O debate sobre a expansão dos monocultivos de dendê, soja e, o que se anuncia do arroz na várzea apenas inicia na Amazônia. Neste ano o NAEA acolheu dois eventos para abordar o monocultivo do dendê: o primeiro, dia 27 de junho de 2013, com a Mesa Debate “Impactos socioambientais e violação de direitos provocados pela expansão do dendê: as experiências na América Latina” (palestrante Elizabeth Dias – do Movimento Mundial pelos Bosques Tropicais – WRM); segundo o seminário de pesquisa “Os impactos sociais e ambientais dos investimentos em dendê no Pará” realizado no dia 21/10/2013 o qual reuniu estudantes, pesquisadores, lideranças quilombolas, associações, entidades que debateram os investimentos das empresas “antigas” e “novas” no setor e privilegiadas na Política Nacional de Produção de Produção Sustentável de Óleo de Palma – PSOP (2010), motor desse avanço e das metas de aumento dos cultivos nos Polos de Produção definidos no Zoneamento Agroecológico.
Participantes do Seminário no inicio da primeira parte. No horário da tarde estiveram no auditório 110 pessoas lotando totalmente o auditório. Observa-se o grupo da ABAA reconhecido pela camisa com o logo da Associação.
Neste evento acadêmico acompanhado pelos agentes sociais concernidos na pesquisa, o recurso ao debate por pesquisadores e movimentos sociais permitiu situar e analisar criticamente varias questões como a justificativa de um cultivo que se realiza sobre “terras degradadas”, “terras antropizadas” que são entregues para o agronegócio e produz como seu efeito a concentração de terras, o cercamento dos territórios de povos tradicionais. Outra questão são as estratégias das parcerias entre agricultores e empresas e as justificativas de uma agricultura moderna, inovadora com a incorporação de tecnologia. Quando examinados, de um lado, os contratos entre empresas e agricultores do ponto de vista de riscos (queda do preço do óleo, perda de mercados e as doenças) e, de outros, os sistemas de financiamento (PRONAF-ECO que foi elevado a R$ 80.000,00) surgem inúmeras dúvidas sobre o grupo social o mais frágil nessa relação econômica de dependência da pequena agricultura. Os preços dos alimentos têm se elevado e, em especial, os aumentos da farinha provocam entre os consumidores e produtores grande desassossego. Nessa analise é necessário acompanhar os municípios produtores de farinha e verificar se nestes ocorre a redução da área cultivada de mandioca e concomitantemente ocorre o aumento das áreas cultivadas de dendê. Uma estatística, mesmo primaria, com estes resultados é devedora de confiabilidade a propósito dos procedimentos de coleta que permita verificar rigorosamente tais ocorrências.
Nos povoados de origem dos quilombolas, agricultores produtores de mel e agricultores assentados existe uma percepção de redução das terras destinadas a roças, para o qual contribui o monocultivo, as medidas de controle e restrição como o Cadastro Ambiental Rural, a falta de financiamento, as imposições de uso de agrotóxicos de áreas financiadas. As observações coincidiram em manifestar certezas de novos aumentos dos produtos agrícolas produzidos nas roças.
Os senhores Manoel Clauderi Coutinho da Luz e José Francisco Maciel, presidentes respectivamente da Associação dos Quilombolas Unidos do Rio Capim – AQURC e da Associação de Remanescente de Quilombos Nova Esperança de Concórdia do Pará – ARQUINEC e Sebastião Pereira da Costa, Secretario de Marketing da Associação Bujaruense de Agricultores e Agricultoras – ABAA descreveram as situações sociais complexas advindas com a expansão do dendê: “caracterização e descaracterização de muitas comunidades e o esmagamento das comunidades tradicionais”, “aumento das famílias dos assentamentos que estão dentro do programa e que estão na fronteira das terras quilombolas”; “elevação da pressão sobre as terras e sua ‘valorização'”, inclusive com invasão dos territórios por pessoas que estão prontas a entrar com o dendê. Segundo Manoel Clauderi da Luz a produção de alimentos é cada vez mais difícil. O presidente da ARQUINEC destacou que o dendê chegou desde 2006, o que era uma realidade e hoje é outra. Em Castanhalzinho e KM 37 houve ‘inflacionamento, pois as pessoas venderam suas terras e ali se instalou a empresa Biovale e ali surgem os prejuízos que estamos levando”. Afirmou o senhor Maciel que não foi o dendê mas a venda das terras o que se deve procurar conhecer”. Destacou que a titulação coletiva para a ARQUINEC não foi completada, pois ainda o titulo não está registrado em cartório. Isto provoca inseguranças. Ainda existiu na sua fala sobre a pressão do CAR para os agricultores, também sobre os quilombos, mas que a Biovale não apresenta o CAR, nem o licenciamento ambiental. Conclui que o “prejuízo maior é para o povo” citando o desmatamento da nascente do igarapé Cravo, o rio Arapiranga que também estão contaminados com os agrotóxicos. O senhor Sebastião Pereira da Costa mencionou as “estratégias de sedução para o dendê” e que escondem para os agricultores o “ganho real quando se trabalha respeitando o meio ambiente”. A ABBA reúne os produtores de abelha dos municípios de Concórdia do Pará e Bujaru que estão reconhecendo os efeitos da expansão do dendê com a queda da produção da apicultura. O dendê – apontou o senhor Pereira – significa perder autonomia para viver e trabalhar dentro de um território.
José Francisco Maciel (ARQUINEC) e Manoel Clauderi C. da Luz (AQURC) expuseram as situações dos territorios quilombolas cercados pelo dendê.
As exposições de realidades concretas relatadas haviam sido precedidas por duas notas técnicas de pesquisa apresentadas a primeira por Maria Backhouse que situou o plano econômico internacional de expansão dos agrocombustiveis e em especial de dendê e a categoria de terras degradadas articulada no discurso de legitimação desta diferença e da ideia de “recuperação” para uma economia verde. Essa economia se monta sobre o Zoneamento Agroecológico. A segunda noticia foi exposta por Rosa Acevedo destacando como os empreendimentos do agronegócio interferem nas formas de existência dos quilombolas que ocupam as terras situadas na “fronteira” do monocultivo. As articulações políticas e econômicas foram descritas sumariamente em três pontos: a) as terras para o cultivo de alimentos perdem para as áreas destinadas ao monocultivo no nordeste paraense; b) os territórios de comunidades tradicionais são cercados pelo dendê e entram na disputa para o qual contribui a inércia burocrática dos órgãos fundiários que realizam uma ação eficiente para a formação de um mercado formal de terras, caso do Programa Terra Legal: c) processo de elevação do preço dos alimentos em estreita relação com a nova destinação das terra agrícolas.
Maria Backhouse (Freie Universität de Berlim) convida o publico a refletir o discurso sobre a categoria “terras degradadas, terras antropizadas” e sua representação nos mapas do Zoneamento Agroecológico.
No segundo horário foi aprofundado o regime de parceria e contratos entre agricultores e empresas da dendeicultura. Em seguida, os participantes pela ABAA (em total 19 jovens e adultos) expuseram de forma minuciosa as questões ambientais e sociais em nível local, ilustrando com fotos as condições de contaminação dos igarapés, chegando a situar observações sobre o impacto das denominadas mudanças climáticas na pequena agricultura e no dendê. O debate foi intenso com novas informações sobre as tentativas das empresas de desarticular o movimento social. Segundo a senhora Rosiclei do Socorro de Castro Soares da ABAA “o papel das instituições tem sido de burocratizar” lembrando a posição de controle da política e órgãos ambientais. Por seu lado a Emater, somente faz projetos voltados para o dendê e junto aos “experts” das empresas comparam este produto com a mandioca, oferecendo ganhos econômicos, rendimentos extraordinários, portanto, tira-os da pobreza a qual os condenou a mandioca.
Na exposição final – feita por Girolamo Treccani – foram aprofundadas as questões fundiárias das áreas onde o cultivo se expande. Entre os pontos apontados para elucidar o tema destacou a falta de instrumentos e de informações para acompanhar conflitos fundiários e a inércia da tecnocracia que facilita procedimentos favoráveis para os investimentos que tem como condição a concentração de terras contiguas.
O Seminário teve apoio da Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional -FASE, Universidade Federal do Pará (UFPA)/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA); Freie Universitat Berlin (FAU) /Instituto da América Latina (LAI); Fair Fuels?; FONA, Brundesministerium fur Bildung und Forschung; Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA); Projeto Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territorial contra o desmatamento e a devastação: processos de capacitação de Povos e Comunidades Tradicionais (UEA/INCS/BNDES/FUNDO AMAZONIA) e 2013-2014 Alemanhã-Brasil.