembrando o caso ocorrido em novembro de 2017, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, quando um grupo de aproximadamente 40 pessoas impediu de forma violenta a realização do Seminário “Veias Abertas da Volta Grande do Xingu: Análise dos Impactos da Mineração Belo Sun sobre a Região Afetada por Belo Monte”. A invasão foi capitaneada pelo prefeito do município José Porfirio, Dirceu Biancardi, acompanhado do deputado estadual Fernando Coimbra e seus assessores. Com atos intimidatórios, eles chegaram a fechar as portas do auditório, o que impediu a entrada e saída dos participantes do seminário, caracterizando violações graves como cárcere privado, impedimento de direito de ir e vir, bem como prejuízo às atividades de divulgação de estudos e análises sobre impactos socioambientais na região.

Darcy Frigo discutiu o desmonte das políticas públicas com a Emenda Constitucional 95. E chamou também a atenção para a ameaça aos princípios democráticos e de igualdade.

Os participantes da discussão também levantaram questões como o casamento perverso de polícia e lei das drogas, as políticas de saúde mental, os direitos das pessoas com deficiências, que ainda sofrem discriminações no mercado de trabalho, e o uso e aplicação dos transgênicos, vistos à luz dos direitos humanos.

Segundo o professor Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho, professor emérito da UFRJ e presidente de honra, que participou das discussões do seminário, apareceram no Seminário, questões de direitos humanos que não temos a tradição de discutir. “O seminário cobriu um campo extremamente vasto da questão dos direitos humanos, desde questões no interior da Amazônia, até nas favelas cariocas. Foi uma oportunidade para pessoas que estão trabalhando em campos diferentes trocarem experiências sobre suas atividades e as questões envolvidas. Até que de modo surpreendente se percebesse que, apesar de serem situações diversas, existem fatores recorrentes nas situações, por mais diferentes que elas sejam”, disse, destacando, por exemplo, a questão da violência policial. “As diferenças sociais aparecem na maneira como os diversos grupos são tratados e a violência tende a focalizar nos grupos sociais mais vulneráveis, e em temos raciais, a população negra, ribeirinha e indígena. Focalizar esses assuntos, nesse quadro panorâmico, permitiu essa constatação e a discussão muito rica entre os especialistas nos diversos campos, a respeito do assunto.”

70 anos de luta

O coordenador do Seminário Temático destaca ainda que neste ano em que a SBPC celebra 70 anos de sua fundação, marcados pelas lutas pelo desenvolvimento da pesquisa científica, autonomia universitária, liberdade e democracia, é também o ano em que se comemora os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), da ONU.. Conforme conta, esse regime internacional de direitos humanos foi reiterado diversas vezes no evento, porque inclui todos os acordos internacionais relacionados.

“O período compreendido por essa declaração dos direitos do homem, que coexiste com a existência da SBPC, abrange sete décadas marcadas pelo surgimento de normas internacionais de direitos humanos e do movimento de pessoas através das fronteiras – em particular, refugiados, favelados, beneficiados com asilo político -, que estão sujeitos ao regime internacional de direitos humanos”, ressaltou.

Em breve será publicado documento em que serão elencadas as propostas debatidas nesse seminário objetivando politicas públicas em direitos humanos.

Artigo anteriorSEMINÁRIO 2 e 3 de julho de 2018 Povos e comunidades tradicionais da Volta Grande do Xingu face aos projetos desenvolvimentistas Próximo artigoA BASE DE ALCÂNTARA E AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NOVO CAPÍTULO DO CONFLITO