Durante o Encontro Anual do Coletivo de Povos e Comunidades do Cerrado Piauiense, realizado nos dias 10 a 12 de janeiro de 2020, na Comunidade Barra da Lagoa – Território Chupé, no município de Santa Filomena (PI), foi lançado o fascículo nº 12 – Comunidade Brejo das Meninas: luta e resistência pela posse da terra no Cerrado Piauiense e nº 13 – Território Rio Riozinho, Comunidade Santa Fé: Conflitos socioambientais e impactos do agronegócio no Sudoeste Piauiense. O evento foi organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e contou com a participação de representantes de comunidades de Baixa Grande do Ribeiro (Brejim), Gilbués (Brejo dos Miguel, Morro D’Agua, Melancias e Riacho dos Cavalos) e Santa Filomena (Brejo das Meninas, Barra da Lagoa, Cabeceira do Brejo, Santa Fé e Vão do Vico).
Os fascículos são resultado da relação de pesquisa estabelecida pelos integrantes do Laboratório do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia /UFPI e os povos do Cerrado, em parceria com a CPT. O trabalho de campo foi constituído de visitas às comunidades, reuniões, entrevistas, registro audiovisual, oficina de produção do mapa e coleta de pontos de GPS. Eles apresentam as narrativas das pessoas sobre o processo de territorialização vivenciado no Cerrado, a história dos núcleos familiares e a constituição dos povoados, a instalação do agronegócio e os embates que eclodiram com as chegada dos “projeteiros”, designação utilizadas localmente para fazer referência aos fazendeiros da agricultura empresarial. Além das falas das pessoas, os fascículos contêm os mapas que sintetizam as narrativas, evidenciando os lugares de referência para a memória social, os recursos naturais, as práticas culturais, as atividades produtivas, as situações de conflitos e os problemas ambientais.
O lançamento ocorreu na tarde do dia 11/01 e foi coordenado pelos professores Raimundo Nonato e Carmen Lima, pesquisadores do PNCSA/UFPI, que apresentaram os fascículos, resgataram a memória do processo de produção, mencionaram todas as pessoas envolvidas nas atividades da pesquisa e destacaram a importância da parceria com a CPT. Em seguida, os fascículos foram entregues e os representantes das comunidades tiveram a oportunidade de manifestar sua percepção sobre o trabalho realizado. Os membros da Comunidade Brejo dos Miguel aproveitaram para solicitar a realização da cartografia social do conflito que está sendo vivenciado nesta localidade, em decorrência das ameaças dos grileiros de terra.
Eu quero agradecer a oportunidade desse momento valoroso. É muito importante esse trabalho, que ajudou e vai ajudar ainda mais no nosso dia-a-dia. Isso serve para nós como um documento, pois agora ninguém pode chegar e dizer que nós não existimos. Nós existimos e temos uma história para contar. Para mim, eu só tenho muito que a agradecer por ter a Nova Cartografia e a universidade como parceira. A primeira vez que vocês estiveram aqui foi no dia 05 de novembro de 2016, esse foi o primeiro dia de reunião que eu participei com vocês. Hoje, nós podemos desafiar qualquer grileiro que chegar aqui, nós podemos perguntar se ele tem um documento como esse que agora nós temos. Além de nós existirmos, nós agora temos um documento que diz o motivo de nós resistirmos. E nós resistimos é por causa dos nossos antepassados que sempre viveram aqui e isso aqui é nosso (Juvecino, Comunidade Chupé, Santa Filomena).
Esses fascículos que hoje chegaram às nossas mãos, a gente observa a importância desse trabalho que agora está escrito. Eu aprecio muito esse trabalho, que vai ficar na história. Isso é lindo! O nosso município vai ter conhecimento dessa história, vai saber da existência de todos. Eu faço questão de levar para a Câmara de Vereadores e para os diretores das escolas, para que eles possam levar ao conhecimento dos alunos, que vão levar para os pais e vão sair divulgando a história do nosso povo aqui (Iranete, Vereadora do município de Santa Filomena).
A gente fica feliz que vocês saíram do esquecimento. Vocês são povos e a gente fala de vocês por aí, mas as pessoas ficam se interrogando, pois acham que aqui é um imenso vazio. Agora, quando elas verem um resultado desses, um fascículo que foi feito por vocês mesmos, a gente fica feliz de ver. Eu abri aqui o fascículo do Brejo das Meninas e vi a foto do seu Salvador, que muito contribuiu com a gente. Sem saber, o fascículo faz uma homenagem ao seu Salvador, que se ainda estivesse vivo estaria aqui com a gente. Agora vocês tem um documento que prova que vocês existem e tem um jeito diferente, o jeito próprio de vocês (Altamiran, Comissão Pastoral da Terra).
Graças a Deus hoje aqui tem um filho do seu Salvador. Ele não tem a experiência que o velho tinha, mas é uma pessoa excelente também e está com a gente. Para mim essa cartografia é uma coisa muito importante e hoje a gente está muito reconhecido no nosso Estado. O pessoal está sabendo que nós somos resistentes nesse território nosso. Aqui está o nosso documento (Presilino, Comunidade Chupé, Santa Filomena).
Nós queremos agradecer bastante. Eu ajudei na coleta dos pontos. Eu lembro que eu falei naquele dia lá na minha roça se a gente ia dar só aquela viagem ou se ia funcionar alguma coisa com esse trabalho. Hoje eu quero agradecer a vocês e a todo mundo que trabalhou, por que hoje eu estou vendo o resultado (Tertulino, Brejo das Meninas, Santa Filomena).
Eu quero agradecer a todos e até as pessoas que não estão aqui, mas que ajudaram nesse trabalho. Nessa cartografia andaram comigo pelas minhas roças, pelos lugares que são muito acidentados e debaixo de cerca de arame. Eu ajudei coletando os pontos e estou muito feliz de receber essa cartografia, que graças a Deus chegou. Muito obrigado! (Geraldo, Comunidade Barra da Lagoa, Santa Filomena).
Quando nós fomos fazer a cartografia dos Gamela na Barra do Correntim, no ano passado, veio índio Gamela de tudo que é banda. Isso é muito bom! Vejam só o trabalho do Projeto Nova Cartografia e da universidade, que veio para cá junto com a CPT. Eu estava no fundo do poço, sem saber o que fazer. Mas eu venho acompanhando esse trabalho e hoje eu procuro os meus direitos. Eles foram trazendo conhecimento e puxando a gente para as leis. Eu aprendi a ficar firme no meu direito, a gente tem que ser valente em cima do direito da gente. Em breve vai aparecer o boletim com a nossa cartografia, que vai falar de 300 anos da separação do nosso povo; mas com a cartografia houve o encontro dos índios Gamela do Piauí com os do Maranhão (Adailto, Gamela do Morro D’Agua, Gilbués).
Com a cartografia social a gente se sente mais seguro, com esse registro da comunidade que vai ser levado para mundo a fora. Esse trabalho nas comunidades mostra a nossa responsabilidade de cuidar do nosso território. Muita gente tem vindo aqui depois desse trabalho e a gente se sente mais seguro. Agora a gente sabe o poder que temos na terra. Estamos na expectativa de receber o boletim da cartografia dos Gamela. Tomara que já chegue o dia da gente receber a nossa cartografia (Junior, Gamela do Vão do Vico, Santa Filomena).
Eu gostei desse trabalho da cartografia. Termina que a gente vai conhecendo os movimentos, vai conhecendo mais pessoas e as pessoas também vão conhecendo a gente (Zumira, Gamela do Vão do Vico, Santa Filomena).
Nós queremos fazer a cartografia da Comunidade Brejo dos Miguel para termos mais segurança na luta pela nossa terra. Lá na nossa área tem muitos grileiros, eles derrubaram a nossa cerca, cortaram o arame e fizeram a cerca deles. Fazer essa cartografia vai ser bom, pois a gente está vendo que o pessoal que fez aqui está se sentindo mais seguro, eles falam com segurança. Pelo que a gente está vendo aqui isso dá muita segurança. A gente quer fazer a cartografia para demonstrar que nós somos moradores de lá faz muitos anos, desde nossos antepassados. Nossos pais estão todos enterrados lá. Nós estamos lá muito antes da chegada desses grileiros. A gente ama a terra e não quer sair. Ir para a cidade vai ser muito difícil. Queremos ficar lá até o fim das nossas vidas e é isso que nós queremos mostrar com a cartografia da nossa comunidade (Adailto Batista, Comunidade Brejo dos Miguel, Gilbués).
Os fascículos lançados são produtos do projeto Conflitos Sociais e Desenvolvimento Sustentável no Brasil Central, realizado com o apoio financeiro da Fundação Ford. Os pesquisadores do PNCSA aproveitaram a oportunidade do encontro para expor também o Boletim Povos do Cerrado em Defesa de seus territórios e contra a devastação causada pelo agronegócio no Piauí e o livro Chica Lera: a história dos movimentos sociais e aluta das quebradeiras de coco babaçu no Piauí, que também abordam a situação do Cerrado piauiense.