Por iniciativa dos vereadores Benedito Edivaldo Nunes e Simone Moura da Silva se realizou no dia 2 de março de 2015 uma reunião especial na Câmara Municipal de Portel para tratar dos conflitos provocados pelas empresas CIKEL Verde Madeira e ABC Norte, os quais têm envolvido as comunidades quilombolas do rio Pacajá e os ribeirinhos do rio Camarapi. Na sala plenária estavam presentes nove quilombolas das comunidades São Sebastião de Cipoal e Nossa Senhora do Carmo, o presidente da Associação da Comunidade Quilombola de São Tomé de Tauçú, no rio Acutipereira; dois representantes do Sindicato de Trabalhadores Rurais do Municipio de Portel; representante da Secretaria Municipal de Educação, duas pesquisadoras do Projeto Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territoral contra o Desmatamento e a Devastação: Processos de capacitação de povos e comunidades tradicionais – PNCSA-UFPA e oito vereadores.
O senhor Francisco Ângelo de Oliveira Junior, Vice-Presidente da Câmara, assinalou o interesse no tema e destacou a Moção de Repúdio Nº 002/2014 de 07 de Maio de 2014 no qual afirmam: “As populações tradicionais e os ribeirinhos do rio Camarapi …estão sofrendo com o tratamento dispensado pelos policiais militares e seguranças particulares armados da Empresa ABC/CIKEL , que de forma arbitrária, truculenta e autoritária, humilham, maltratam e ameaçam os pais e maes de famílias daquela área”. A CIKEL Verde Madeira é arrendatária da maior parte da área de 145.000 hectares de propriedade da empresa ABC Norte, a qual abrange parte dos municipios de Portel e Bagre. Esse dominio é objeto da Ação Civil Pública Nº 2007.00.39.011610-4. Nesta grande extensão, a CIKEL foi favorecida pela SEMA Estadual para realizar “Planos de Manejo”. Desde 2003. a atuação da empresa vem sendo noticiada recorrentemente por ser autora de atos de agressão contra os povos que ocupam tradicionalmente essas terras.
Na intervenção realizada pela pesquisadora Rosa E. Acevedo Marin frisou o interesse de debater as politicas de regularização fundiária e ambiental que parecem ter especificidade no município de Portel e destacou as formas como interferem nas formas de existência de povos tradicionais, apresentando a situação dos quilombolas do rio Pacajá. As relações de pesquisa com o grupo datam de 2012 assinalando-se que eles têm participado em encontros, oficinas e seminários em Portel, Curralinho, Belém e Manaus e nesses eventos relataram a violência física da qual têm sido vitimas. Na oficina de mapas (setembro de 2014) em São Sebastião de Cipoal foram comentados os instrumentos e mecanismos legais e jurídicos utilizados pela empresa para operar a apropriação privada dos recursos madeireiros e a interdição de uso desses recursos por grupos sociais que aparecem aos olhos da CIKEL, ABC Norte e ainda técnicos da SEMA, IBAMA como os destruidores da floresta, pois segundo eles se dedicam a comercializar as toras com os madeireiros ilegais que dominam o rio Pacajá.
A participação dos quilombolas de São Sebastião de Cipoal e das pesquisadoras do PNCSA em reunião com data de 27.1.2015 convocada pelo Ministério Público Estadual permitiu conhecer o dossiê elaborado por esse Ministério e os elementos que sustentaram a proposta de um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC. Na reunião estavam presentes advogados das duas empresas, a Geoflor, prestadora de serviço da madeireira e a SEMA. Duas propostas foram defendidas pelo MPE, a primeira a assinatura de um TAC e a segunda , que realmente teria impacto social e político novo, a realização de uma Consulta Prévia às comunidades, nos termos da Convenção 169 da OIT para dirimir o direito ao território e aos recursos.
É preciso frisar os antecedentes desta questão nos levantamentos e mapas elaborados pela CIKEL VERDE Madeira. No quadro de informação que foram dadas durante a reunião na Câmara foi mencionado que a CIKEL realizou uma articulação com o STTR de Portel o qual assumiu a responsabilidade por realizar os levantamentos das “famílias” e comunidades. O STTR com apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB (financiado pelo Fundo Vale), FASE e IMAZON elaboraram mapas em vários anos com a finalidade de dirimir a área arrendada pela ABC Norte e “medidas direcionadas à exclusão das áreas das comunidades”, como se confere na linguagem técnica da SEMA. Os mapas mais recentes foram executados pela Geoflor. Várias comunidades não foram contempladas nesses mapeamentos. Por outro lado, constatam-se diversas posições daqueles cadastrados (referido a famílias) ou não. Haveria os que desconfiaram das propostas de áreas; os que se sentiam contemplados pela delimitação, os que “não existiam naquela epoca”, conforme a opinião do STTR e os que foram excluidos. Em alguns casos foi definida uma área de 100 metros a partir da beira do rio, seguindo os procedimentos nos Termos de Autorização de Uso, da Secretaria do Patrimônio da União.
Diante da nova situação de conflituosidade o MPE convocou a reunião de janeiro, já citada e marcou a segunda com os órgãos listados como concernidos pelo TAC, celebrada no dia 20 de fevereiro. As propostas de TAC e Consulta Prévia foram definitivamente abortadas e ficou a negociação do conflito em torno dos mapas. O MPE e a SEMAs exigiram da CIKEL Verde Madeira um novo mapa “com complementações” a ser apresentado no prazo de uma semana.
A presidente do STTR recebeu do MPE o “Resumo” da Reunião com assinaturas (em PDF) e distribuiu entre os presentes na Câmara. De imediato, destacou que o mapa entregue à SEMA e MPE pela CIKEL Verde Madeira e ABC Norte é o mesmo mapa do diagnóstico que foi feito em 2008. Ela participou da equipe que fez o levantamento de campo e georreferenciamento junto com o IEB. Nas suas palavras “não é o mapa que a comunidade mostrou exatamente, ele é o mapa onde aparece aquela linha preta lá no final. Só que esse mapa tem proposta de redução da empresa porque ela achou que a área do mapa da comunidade ficou muito grande, mas ali já tem uma determinação própria das comunidades”. Entende-se por estas falas que a empresa decidiu essa redução passando por cima das comunidades. Outra observação da presidente do STTR é a sua dúvida sobre o processo de auto-reconhecimento dos quilombolas, que lhe causa incomodo. Mais adiante, lembrou que esse processo de mapeamento foi conflituoso e dele resultou a morte de um técnico.
Somente depois do Decreto 579 das áreas estaduais, que essa área aqui não é federal, é estadual e onde os quilombolas estao não pertece nada à empresa é pretensão que ela tem. Nós provamos isso quando foi feito o diagnóstico em 2008, quando foi feito em 2010 o mapeamento e o técnico, inclusive, antes de passar o (…), o técnico foi morto, porque nós começamos ver coisas. E a ABC fez linhas imaginárias. E tem lotes pingados. Vou fazer uma comparação como se fosse essas lajotas: aqui é Seu Haroldo, aqui é do Manoel Pereira, esse lote não tem dono, mas aqui já está o Aparecido. E esse lote aqui que eles não anularam, já ficou no terreno deles. Esse é um dos problemas que eu quero esclarecer. E a Cikel também botou pistoleiro, inclusive eu sou ameaçada a vários anos, não é de hoje que eu sofro ameaça.
Igualmente frisou que os mapas anteriores elaborados pelo IEB e Sindicato não tem sido considerados pela empresa Cikel Verde Madeira. Por que este debate sobre mapas e como se conferem disputas desse mapa empresarial e o mapa preliminar dos quilombolas de São Sebastião de Cipoal elaborado a partir de sua autocartografia da terra tradicionalmente ocupada. A margem direita do rio Pacajá o mapa da Cikel fez o traçado de uma pequena área (poligono na linguagem técnica) e ignora que nessa margem e à esquerda do rio Pacajá ficam as terras ocupadas pelo grupo desde finais do século XIX.
Na oficina de mapeamento social de setembro 2014 eles descreveram exaustivamente essa territorialidade específica, desenhando as áreas de pesca, extrativismo de borracha e coleta de frutos diversos, além das moradias no histórico Ana Igarapé. Não se trata apenas de casinhas e igrejinhas, ao contrario se trata de uma descrição dos recursos, acompanhados de narrativas sobre as famílias que se instalaram e as relações estabelecidas com povos indigenas, até sete, oito décadas atrás. Eliana Teles interveio para destacar a relevância dessa autocartografia, referida a dispositivos jurídicos de territórios coletivos, conforme o artigo 68 da ADCT, Decreto 4887/2003 e Convenção 169 da OIT. A pesquisadora indagou sobre quais as condições excepcionais para a Cikel Verde Madeira/ABC Norte realizar o mapeamento e definição de divisas (e não apenas linhas imaginarias ou pretas) de uma área de 145.000ha e que forças teriam que ser mobilizadas para tal operação de delimitação no terreno, quer dizer as operações de georreferenciamento? Como efetuar a captação de imagens de satélite em época do ano em que as condições climáticas não são favoraveis, ainda sabendo das dificuldades dessa captura no arquipélago de Marajó. De acordo com a interpretação da pesquisadora se trata de uma luta de posições e não se espera que o conflito fique resolvido, ao contrario, as indicações é que mesmo os ribeirinhos apoiados pelo STTR de Portel tenham dificuldades concretas para se mobilizar e realizar o diagnóstico e georreferenciamento de suas terras. A presidente do STTR afirmou ter enviado ao MPE um oficio solicitando novo prazo para executar o diagnóstico. O que se desenrola é uma disputa territorial e o tempo jurídico pode funcionar como uma bomba.
Os vereadores fizeram intervenções dirigidas a expor seus posicionamentos e a busca de formas de agir para apoiar os povos tradicionais e proteger os recursos madeireiros do município, em ritmo acelerado de devastação. A vereadora Simone Moura da Silva fez um relato circunstanciado desse conflitos fundiário e apontou a necessidade de posicionar-se diante os problemas que se apresentam em Portel. O vereador Francisco Ângelo de Oliveira Jr. enfatizou as diversas instancias e órgãos que se dividem o municipio. Parte das questões de terra estão adscritas ao Incra, orgão da administração Federal e são divididas entre os escritórios de Belém, Santarém e ainda Marabá. A Secretaria do Patrimônio da União criou o PAE Ilha Grande Pacajaí, o único dessa gerenciadora do Patrimônio da União e responsável pelos Terrenos de Marinha e acrescidos. Até 2010 somente tinha distribuido 3490 TAUS entre os 4200 cadastrados, quantidades nada comparavéis com o municipio de Curralinho. O IBAMA também pertencente à instancia federal atua na fiscalização da madeira e tem anunciado numeros recordes no relativo a autos de infração em Portel, sabendo-se que esses processos de penalização das grandes madeireiras não termina no pagamento das multa e elas continuam transportando balsas carregadas de madeira ao longo do rio Pacajá. Ainda, sobre o âmbito fundiário parte das terras estão sob a jurisdição do ITERPA, órgão estadual que é citado na Ação Civil Pública mencionada por ter legitimado os grandes, medios e pequenos retalhos de terra que foram somados para constituir a grande propriedade da ABC Norte. O vereador Benedito Edivaldo Nunes introduziu no debate a questão do empreendimento madeireiro da CIKEL Verde Madeira e ABC Norte e as perdas absolutas para o município, pois muito pouco tem representado em termos de arrecadação e emprego.
Os quilombolas se manifestaram positivamente sobre a iniciativa da Câmara de Veredadores. O senhor José Sandoval Candido do Nascimento se referiu aos vexames praticados pela CIKEL Verde Madeira. Na mesma linha se pronunciou o senhor Sebastião Ferreira Araújo da comunidade Nossa Senhora do Carmo. Os quilombolas de São Sebastião de Cipoal e Nossa Senhora do Carmo considerando a solicitação do MPE tomaram a decisão de oficializar mediante uma carta sua posição sobre a reunião convocada pelo MPE do dia 20.02.2015 na qual afirmam que o mapeamento da CIKEL Verde Madeira e ABC Norte prejudica suas reivindicações territoriais e ademais que não podem ser submetidos a um prazo ficticio que se coaduna mais com a visão jurídica e empresarial. Os órgãos competentes – seja INCRA ou na segunda hipotese o ITERPA devem seguir o estabelecido nas instruções para a regularização desse territorio quilombola em consonância com o Decreto 4887/2003 e Convenção 169 da OIT.
Os vereadores, igualmente, examinaram a inviabilidade dos prazos indicados na negociação realizada no dia 20 de fevereiro, concluindo que estes beneficiam à empresa e significam ameaças às terras dos ribeirinhos e quilombolas. Houve a aprovação de algumas medidas, como se somar as iniciativas de reunir os municípios que se enfretam com a ABC Norte e a arrendatária Cikel Verde Madeira. Por ter identificado uma serie de situações ameaçantes – como a nova estrada que une o municipio a Tucurui, os interesses na exploração mineral (ouro na cabeceira e cachoeiras do rio Pacajá, águas minerais, seixo) propusseram a criação de um movimento pela defesa do rio Pacajá.