No dia 10 de janeiro de 2020, na Comunidade Remanescente de Quilombo do Jauari, Rio Erepecuru, no município de Oriximiná (PA) foi inaugurado o Centro de Ciências e Saberes Francisco Melo. Estiveram presente na programação os quilombolas da Comunidade Jauari, Daniel de Souza liderança Quilombola da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná (ARQMO) e da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU), Francisco Hugo de Souza Coordenador da Comunidade Jauari, bem como os pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia: Alfredo Wagner Berno de Almeida, coordenador do PNCSA (UEA/UFAM/UEMA), Patrícia Portela Nunes, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia (PPGCSPA/UEMA), Emmanuel de Almeida Farias Júnior professor do PPGCSPA (UEMA) e Marcos Alan Costa Farias (doutorando do PPGAS/UFAM e pesquisador do PNCSA).
O CCS recebeu o nome de Francisco Melo conhecido sacaca da Comunidade Jauari e demais comunidades. O Espaço construído pelos quilombolas do Jauari é um espaço de memória da vida social desses quilombolas e de afirmação étnica, trazendo artefatos em exposição que são significativos para o movimento quilombola.
Ao iniciar a programação, Francisco Hugo de Souza, coordenador da Comunidade Jauari, enfatizou a participação e o saber dos quilombolas na construção do CCS:
“Quero também registrar a presença dos jovens carpinteiros, Mariomá, Tote, Bago, incluindo da comunidade o Darlison também, está por ai? Para apresentar para os visitantes, fiquem de pé ai essas pessoas que chamei da comunidade que trabalham com esse trabalho de carpintaria, por favor, que eu chamei o nome. É, esqueci de algum só para registrar? Carpinteiro é Gedson também da Cachoeira da Pancada, e queria dizer para os visitantes que esses meninos aí são os carpinteiros, marceneiro, arquiteto, mecânico, pintor, extrativista, pescador e pai de família. E engenheiro”.
No início da programação houve a apresentação do “Grupo Cultural Encanto do Quilombo”, grupo musical da referida comunidade que tem defendido em suas músicas a identidade quilombola, bem como a sua forma de construir e tocar instrumentos musicais como um saber quilombola. Ainda houve a apresentação do lundu, dançado pelas crianças com o acompanhamento do “Grupo Cultural Encanto do Quilombo”. Seguindo a programação a mesa foi composta e facultada a palavra aos membros.
Mariomá Souza destacou a importância de Francisco Melo, assim como a importância do CCS:
“A gente se sente muito feliz de ter conseguido essa estrutura do museu, o projeto veio e a gente conseguiu concluir com o Tote. Queira ou não queira a gente esse emociona porque só de ver a foto do nosso avô ali naquela placa ali para gente praticamente diz tudo. A gente sabe que foi um grande líder na nossa comunidade, nós somos fruto da liderança dele, e que esse museu, ele veio reforçar, eu posso dizer, dar um passo adiante também para nós, na nossa cultura. Sabemos que a nossa cultura ela é forte aqui no nosso quilombo, mas que esse museu, eu não quero nem estragar a surpresa, mas aí em cima quando a gente entra não tem como a gente não chorar por dentro e ficar emocionado de ver tudo o que aconteceu e o que está acontecendo agora. E nós reunidos aqui, professor Marcos passava dias aqui junto com a gente, com o Tote, os meninos tudo aqui trabalhando nesse museu, então para nós, na nossa geração, para nós isso é o máximo, porque sabemos que esse projeto, essa nossa cultura é a caminhada que nós esperamos para o futuro das nossas crianças. E que o dia, quando o tio Hugo diz assim, eu olho: ‘um dia eu vou sair e vocês vão ficar e depois vocês vão sair e vai ficar os filhos de vocês’. Então isso que está acontecendo hoje aqui, eu tenho certeza que isso não vai se acabar nunca, nunca, nunca, nunca no nosso quilombo”.
Wildison Melo, um dos responsáveis pela idealização, construção e organização do CCS, destacou como surgiu a proposta de um “Museu Vivo” no Jauari, ele lembrou a ida do “Grupo Cultural Encanto do Quilombo” à Manaus em 2017:
“Em 2017 a Cartografia nos apresentou a proposta de conhecer um Museu Vivo Kokama numa tribo indígena lá em Manaus e de lá surgiu, não é Professor Alfredo? Surgiu a expectativa, o tio Daniel disse: ‘vamos fazer um museu no Jauari?’ Falar é muito, rapidamente fala assim, mas a gente não sabe o que vem depois e ele falou e isso entusiasmou bastante a gente, quando ele falou: ‘bora colocar o museu?’ Eu falei: ‘bora, vamos’. Aí o professor [Alfredo Wagner] lá na Cartografia disse assim: ‘Daniel, já está aprovado o Museu do Jauari’ […]. Então são coisas que a gente não consegue esquecer. E aí a partir disso o Marcos ficou responsável, vamos tratar do orçamento, a Cartografia entra com uma parte, a contrapartida é da comunidade […]. E aí vamos pensar como é que nós vamos idealizar esse projeto, como que nós vamos fazer se nós não temos arquiteto, não temos alguém para fazer essa planta, então somos nós mesmo. Quando nós estávamos aqui para levantar o primeiro esteio desse museu que não ia ser com essa estrutura aqui, aí o Cuxinha (Paulo) chega aqui para complicar ainda mais a nossa situação, e diz assim: ‘bora fazer em cima e em baixo’ (risos). Já pensou, nós aqui no dia para levantar o primeiro esteio que ia ser só nessa parte de baixo o povo diz assim: ‘vamos fazer em cima e em baixo’. Eu disse: ‘Cuxinha tu já quer complicar nossa vida, nós nunca fizemos nada nesse sentido e tu já está’. Aí eu disse: ‘então vamos fazer’. Ele disse: ‘vocês garantem?’. Eu disse: ‘nós não garantimos, mas nós vamos tentar, se ninguém tentar a gente não consegue’. Aí eu falei “Paulo, só que o problema é que nós fizemos um orçamento de madeira e já serramos madeira para uma determinada coisa’. Ele disse: ‘eu vou doar os esteios que eu tenho em casa para fazer a parte de baixo’. Rapaz aí todo mundo entusiasmando, era quem mais queria ajudar e começamos, e aí começamos a desenhar, a elabora as ideias de como que seria […]. E todo mundo se empenhou aqui, era gente serrando, era gente carregando madeira […]. Eu tenho que agradecer a comunidade em geral de criança a adulto […]”.
Ele também sublinhou em relação a importância da escolha do nome para o CCS:
“Outra coisa que gostaria de falar é da questão do nome, quando foi para nós decidirmos o nome, hoje a gente teria tantos nomes para colocar aqui, mas é difícil falar da comunidade Jauari e não lembrar primeiramente de Francisco Melo e Maria Roberta (aplausos), entendeu? Eu queria uma salva de palma bem forte, porque esse casal (aplausos), é o casal que nos mantêm até hoje aqui nessa comunidade, então é o casal raiz. E baseado nisso, no nome, teria tanto nome que eu queria lembrar, por exemplo, tio Antônio Melo, Tia Gregória, Tio Sassa, entendeu? Minha madrinha Anézia, tio Boneco, tantos nomes que a gente poderia colocar, mas aí quando falou no Jauari, aí qualquer pessoa que falou Jauari ‘e o Chico Melo e a Dona Roberta?’ Então são figuras que idealizaram essa comunidade, começaram o primeiro roçadinho, então é uma identidade forte e essa cultura nós vamos abraçar, eu tenho certeza que o museu vai abrir portas para se Deus quiser ter outros museus, a gente contribuir também implementar algo que vem das outras comunidades aqui, daqui com mais uns dias a gente vai está aumentando esse museu, que tem tanta da coisa que está querendo vir para cá, que o espaço já não está sendo mais suficiente, mas é isso”.
Patrícia portela enfatizou que eles têm acompanhado criações de CCS em outras comunidades do Maranhão desde 2013.
Emmanuel de Almeida destacou a importância dos PNCSA junto as comunidades e povos tradicionais do Brasil. Também destacou sua relação de pesquisa com os quilombolas de Oriximiná das Comunidades Quilombolas Moura e Cachoeira Porteira, falou sobre a resistência quilombola em Oriximiná e toda a relevância desses quilombos para a formação de Oriximiná, do Pará e do Brasil. Emmanuel ressaltou também a proeminência do CCS como uma construção da história das comunidades, daquilo que o museu representa na afirmação identitária, ele deixou claro que o:
“Museu ele é mais do que um monumento, ele é mais do que o prédio, quer dizer, o museu ele impacta logo na designação do museu, então quer dizer, tem a designação do museu, então quer dizer, já vai reafirmar […] outros heróis, […] com o museu as crianças vão fixar, digamos assim, outros heróis, que são esses heróis locais […]. Essa é a importância do museu […] de fixar na nossa memória e na memória dessas crianças e das futuras gerações essa luta pela terra, a luta pela identidade, quer dizer, o museu acho que ele representa isso, por isso que a gente chama que é um museu vivo”.
Ao final, Emmanuel destacou sua pesquisa realizada em Cachoeira Porteira e afirmou a entrega do livro de sua autoria para o museu.
O coordenador do PNCSA Alfredo Wagner afirmou a satisfação de estarem no Jauari, agradeceu a comunidade em nome de Francisco Hugo. Lembrou também da ida dos quilombolas do Jauari ao PNCSA em 2017 apresentando a cultura quilombola em vários lugares de Manaus, assim como tudo que foi articulado desde então. Alfredo Wagner ressaltou o saber nas escolhas das madeiras utilizadas no CCS e o saber fazer contido em toda a construção:
“Vocês têm os engenheiros próprios, os arquitetos, vocês já falaram, os artesãos, os marceneiros, o carpinteiro, mas eu acho que tem uma coisa importante que é a capacidade de fazer”.
O pesquisador do PNCSA Marcos Alan ressaltou o processo de pesquisa com os quilombolas do Jauari desde 2016, perpassando pela viagem à Manaus e a construção do museu. Destacando que é um processo pensado, elaborado e construído pelos quilombolas do Jauari, comentou também sobre a importância da vida social relacionada ao museu que vai além de apenas um prédio físico.
Daniel de Souza ao falar durante a inauguração destacou a importância da pesquisa de mestrado do pesquisador do PNCSA Marcos Alan na comunidade Jauari e a ida do “Grupo Cultural Encanto do Quilombo” à Manaus, bem como a construção do CCS como um desdobramento da pesquisa realizada pelo pesquisador. Ressaltou sua amizade junto ao coordenador do PNCSA, Alfredo Wagner, no movimento quilombola desde a década de 1980. Ele disse que:
“Começamos, Alfredo, a descontruir a história que nos contaram de uma forma diferente, inferioridade, nós tínhamos vergonha de ir na cidade […], e hoje a gente não ouve mais isso, isso tem a ver com a gente pela desconstrução da história que a gente descontruiu e contou uma história verdadeira (aplausos)”.
Ao final de sua fala destacou também a importância de seu pai Francisco Melo, nome dado ao CCS, sobre seus saberes como sacaca.
A inauguração do CCS ocorreu dentro da programação da “Festa Cultural” da Comunidade Jauari realizada em Homenagem a São Benedito, na ocasião foi possível acompanhar o Aiué de São Benedito.
Informação técnica elaborada pelo pesquisador do PNCSA Me. Marcos Alan Costa Farias
Fotos de autoria de Emmanuel de Almeida Farias Júnior e Marcos Alan Costa Farias e também, cf. assinalado, de Patricia Portela e Alfredo Wagner.