Em Imperatriz o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA); o Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia (PPGCSPA), e o Centro de Estudos Superiores de Imperatriz/UEMA, realizaram Seminário “Territorialidades, Frentes de Expansão e Grandes Projetos”. Esta atividade de lançamento do citado livro, de autoria do Antropólogo Otávio Velho, reeditado em 2014 pelo PNCSA e UEA, suscitou discussão sobre os efeitos dos grandes projetos na região, e debates referidos às novas estratégias empresariais e do Estado, que têm resultado em graves impactos sobre essa região. As discussões se deram em torno da implantação de grandes projetos e as mobilizações dos agentes sociais que têm acionado identidades étnicas como de pertencimento frente à ação das empresas e do Estado.
A Mesa de Abertura coordenada por D.Querubina Silva Neta, produtora rural e quebradeira de côco, e pela Professora Rosa Elizabeth Acevedo Marin, contou com a participação das Quebradeiras de côco dos Estados do Maranhão, do Pará e Tocantins, como D. Emilia Alves da Silva Rodrigues, do Tocantins, representando a Coordenação Geral do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Côco Babaçu – MIQCB; D. Maria Cledeneuza Bezerra Oliveira e D. Luzia Domingas dos Santos, Maria Romana Pereira do Nascimento (MIQCB/Pará); D. Eunice da Conceição Costa (MIQCB/Maranhão), e do produtor rural e professor Daniel Nascimento da comunidade São José da Matança, na Estrada do Arroz no município de Imperatriz, e por Milton Teixeira, professor e militante dos direitos humanos em Açailândia – MA, e Expedito Barroso, professor e Coordenador do Centro de Estudos Superiores de Imperatriz.
As falas realçaram as transformações ocorridas nas últimas décadas, e diferentes situações que os agentes vivenciam cotidianamente, que têm pautado as suas lutas e provocado adoção de estratégias de resistência.
D. EmiliaAlves da Silva Rodrigues, que vive na região de Imperatriz há mais de 40 anos, destacou a derrubada do babaçu para formação de pastagens, a perseguição do latifúndio e chamou atenção para a importância das leis de defesa do babaçu livre: “Eu moro no povoado de 7 Barracas, sou casada, tenho 3 filhos, 7 netos e 1 bisneto. Cheguei em Tocantins no dia 11 de julho de 1971. As terras eram devolutas, não tinha dono, a gente fazia a casa onde a gente queria. Nessa época 1 kilo de côco babaçu correspondia a uma barra de sabão. Nós temos várias leis municipais de defesa, e no Tocantins temos a lei estadual.” Mas afirma que estas leis não têm sido aplicadas.
Dona CledeneuzaBezerra Oliveira, de São Domingos do Araguaia, chama atenção para as transformações em termos de reconhecimento do papel da quebradeira do côco: “Antes a nossa função era só quebrar côco, agora nós organizamos as associações, hoje a nossa função é outra. As Mulheres não tinham voz, por isso foi criado o MIQCB. No Pará, as autoridades não reconhecem que existem quebradeiras de côco.”
Dona LuziaDomingas dos Santos, do Assentamento 21 de Abril, em São João do Araguaia, afirma: “Eu cheguei aos 9 anos na época da guerrilha e fui para Palestina, nós tinha uma roça mas não podíamos colher por causa da guerrilha”. Com a Oração das Quebradeiras ela encerra sua fala, e da qual destacamos: “Bendito seja o teu fruto que nos serve de alimento (…).”
D. Eunice da Conceição Costa, do município de Cinelândia afirma a ação das quebradeiras na preservação dos recursos: “A minha profissão é quebradeira de côco e a função social é defender o meio ambiente, a gente está disposta a dizer pros companheiros que nós estamos dispostas a defende a natureza.”
Maria Romana Pereira do Nascimento,de Brejo Grande do Araguaia, não quebra mais côco, é uma das mais antigas quebradeiras da região, e se define também como uma compositora de música, que traduz a luta e a identidade de mulher quebradeira na poesia cantada: “Marido eu quero o vestido da fazenda azul. Mulher eu não tenho dinheiro, quebra o côco babaçu.”
D. Querubina Silva Neta, trabalhadora rural e quebradeira de côco, nos trouxe a importância da discussão e reflexão sobre a tentativa de difusão, por parte das empresas, da ideia de desenvolvimento que não se evidencia na prática, seja em termos econômicos ou sociais: “A minha angústia é que além dos impactos que foram gerados pelos grandes projetos, o maior impacto foi o impacto político, que foi o da comunicação”. Para D. Querobina, as empresas chegam com o discurso da legitimação antes da sua instalação: “A indústria está nascendo, vai ter muito emprego, vai salvar a pátria e nós começamos a engolir seco por que sabia que não ia ser aquilo.”
Daniel Nascimento, professor, filho de quebradeira de côco e de lavrador vive e trabalha na comunidade de São José da Matança- Estrada do Arroz. A comunidade encontra-se em uma situação de cerco pela empresa Suzano Papel e Celulose como relatado durante o evento: “A nossa questão lá é com a empresa Suzano, que está muito próxima da gente. Tiraram a comunidade de lá e levaram para outro lugar entre Matança e Esperantina”. Além do deslocamento, a empresa causa um verdadeiro martírio na vida das pessoas, como afirma Daniel: “Essa implantação da Suzano, antes a gente não tinha o mau cheiro, a zueira, 20 caçambas 24 horas durante o dia e noite”.
Milton Teixeira, professor e militante dos direitos humanos em Açailândia também relata o que tem se revelado como efeitos diretos das siderúrgicas como parte da estratégia de viabilização de grandes projetos na região. Afirma que hoje, são cinco siderúrgicas que tem tornado impossível: “Em Piquiá de Baixo 300 famílias que chegaram antes da siderúrgica são obrigadas a sair”. Milton Teixeira afirma ainda que 95% das pessoas afetadas pelas siderúrgicas se encontram na seguinte situação: “Foram expulsas do campo pelos grandes projetos, pelo agronegócio e agora voltam ao campo como escravizados e os escravistas são os mesmos que os expulsam do campo’.
O evento contou ainda com a participação de representantes de organizações que têm atuação na região junto a movimentos sociais, como o Centro de Defesa à Vida e Direitos Humanos, de Açailândia; Justiça nos Trilhos e do Centro de Educação dos Trabalhadores Rurais (CENTRU) e Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Participaram ainda professores e alunos de universidades como a Universidade Estadual do Maranhão (São Luis e Imperatriz), da Universidade Federal do Tocantins e da Universidade Federal do Maranhão.
Ainda na parte da manhã a professora Jurandir Santos Novaes, coordenadora do projeto Mapeamento dos Babaçuais: mapeamento social da região ecológica do babaçu apresentou em que consiste o projeto ressaltando que na parte da tarde daria início a primeira atividade que contaria com a participação dos pesquisadores e quebradeiras de coco babaçu.
A segunda mesa, coordenada por Rosa Elizabeth Acevedo Marim contou com a presença dos professores Alfredo Wagner Berno de Almeida, professor Otávio Velho, o representante da UEMA-Imperatriz e um dos organizadores do evento Expedito Barroso; a professora Cynthia Carvalho Martins, representado o PPGCSPA, a professora Helciane de Fátima Abreu Araujo e o pesquisador Davi Pereira Júnior. Os integrantes da mesa refletiram sobre os processos de implantação de projetos na região e os efeitos para as famílias, assim como apresentaram as pesquisas e mapas já produzidos no âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA).
Outra publicação do PNCSA lançada durante o Seminário foi o livro intitulado “Estado/ Movimentos Sociais no campo: a trama da construção de uma política pública no Maranhão”, de autoria da professora da UEMA e pesquisadora do PNCSA Helciane de Fátima Abreu Araújo. A programação da manhã encerrou com uma homenagem de aniversário ao líder camponês Manuel da Conceição, que completa 80 anos.
No segundo momento da atividade ocorreu uma oficina de mapas no âmbito do Projeto Cartografia Social dos Babaçuais. As quebradeiras de côco e os demais trabalhadores atingidos pela empesa Suzano Papel e Celulose, fizeram uma leitura dos mapas já produzidos em processos de pesquisa do PNCSA no Estado do Maranhão, do Pará e Tocantins, e contribuíram na construção da cartografia dos babaçuais que reflita os conflitos que enfrentam e as ameaças à preservação dos babaçuais, diante da ação de empresas, de siderúrgicas, de carvoarias, de fazendeiros, de fábricas de produção de papel e celulose.
Esta oficina se realizou como atividade de um projeto de pesquisa que se inicia nos Estados do Maranhão, do Pará, Tocantins e Piauí, intitulado “Cartografia dos Babaçuais: mapeamento social da região ecológica do babaçu”, financiado pela Fundação Ford, e vinculado ao PPGCSPA/UEMA, que é associado à UFMG.
Dentre as questões levantadas encontram-se a localização, e os efeitos da ação das empresas e do estado. Os mapas foram detidamente analisados e acrescidos de informações sobre localização de fábricas, de estradas, de linhões de energia, de comunidades deslocadas pelas empresas, das organizações dos movimentos sociais, como associações, grupos de mulheres e cooperativas e áreas de incidência de babaçuais.
Neste momento, questões apontadas durante a manhã foram representadas cartograficamente, e como desdobramento do projeto de cartografia dos babaçuais, a equipe de pesquisa, juntamente com os movimentos realizará trabalho de campo detido nas áreas de abrangência da pesquisa a serem definidas em Encontro com os movimentos que acontecerá no início do segundo semestre de 2014.