Antonio João Castrillon Fernández
Sob a coordenação da professora Pamella Passos, o Instituto Federal do Rio de Janeiro organizou, entre os dias 08 e 10 de outubro, o Seminário Cultura e Direitos Humanos. O seminário teve como objetivo promover uma reflexão sobre a importância da cultura como condição de garantia dos direitos humanos, assim como, proporcionar aos participantes troca de experiências sobre cartografia social como instrumento de luta por garantidas de direitos de povos e comunidades tradicionais.
O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, representado pelo sr. Antonio Kanela e pelo pesquisador Antonio João, participou diretamente de três momentos do seminário.
A mesa “mapeamentos, cartografias e suas implicações” abordou diferentes experiências de mapeamento e cartografia social. Antonio Kanela, ao relatar a Oficina de Mapa realizada pelos Kanelas do Araguaia, destacou a importância da cartografia na recriação da trajetória do grupo, que guarda em memória os elementos articuladores de uma identidade coletiva. Antonio João, no primeiro momento, destacou a importância e necessidade de refletir sobre a fronteira do conhecimento que se estabelece entre o conhecimento científico e o conhecimento tradicional: os representantes das comunidades não se colocam nesta relação como portadores de informação (ou seja, como informantes), mas como protagonistas do próprio conhecimento; para em seguida argumentar que, não cabe ao pesquisador se colocar como mediador da fala ou de representação das identidades coletivas. Por fim, chamou atenção para a grande diversidade de identidades coletivas, que se manifestam em formas específicas de apropriação da terra, de uso dos recursos naturais e de formas de organização e representação; diversidade que não se enquadra em categorias abrangentes e homogeneizadoras, sejam elas analíticas ou de representação. As professoras Pamella Passos e Adriana Facina apresentaram o trabalho de mapeamento dos bailes funks no Rio de Janeiro. O mapeamento indica que a intensificação da militarização das favelas age no sentido de reprimir a organização dos bailes. Neste contexto, a “pacificação” é analisada como neutralização dos instrumentos culturais das comunidades.
A oficina “inovações tecnológicas e cartografias sociais: práticas de pesquisa aplicadas” foi um momento para refletir sobre experiências de cartografia social. Os representantes do PNCSA tiveram a preocupação exaustiva de enfatizar que não se tratava da apresentação de uma metodologia de cartografia social ou de mapeamento social adotada pelo Projeto Nova Cartografia, tratava-se de experiências específicas de cartografia social realizada no estado de Mato Grosso com os povos Kanela do Araguaia, Xerente e Juruna, que não servem de modelo para outras situações.
Para Antonio Kanela a Cartografia é da Comunidade, a comunidade decide o que deve ser discutido, decide sobre o conteúdo do fascículo, decide quem participa da oficina, decide o que é importante para o grupo naquele momento, o pesquisador contribui para a realização do trabalho. Para a comunidade é um momento de encontro e de fortalecimento da organização. O fascículo é um instrumento de reconhecimento e luta da comunidade.
A cartografia foi trabalhada como tecnologia apropriada e controlada socialmente pela comunidade, aplicada à sua realidade, portanto, como uma tecnologia social que responde às necessidades específicas do grupo. A comunidade passa a ter controle sobre todas as etapas, processos e instrumentos da cartografia. Para a operacionalização do trabalho é oferecido curso de uso de GPS, necessário para o georreferenciamento dos pontos trabalhados na oficina de mapa. Atualmente, com o uso de computadores portáteis torna-se possível a elaboração do mapa durante a oficina. A duração, os recursos, os processos adotados na oficina são definidos no decorrer da própria oficina.
Cartografando o Complexo do Alemão. A organização do Seminário em parceria com o Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), proporcionaram aos participantes uma visita guiada pela vias e vida do Complexo do Alemão. O morro visto de cima, da cabine do teleférico, impressiona pela grandeza, pela densidade, pela homogeneidade: um cinza contínuo desfeito pelo verde das bordas do morro, pelo avermelhado dos “barracos”, pelos coloridos dos pincéis dos seus artistas e pelo azul do infinito. O morro visto de baixo, das ruas, dos caminhos, impressiona pela diversidade, pela arquitetura, pelo movimento, pela presença de pessoas expostas para ver e serem vistas, pelos buracos nas paredes, pelas histórias tristes e alegres: a linearidade se rompe nas curvas das vias, que leva para o mesmo lugar: para o morro. Cartografar o Morro do Alemão caminhando pelas suas quase ruas, conversando rapidamente com algumas das suas pessoas, brincando com um pouco das suas crianças foi o suficiente para desconstruir a imagem pálida de um território sem vida. O morro é um território criativamente inventado pelos seus quase “trezentos e cinquenta mil” habitantes e contidos pelos “seus” quase “mil e oitocentos” policiais. O medo não passa despercebido para quem por ali passa.
Duas outras mesas completaram as atividades do seminário: cultura e violação dos direitos humanos e cultura, sobrevivência e resistência. O tema da violação dos Direitos Humanos foi abordado por representantes do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da organização Raízes em Movimento, esta última criada por moradores do Complexo do Alemão. Raphael Calazans, morador, músico e produtor cultural do Morro do Alemão, problematizou a política militarizada de pacificação das favelas, que, para exercer o controle sobre o território, impede a realização das manifestações culturais próprias das comunidades, principalmente ao que ser refere a realização dos bailes funks, e recorre ao uso da violência contra moradores da favela. A mesa cultura, sobrevivência e resistência, além da participação do deputado Jean Wyllys, contou com a contribuição da Janaina Tavares, estudante da UFRRJ, criadora do projeto Sarau V, e do músico Abel Luiz, um dos criadores do grupo Loucura Suburbana.