Quilombolas do rio Pacajá se dirigiram no dia 26 de janeiro último ao Ministério Público Federal para fazer denúncias de violências da empresa CIKEL Verde Madeiras Ltda, arrendatária de uma área de 145.000ha da denominada Fazenda Pacajá da qual se afirma proprietária a ABC – Agropecuária Brasil Norte S/A – Produção e Exportação, localizada entre os municípios de Portel e Bagre e aqui transcritas.
“Os abaixo assinados vêm respeitosamente comunicar as situações que os quilombolas do rio Pacajá estão experimentando desde 2013 e que teve um novo fato no dia 15 de janeiro de 2015. Neste ano, os filhos do senhor Francisco Pantoja do Nascimento tiveram seus instrumentos de trabalho retirados violentamente por dois policiais e um segurança a mando da empresa CIKEL S. A. Em junho de 2014, Elielson Alves Tenório, nascido em São Sebastião de Cipoal também foi agredido por funcionários dessa empresa que o despojaram de roupas, espingarda e o ameaçaram sob acusação de ter “entrado nas terras do CIKEL”.
No dia 15 de janeiro, Benedito Nascimento, Miguel Nascimento, Raimundo Nascimento, Manoel Andrade e Alacid Maria Tenório realizavam trabalhos de limpeza na roça situada a margem direita do rio Pacajá. Próximo de uma hora da tarde chegaram três funcionários da CIKEL S.A, de nome Antônio, Silvio e Nildo. Os três se identificaram como efetivos da Policia Militar e obedeciam aos comandos do denominado Silvio. Informamos que nós conhecemos estas pessoas como sendo funcionários da empresa e que em nome da Gerente, de nome Karen nos obrigaram a entregar uma espingarda, três terçados, um machado e uma motosserra”.
Os conflitos das madeireiras com os povos e comunidades tradicionais do rio Pacajá não são de hoje. Vários entrevistados em São Sebastião, Cipoal, Nossa Senhora do Carmo reconhecidas como comunidades quilombolas relataram as formas como foram expulsos das terras tradicionalmente ocupadas pelas empresas e que produziram ao longo de cinco décadas, a retirada da madeira e desmataram centenas de hectares, citando entre elas ABC Norte, Martins, Elmo Balbinot, Vera Cruz e Amacol. O “Projeto Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territorial contra o desmatamento e a devastação: processos de capacitação de povos e comunidades tradicionais” realizou oficinas no ano passado no qual são apontados os conflitos e descritos os processos de desmatamento.
O Ministério Público Estadual convocou uma Audiência para o dia 27 de janeiro de 2015, realizada no auditório das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude de Belém para tratar do conflito envolvendo as empresas madeireiras Cikel Brasil Verde Madeira Ltda e ABC – Agropecuária Brasil Norte S/A e as comunidades ribeirinhas e quilombolas do rio Pacajá no município de Portel. Na reunião estiveram presentes Manoel do Socorro Nascimento dos Anjos, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombolas Cipoal, Rio Pacajá, Portel – ARQUISC, Alacid Maria Tenório Moraes e Raimundo do Socorro Nascimento da comunidade Nossa Senhora do Carmo, acompanhados das pesquisadoras Rosa Acevedo e Eliana Teles. O objetivo da Promotora Dra. Eliana Moreira foi uma “tentativa de mediação do conflito” haja vista o agravamento. Representando as empresas ABC Norte e CIKEL contavam-se quatro advogados, funcionários e técnicos em geoprocessamento da empresa Geoflor, responsáveis pelo georreferenciamento das empresas citadas. Estiveram também presentes advogado da FETAGRI e representante do STTR de Portel e dois técnicos da SEMA.
Várias comunidades tradicionais e ribeirinhas dos dois municípios têm ajuizado denúncias contra as empresas Cikel Brasil Verde e ABC Norte por conta dos atos de violência que vêm sendo praticados por seus funcionários. De acordo com as denúncias, os vigilantes andam pela mata armados e trajando roupas da polícia militar e do exército; estes abordam com violência as pessoas, confiscam seus materiais de trabalho e invadem suas casas em busca de provas contra o que chamam de “extração ilegal de madeira.”
De acordo com a Promotora, dentre os 145.000ha que compõem a extensão territorial do domínio da ABC Norte e sua arrendatária a CIKEL Brasil Verde, há incidência em sobreposição, principalmente nas áreas ocupadas por comunidades tradicionais. Os técnicos e advogados das empresas, contestaram a afirmativa tendo em vista seu próprio entendimento do que seja “área de uso comum”. A empresa tem plano de manejo aprovado pela SEMA, que não soube informar a área exata da CIKEL, conforme disse a Promotora Eliane Moreira. Esta empresa fez levantamento cartográfico em 2010 para regularização das áreas de uso e de ocupação por ribeirinhos e desse modo poder realizar seu plano de manejo. O levantamento teve como base as “autorizações de uso” fornecidas pelo SPU permitindo o uso em área de várzea. Para tanto, propôs que as comunidades tradicionais e ribeirinhos utilizassem a área à margem do rio, onde estão suas plantações de açaí, mas apenas no período da safra – que perdura nos primeiros meses do verão amazônico – também disponibilizou parte da terra firme, onde localizam suas roças. Contudo, no período da entressafra, as pessoas não podem adentrar o território para utilizar os recursos da terra firme. É quando a empresa intensifica a fiscalização com presença de funcionários, e até mesmo policiais, na mata.
Ressalta-se que, autorizações de uso, recebidas por algumas comunidades, no entorno da empresa têm como referência o Termo de Uso da SPU. Esta permite a “posse agroecológica”, mas se baseia em delimitação restritiva contrariando assim, as formas de uso dos recursos e modos de manejo realizados pelas comunidades. Para o advogado que representa a empresa ABC Norte, o modo de uso dos recursos pelas comunidades tradicionais constitui um problema: “é que embora a empresa tenha dado permissão para utilizarem a terra firme para fazerem suas roças, quando eles falam em áreas de uso é muito longo”.
Como proposta para apaziguar o conflito, a promotoria propõe um Termo de Ajuste de Conduta que terá como premissa a consulta prévia a ser conduzida pela SEMA e /ou ITERPA. Essa consulta teria dois momentos. No primeiro pretende-se a pactuação do processo de levantamento para saber quais constituem os territórios coletivos ou individual, área de uso, o que será área de uso. Essa pactuação será constituída em campo com a presença do Estado especialmente o ITERPA. O segundo momento buscará saber se o levantamento realizado espelha a realidade dos territórios. As situações divergentes deverão ser tratadas caso a caso, independente da liberação de outras áreas.
Entretanto, o cerne da questão está no reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas, de direitos territoriais e étnicos pelo qual os quilombolas lutam e insistem no apoio e celeridade da burocracia do Estado brasileiro.