Nos dias 22 e 23 e setembro de 2016, realizou-se oficina de mapeamento com os moradores da Ilha do Capim, situada no municípo de Abaetetuba e uma das centenas que formam o arquipélago do baixo Tocantins. A ilha possui 1.253 hectares distribuídos em três localidades: Caiena, Caratateua e Marintuba. A atividade do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia foi realizada em parceria com estudantes do curso Educação do Campo da Universidade Federal do Pará, campus Abaetetuba, com apoio do Programa de Extensão Universitária (ProExt).
Na comunidade Santo Antônio, em Caiena, a equipe foi recebida pelos senhores Domingos de Assunção, presidente da associação Assentamento Extrativista (PAE Santo Antônio 2) e Amir Pereira Azevedo, ex-presidente da associação, professor e ex-diretor da escola Padre Pio. O trabalho de campo iniciado no dia 22 teve como objetivo identificar os impactos socioambientais, conhecer aspectos socioculturais da ilha e as estratégias de resistência dos moradores frente ao avanço dos empreendimentos portuários e outros, projetados para essa região.
Vizinha ao município de Barcarena, a Ilha do Capim tem posição estratégica para tais empreendimentos e seus moradores tem recebido influência direta dos impactos resultantes do crescimento do Pólo industrial daquele município. Tal crescimento e dinâmica não foram acompanhados por medidas de controle e fiscalização por parte dos órgãos ambientais, tanto estadual como municipal. Atualmente, quase na sua totalidade, as próprias empresas é que realizam um controle e monitoramento ambiental, visto que estes órgãos ambientais não possuem a infraestrutura física e de recursos humanos apropriados e qualificados. A falta de fiscalização e controle tem permitido, às empresas instaladas, certa liberdade e despreocupação com os efeitos ambientais em relação a seus efluentes, rejeitos e resíduos gerados nos diferentes processos produtivos.
As empresas que formam o pólo industrial do município de Barcarena são consideradas, do ponto de vista ambiental, de um efetivo poder poluidor pela sua geração de efluentes gasosos, líquidos, esgoto sanitário e resíduos sólidos industriais. Por sua vez, as comunidades dessa parte da Amazônia tocantina tem-se tornado vítimas da violência, como a pirataria frequente, perda de seu meio de subsistência ou outras violações, como os deslocamentos forçados que já vem ocorrendo.
O trabalhos de campo e a oficina de mapeamento permitiram conceber uma visão geral das situações socioambientais e territoriais na Ilha Capim e vizinhaça. Foi registrada a questão do tráfego de balsas e a construção de portos nas imediações, onde os moradores realizam suas atividades cotidianas e de sobrevivência, como a pesca. Há também pressão para eles venderem seus terrenos a empresários e negociantes.
Durante a oficina, o senhor Amir Pereira Azevedo relatou que a insistencia em comprar a ilha, deve-se a sua localização estratégica e a dificuldade para fiscalização. O objetivo, disse ele, é construir depósito de soja e milho e depois a empresa teria outro fim, como construir um depósito de resíduos, haja vista que os atuais estão no limite de sua capacidade de armazenamento.
O fluxo de balsas na localidade de Vila do Conde tem se expandido para a baía do Capim e consequentemente ao Furo do Capim, devido sua profundidade e também à menor incidência de ventos. Registrou-se a construção de terminal flúvio marítimo, no Furo do Capim, pela empresa Odebrecht TransPort, como resposta à demanda de mercado, para descarregar grãos vindos do centro oeste do país e sul do estado do Pará. Este porto está inserido numa proposta maior: a de grandes projetos estruturantes e logísticos projetados para o estado do Pará até 2020.
Com o apoio do Ministério Público Federal, os moradores delimitaram e constituíram a reserva florestal de cerca de 180 hectares, como forma de resistencia ao desmatamento e à pressão das empresas que buscam instalar-se na ilha. Contudo, as perdas dos recursos naturais se agravam. Dentre todos os problemas, os moradores relataram que o principal deles é a água, ou melhor, a ausencia da água potável, pois a maioria dos moradores coletam água diretamente do rio e já sentem os efeitos de uma possível contaminação. Destacaram doenças na pele, como manchas e coceiras, queda de cabelo e problemas relacionados à perda de visão. Aos moradores da localidade Ponta da Madalena, que situa-se defronte a Vila de Conde, as prejuízos são maiores, pois além da perda do pescado, há a perda dos frutos. Segundo à senhora Maria das Graça, 66 anos, na parte da plantação que recebe ventos provenientes da Vila de Conde, os frutos caem das árvores antes de chegarem à fase de amadurecimento, como foi constatado durante a verificação nos açaizais.
Nos últimos anos, os moradores vivenciaram a perda de parte da biodiversidade local e do pescado. Durante a oficina relataram a perda de pelo menos seis cardumes, como disse a senhora Elidina da Costa Vasconcelos, tesoureira do PAE Santo Antonio 2:
depois que essas empresas se instalaram aí no nosso meio muitas coisas já foram se acabando. Eu, por exemplo, conheço mais de seis qualidades de peixes que hoje nós não temos. (…) É o peixe facão, peixe galinha, o mandubé açú, piracatinga, caratipioca, bem difícil a gente encontrar, o acari também que a gente tinha e hoje já não tem mais.
Eles também relataram a perda do cemitério provocadopelo processo erosivo: a antes as balsas “atracavam nas árvores”. O cemitério foi transferido para a localidade Malato, no município de Ponta de Pedras no Marajó, devido a relações sociais e de parentesco, que eles mantém com aqueles moradores. No entanto foram notificados recentemente pelos atuais proprietários do terreno, pois o interdito desta vez, deve-se à instalação da empresa francesa a LDC (Louis Dreyfus Commodities), que irá construir outro terminal portuário no local, completando o circuito que compreende Vila do Conde, Rio Arienga, Furo do Capim e Malato.Os moradores da Ilha Capim, por sua definição e características compõe o universo de povos e comunidades tradicionais, conforme conceituação definida pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, Decreto nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007, Art. 3º. Esta mesma política considera os territórios como sendo “os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária” (Decreto nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007, Art. 3º).Todavia, estes ilheus e demais ribeirinhos das áreas adjacentes, não gozam dos direitos garantidos sobre suas terras ancestrais, mesmo sendo estes garantidos na Constituição Federal. Brechas jurídicas permitem a terceiros ou ao próprio Estado apropriarem-se dessas terras. Foi com base nesses preceitos que os moradores da Ilha Capim realizaram sua autocartografia durante a oficina, que reuniu adultos, jovens e crianças.
Comunidade e pesquisadores durante a oficina
Na primeira foto, moradores e estudantes no processo de confeccionar os croquis. Na segunda foto, da esquerda para a direita, Antonio Nazaré Costa, coordenador da comunidade Santo Antonio e Maria do Carmo Rodrigues, apresentam seu croqui.