A primeira Decisão foi assinada em cinco de novembro de 2014 – Poder Judiciário, Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, Cartório da 1ª Vara Cível e Acidente do Trabalho – após o Despacho objetivando o cumprimento da Reintegração de Posse, assinada no dia 29 de setembro de 2014. A segunda Decisão foi assinada no dia 29 de julho de 2015, no âmbito do Poder Judiciário, 3ª Vara de Justiça Federal no Amazonas. São Processos requerendo uma área total de 1.499.800,00 m², de autoria de Hélio Carlos De Carli e Márcia Cristina Lopes em desfavor de duzentas famílias, que representam dezessete povos da Amazônia, que solidificaram o espaço físico como terra de pertencimento coletivo, no dia 18 de abril de 2013, a partir da criação de uma unidade organizativa denominada Parque das Tribos.
Esta situação de tensão por que passam os grupos étnicos levam Messias – pertencente ao povo Kokama – a dizer que tudo ainda “é um sonho”, ao mostrar a sua luta junto com os moradores “para construir escola, que é a parte fundamental da vida do ser humano, a educação, para ter um polo de saúde, fundamental para a vida do cidadão”. Ele reforça dizendo que “essa é a nossa situação hoje, Glademir, estamos nos preparando para insistir com que as autoridades vejam os nossos povos com outro olhar”. Do contrário, afirmou Messias, continuarão tomando decisões como a que foi assinada no dia 29 de julho deste ano, “que expede essa reintegração de posse, que não considera nada dos outros órgãos do governo federal, os quais atuam em nossa causa, na audiência do dia 24 de abril deste ano, como a DPU, AGU, a FUNAI, desrespeitando as decisões, e isso, para nós, estamos sendo discriminados ainda no século XXI”.
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A primeira investida judicial em desfavor de duzentas e oitenta famílias indígenas, que produzem estes critérios étnicos, traz uma abordagem que determina sua retirada do espaço físico acima referido, em cujo conteúdo emerge um problema que, ao ser especificado a seguir, traz no bojo tanto a representação do sistema de exclusão, quanto a sua base epistemológica, que serve para a reprodução de ações operacionais economicamente definidas e vigentes nos espaços sociais das áreas do Tarumã Açu, zona oeste de Manaus.
Ao mesmo tempo em que o Estado flexibilizou sua apropriação direta por grupos empresariais, em consonância com a Lei n. 1070 de outubro de 1920, dezenas de famílias indígenas frequentavam essas áreas à margem do Rio Tarumã-Açu e nelas iam construindo seus espaços sociais com atividades de pesca, caça e de agricultura, espaços estes que vigoram até hoje, com a formação de associações indígenas e não-indígenas, configurando-se num espaço de disputa de interesses diametralmente opostos, com inúmeros mandados de reintegração de posse acionados por particulares ou representantes de empresas.
O problema se atualiza hoje, sintetizado num Despacho, em resposta a um processo de Mandato de Reintegração de Posse (Cf. Confira o Processo nº 0619647-532014.8.04.0001, código 1BD01DB, fl 139),impetrado contra dezenas de famílias indígenas, na ocupação Parque das Tribos, numa das áreas do Tarumã Açu, que atualmente passa por um acentuado processo de especulação imobiliária, e traz no conteúdo a determinação do mandado expedido e, na sequência, no último dístico, diz que “tribos indígenas tradicionais”, “entendidas como aquelas que não tiveram contato com a civilização”, como podemos especificar a seguir:
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Os procedimentos organizados pelas lideranças, assentados no fator étnico, alcançou o campo jurídico, em que são destacados processos de reintegração de posse, que se tornaram corriqueiros em toda a extensão de terra conhecida pelo nome Tarumã, contra as formas associativas de famílias indígenas e não-indígenas. Contra esta estrutura, Messias assevera que “nossos juízes e intelectuais ainda não pararam de desrespeitar a nossa vivência, a nossa harmonia, nossas culturas que ajudam a preservar aquilo que um dia foi dos nossos antepassados”.
Difícil encontrar como autores desses processos pessoas provenientes de famílias de pertencimento a povos e a comunidades tradicionais, mas, na maioria dos casos, os autores são aqueles que, oportunamente, estabeleceram-se em Manaus e construíram relações político-econômicas com o Estado, cujas práticas especulativas das terras do Tarumã se conhecem desde a Lei nº 1.070, de 19 de outubro de 1920, no então governador do Amazonas, Pedro de Alcântara Bacellar, a partir da qual se justifica a concessão de terras, antes e depois de sua promulgação pelo governo, a qualquer particular, empresa e companhia, como rezava o Art. 1º. Daí ser necessário, do ponto de vista jurídico do território, fazer um esmero estudo da cadeia dominial da área específica e de outras áreas do Tarumã, diante de situações de reivindicações de posse, estudo semelhante ao que foi feito no âmbito do Ministério Público Federal por especialista da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, cuja conclusão aponta para “necessidade da adoção de outras providências”, que servem de alerta, para não utilizar determinadas ações que servem “como mote para legitimar processos de apropriação fundiária empresarial, eivados pela desigualdade e baseados em títulos de domínio que, melhor examinados, revelam uma localização incerta ou dúbia validade” (Cf. Procedimento nº 1.13.000.000022/2008-21).
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De acordo com as lideranças do Parque das Tribos o que as famílias querem é garantir o espaço social para a afirmação étnica. Para elas o espaço organizado com fatores étnicos garante a proteção familiar e social, tornando certa a produção de expressões culturais. Neste sentido, o espaço social com essas características revela um novo projeto que possibilita pensar a identidade numa perspectiva desses critérios acima definidos.
[1] Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pelo PPGSCA/Universidade Federal do Amazonas e doutorando pelo mesmo Programa, pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia.Baixe e leia o artigo completo: