Nova Cartografia Social Da Amazônia

Reunião Preparatória do Alto Juruá, Acre


Entre os dias 2 e 5 de outubro, foi realizada uma reunião preparatória ao Encontro Regional do Núcleo Acre com moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. A reunião ocorreu no Centro Yorenka Antame, vizinho a sede municipal de Marechal Thaumaturgo, extremo oeste acriano, fronteiriço com o Peru.

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Estiveram presentes 10 integrantes do Grupo Vida e Esperança, sob a liderança de Antonio Texeira da Costa (na foto ao lado), localmente conhecido por “Caxixa”, experiente e auto-didata agricultor, especialista em consórcios criativos para implantação de experimentos agroecológicos. Do PNCSA participaram Mariana Ciavatta Pantoja, Amilton Pelegrino de Mattos e José Carlos Reis Meirelles Jr. Como convidado, esteve presente o cacique Osmildo Kuntanawa, cuja demanda territorial foi objeto do fascículo 31 da série NCSA.

A reunião teve justamente o objetivo de preparar os participantes para um protagonismo maior durante o Encontro Regional, e foi assim um momento de formação para todos.

Num primeiro momento, foi exibido a versão preliminar de um audiovisual que está sendo finalizado pela equipe do Núcleo Acre a partir de material recolhido numa viagem de campo, em fevereiro passado. O filme, na reunião coletivamente batizado de “Construindo Vida”, cartografa, com um mídia diferente da impressa, o trabalho agroflorestal que cada membro do Grupo Vida e Esperança vem fazendo dentro da Reserva, na contramão das práticas de desmatamento em curso. A partir deste mote inicial, alguns temas foram sendo então tratados ao longo dos dias, em especial o de consórcio e rede.

DSC01499Partindo da idéia inicial de que consorciar é um conhecimento relativo às combinações possíveis de serem feitas num sistema agroflorestal, e em especial ao espaçamento entre as mudas, evitando que o adensamento seja prejudicial ao pleno desenvolvimento do experimento, a noção foi sendo expandida como uma metáfora para pensar as trocas e parcerias possíveis de serem feitas com e entre conhecimentos e conhecedores. Diferentes experiências de consórcio foram trazidas para a discussão, inclusive com o recurso a desenhos, quando os participantes representaram graficamente seus plantios e consórcios

Além dos consórcios praticados dentro de um mesmo sistema agroflorestal, outras formas de consorciar também foram exploradas, como as trocas já existentes entre os agroflorestais do Vida e Esperança, entre eles e outros moradores da Reserva, ou ainda as trocas com os vizinhos indígenas. A idéia de consórcio foi progressivamente extrapolando seu âmbito para relações inter-específicas, como as entre plantas e animais, aquelas fornecendo o alimento, estes dispersando as sementes. 

Como contra-ponto a toda esta riqueza de conhecimentos e possibilidades, o des-matamento emergiu como um des-conhecimento, uma prática e saber pobre em vida (outra noção cara ao Vida e Esperança): planta-se capim, e só; cria-se gado, e só.

A idéia seguinte trabalhada foi a de rede. Rede como oposto ao estar só, isolado; a rede como um sistema de relações extremamente diversificado e em constante construção, inacabada e dinâmica; finalmente, a rede que permite conexões não hierarquizadas, e sim rizomáticas.  O que trocar nesta rede da qual o Vida e Esperança, ou seus membros individualmente, podem ser pontos de conexão? Conhecimentos, conhecimentos tradicionais, saberes e práticas alternativas ao desmatamento. 

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O Encontro Regional foi emergindo assim como um momento de estabelecer conexões com outros grupos e pessoas, interagir, fazer consórcios, trocar experiências. O Encontro Regional como uma rede de conhecimentos, uma articulação que possa fortalecer grupos locais que vem, alguns há já bastante tempo, desenvolvendo trabalhos que, por mais diversos que possam ser, têm a reuní-los a proposição de uma perspectiva outra que a colocada pelo desmatamento no Vale do Juruá.

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Finalmente, merecem registro ainda o uso da ferramenta audiovisual da qual o Núcleo Acre, com o incentivo e habilidades de Amilton Mattos, vem se apropriando em suas atividades. Além do filme “Construindo Vida”, e da documentação audiovisual de todo o evento, sessões noturnas de filmes foram realizadas. Na primeira, o filme foi “Paralelo 10”, de Silvio Da-Rin, que registra o trabalho de José Carlos dos Reis Meirelles Jr. à frente da Frente de Proteção Etno-Ambiental do Rio Envira. Foi uma ocasião privilegiada para ouvir as conversas do “velho do rio” (abaixo sendo filmado por Amilton) , principal protagonista do filme, e saber um pouco mais sobre os “índios isolados”, ou “brabos”, moradores vizinhos daqueles territórios fronteiriços. Noutra sessão realizada vimos “Belo Monte, anúncio de uma guerra”, que documenta a ameaça que a construção da hidroelétrica está significando para índios, pescadores e ribeirinhos da região, e a forma como esses grupos têm lutado para defender suas vidas e territórios.

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