Nova Cartografia Social Da Amazônia

Povos e Comunidades Tradicionais: A tradição como estratégia de vida


Os expositores  e partipantes da mesa “Direitos Territoriais  de Povos Tradicionais: Saberes e Conflitos sociais na Amazônia” convergiram no debate sobre a especificidade das formas de desenvolver a tradição como estratégia para a vida e buscaram aprofundar o  significado da noção de tradição,  não como algo ligado ao atrasado ou primitivo, mas ao presente e futuro, uma vez que ela permita “compreender direitos,  interpretar direitos”  como ressaltou Daniel Pinheiro Viegas, advogado, procurador do Estado do Amazonas e pesquisador do PNCSA.

De esquerda a direita, Daniel Pinheiro Viegas, Rosa Acevedo, Flávio Barros e Roque dos Santos  debateram na Mesa Redonda,  realizada  no dia 03.06. 2015, na Sala 17 do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Essa sessão teve continuidade com o lançamento do livro “Resistência das Comunidades através da tradição” (PNCSA, 2014)  de autoria de Daniel Pinheiro Veigas e Fabiano Buriol.

Da esquerda para a direita, Daniel Pinheiro Viegas, Rosa Acevedo, Flávio Barros e Roque dos Santos debateram na Mesa Redonda, realizada no dia 03.06. 2015, na Sala 17 do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. Essa sessão teve continuidade com o lançamento do livro “Resistência das Comunidades através da tradição”, de autoria de Daniel Pinheiro Viegas e Fabiano Buriol.

O senhor Roque dos Santos – representante do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), durante sua apresentação, descreveu as ações de sua comunidade para conquistar a Resex   Ipaú Anilzinho – Região de Tucurui  (município de Baião, Pará) e  a continuidade de sua luta para preservar a floresta, revelando uma interpretação do direito ambiental e da capacidade dos extrativistas de produzir atos e práticas de proteção das sementes, das castanheiras,  da caça que são  fundamentais a sua própria vida.  Com sua fala serena, mas altiva e comunicativa, exprimiu os sentidos sociais, culturais e políticos das práticas dos extrativistas que vivem na Resex Ipaú-Anilzinho, como se pode denotar abaixo, neste trecho de sua narrativa:

“Nós enfrentamos cinco anos de luta! Muito, muito atormentada por fazendeiros. Lutamos cinco anos até conseguirmos ganharmos a questão com fazendeiro. Passado de tempo, a gente lutou pra criar a Resex Extrativista Ipaú – Anilzinho. Hoje, a gente ta lá dentro através de outra nova  grande luta, uma grande conquista. Vou dizer, a Resex teve uma grande felicidade. Então, hoje eu estou aqui contando essa história pra vocês apesar de que também há muitas coisas que a gente não pode até nem tanto se expor porque a nossa vida como liderança é um pouco privada, a gente não pode expor tanto. Devidamente tem muitas pessoas que considera a gente como uma liderança, acha que deve premiar a cabeça da gente. Mas, isso eu não tenho tanto medo e os piores momentos a gente já passou. Eu Já fui ameaçado de morte, mas isso não me intimidou! Hoje graças a Deus a gente vive lá dentro, a gente já tem alguma coisa através da Reserva, a gente já conseguiu alguns benefícios. Aliás, vindo do governo federal temos uma parceria com ICMBio que qualquer maneira é o gestor da Reserva. … A gente  não está as mil maravilha, mas, não está dos piores – Mas, tem aquele dizer que  – Eu quero mais! Eu já tenho um pouco, mas eu quero mais! – Então, eu que não me sinto ainda conformado de dizer que vou parar por aí porque eu já tenho um pouco – Não, eu quero mais! … Então, a gente tem muitos outros problemas que, as vezes, às gente não pode, como hoje existe ainda algumas invasões lá de madeireiros. Existem invasões de caçadores dentro da Resex.”

O senhor Roque dos Santos enfatizou a ação dos madeireiros que realizam a extração ilegal das madeiras, e  o mais criminoso, esses agentes  estão cortando as castanheiras –protegidas por lei – e os bacurizeiros.  Informou ter noticias de multas  “em cima do caminhoneiro, do madeireiro”  mas que não passa pelo ICMBio  e “nós que estamos lá dentro da Reserva, ficamos só com o toco da castanheira!”.  Ainda acrescentou:

“Ah então, eu queria que isso fosse considerado pra se tornar em lei, não pra dizer só pra  Reserva. Pra todas as Reserva, isso eu desejo! Que se for aplicada uma multa pra um madeireiro, pra que essa multa posse ser revertida em benefício para a Resex.  Os madeireiro, tira a castanheira e nós ficamos com o toco… Porque senão, nós ficamos mais ruim, porque vai embora nossa castanheira, vai embora nosso peixe, vai embora nosso tatuzinho, nossa paca, nosso veado, a anta. Tudo o que o caçador vai lá e mata, o pescador vai pega o peixe e vai embora, o madeireiro vai lá tira a madeira e vai embora e nós vamos ficar mais tarde com o quê?! Só com fome, né!”

A construção da BR-422, conhecida como TransCametá,   é examinada pelo Sr. Roque dos Santos  como “muito boa por uma parte porque nos serve, mas em compensação ela é influenciadora, muito grande, da extração de madeira”. De outro lado,  em comunidades formadas no interior da Resex alguns começaram a vender a madeira e “outro que já não tinha mais madeira começou a vender castanheira, outro vendendo acapu. Hoje, eu digo que eu tenho até vergonha desse assentamento”… O pior eu acho que nos já passamos. Eu quero que as coisas melhorem!”

O Sr.  Roque dos Santos participou da Oficina de Mapas realizada na cidade de Tucuruí  (outubro 2013), com apoio da Associação das Populações Organizadas Vítimas das Obras no Rio Tocantins e Adjacências – APOVO  e  elaborou o croqui indicando a exploração madeireira  e o corte de castanheiras. Estes dados constam do mapa “Expropriados, Acampados, Pescadores, Pequenos Agricultores Rurais, Extrativistas, Moradores de bairros e  Indígenas atingidos pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí” (Caderno Nova Cartografia, 10.  Atingidos pela hidrelétrica de Tucuruí.  Setembro, 2014).

Flávio Bezerra Barros destacou observações diversas sobre as práticas de conservação de sementes de povos tradicionais como formas de resistência no Pará, Mato Grosso e no vizinho Peru. A luta pela manutenção das sementes crioulas (ou tradicionais) por parte dos povos campesinos no Brasil e na América Latina tem sido constante.  Barros reproduziu o  relato de Dona Rosa, quilombola em Mato Grosso, que cuida com zelo  das sementes crioulas em quintais da cidade, na expectativa de um dia voltar para seu território e poder reproduzi-las, uma vez que sua comunidade foi expulsa da terra por fazendeiros da região de Cáceres.  Outra experiência foi a dos indigenas Ticuna do rio Gamboa, no Peru, que defendem os lagos sagrados da ação de empresas de turismo. Os conflitos por recursos naturais continuam intensificando-se na Amazônia, afirmou  o pesquisador.

Daniel Viegas comentou as iniciativas da Procuradoria Geral do Estado Amazonas, em que se debatem instrumentos legais que signifiquem proteção de direitos dos povos tradicionais que vivem em unidades de conservação. Relatou também a experiência do “Diálogo Amazonas”, um círculo de debate institucional, iniciado a partir da mobilização das comunidades em provocar a Procuradoria da República para construir um modelo de política pública fundiária mais próxima da realidade vivenciada na tradicionalidade dos grupos extrativistas amazônicos, contando com a participação de dirigentes do Conselho Nacional dos Extrativistas, moradores de RESEXs e FLONAs, os quais formulam e constroem respostas jurídicas, a partir do debate das noções de tradição, concessão coletiva e sobre o uso dos recursos naturais.  Ao mesmo tempo,  explicou Daniel Viegas, é preciso elaborar uma crítica radical a perspectiva integracionista quando se trata do Direito Indígena. Comentou a dificuldade que ainda existe no campo jurídico de se refletir mais profundamente sobre os indígenas que vivem na cidade de Manaus: “São os indígenas que reivindicam as terras indigenas na cidade, e como explicava o senhor Roque dos Santos, também estão  reinventando suas tradições, sem deixar de ser índio”.

O grupo que acompanhou até o final  do evento fez uma foto coletiva  a pedido do senhor Roque dos Santos, no centro da fotografia.

O grupo que acompanhou até o final do evento fez uma foto coletiva a pedido do senhor Roque dos Santos, no centro da fotografia.

 

Transcrição de registros fonográficos:  Daiana Brito dos Santos

Fotografia: Rodrigo Figueiredo

Matéria: Rosa Azevedo

Revisão: Daniel Viegas

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