Os quilombolas do rio Mutuacá e seus afluentes, junto com a “Associação de Remanescentes de Quilombos Comunitários Extrativistas do Rio Mutuacá e Afluentes” (ARQUIRMA) estiveram reunidos no dia 18 de novembro de 2015 em São José da Povoação, município de Curralinho (Arquipélago de Marajó), para debater a agenda de atividades do Projeto Centro de Ciência e Saberes – PNCSA/CNPq. Inicialmente, compartilharam ideias sobre os sentidos que estão sendo atribuidos ao sub-projeto Escola da Cultura, no qual buscam construir um espaço sociocultural através da produção de utensílios e restauração de artefatos que os seus antepassados produziram e utilizavam no âmbito doméstico, tais como vasilhames (cerâmica de barro?), mobiliário, objetos de decoração e as habitações, tendo como matéria-prima os recursos da floresta. Desta forma, possibilitará o fazer e o desenvolvimento da própria cultura do grupo quilombola do rio Mutuacá e seus afluentes, através da organização social, institucional, hábitos e costumes, normas e valores que configuram sua visão de mundo. A Escola enfatizará a voz dos “fazedores” e praticantes de um saber que se mantem vivo, enquanto resistência social e cultural.
No debate surgiram alguns temas a pesquisar e desenvolver como atividades, dentre eles, a questão da Habitação quilombola. A questão a pesquisar é:
– Qual é a singularidade da habitação no rio Mutuacá no arquipélago do Marajó?
Para isto será trabalhada a descrição das casas, tipos de casa, mobiliário e destacar algumas delas como Casa-Museu. Nos desdobramentos será trabalhado: descrição do mobiliário; fabricação de objetos de decoração; uso de plantas decorativas e de proteção; práticas de fabrição de vasilhames e móveis antigos. Esses elementos convergem para o gosto e usos da casa pelos seus ocupantes em vários tempos. Como metodologia assenta-se nas narrativas sobre as casas e o uso social, em especial o interior e os contornos, tais como: trapiche, pontes, quintais e ademais as fotografias dos objetos e espaços.
O segundo tema de pesquisa é a Alimentação com os seguintes encaminhamentos de trabalho coletivo: descrever a cozinha e o fogão, narrar a arte de cozinhar explorando quais são os alimentos mais consumidos e a preparação; as receitas de saúde e de prazer; as receitas de alimentos para prevenção de doenças. Busca-se conhecer como e por quê a alimentação muda, além de trazer as narrativas sobre as senhoras “boas” na arte de cozinhar. O terceiro tema é sobre a Pesca e os pescados, considerado um dos alimentos privilegiados pelos quilombolas do rio Mutuacá e seus afluentes. Aprofundaremos a pesquisa nas práticas da pesca e a fabricação de instrumentos; os lugares e os conhecimentos sobre tipos de pesca, tais como os hábitos e saberes sobre peixes e camarões. O grupo trabalhará com narrativas sobre a pesca e os pescadores. Vários instrumentos usados poderão ser exibidos na Casa dos Saberes. No quarto tema, sugerido pelos presentes na reunião, propuseram dar continuidade ao tema Ambiente, já iniciado na cartilha em versão preliminar com o título “Lições de Natureza e significados do desmatamento para os povos tradicionas do Arquipélago de Marajó”. O quinto é referente à Reconstrução do Coreto de São José da Povoação e fabricação da Casa dos Saberes em Três Bocas.
Durante mais de um século São José da Povoação foi o centro econômico do rio Mutuacá. No Engenho de São José da Povoação fabricava-se mel, açúcar e cachaça e nele trabalharam indígenas e negros escravizados. Várias ruínas atestam a existência do engenho, como a canaleta construída em um braço de igarapé. Enquanto centro ou entreposto comercial, São José da Povoação teve nova destinação nos finais do século XIX até os anos 1950 quando nele era transacionada a borracha beneficiada. O senhor Orlando trabalhou no corte de seringa e ainda possui a faquinha para esse serviço. Na década de 50, os comerciantes da madeira vinham comprar madeira em São José da Povoação. No lugar, funcionava uma casa comercial que vendia aviamentos para os trabalhadores da madeira. Os quilombolas encontram nas redondezas restos de louças, garrafas, moedas e pedaços de cachimbos, os quais tem guardado e conservado com interesse e valorização.
A igreja e o coreto são vestígios que foram construídos nesses tempos. O Coreto acompanha a igreja e eles supõem que o primeiro seja centenário, a igreja seria bem mais antiga. Na reunião, os presentes suscitaram as memórias sobre o Coreto e elaboraram o plano de sua reconstrução. O grupo está empenhado nesse trabalho coletivo de ter novamente o Coreto frente ao povoado e para isso estudam a possibilidade de realizar a inauguração no dia 24 de dezembro de 2015. Nas narrativas, vários deles contaram como transcorreu a infância e a juventude conectada com esses prédios. Destacaram também, ideias sobre o segundo projeto de construção da Casa dos Saberes na comunidade Menino Jesus de Três Bocas.
Na reunião estavam presentes quatro (4) professores da Escola Quilombola de Ensino Fundamental de São José da Povoação, a única com esse titulo oficial no Arquipélago do Marajó. O Diretor e professores manifestaram uma adesão entusiasta com o projeto e a disponibilidade de contribuir ainda mais com atividades de pesquisa, musicais e literárias que envolvam o corpo docente e os alunos. Cada um dos presentes se manifestou com compreensão e interesse em alguma forma de colaboração no Projeto. Os coordenadores locais são a professora Justa Pantoja de Oliveira e Morisalberte de Jesus Carvalho.
A senhora Maria Madalena Batista de Jesus, com 86 anos, na oportunidade de sua fala, insistiu na reconstrução da igreja de São José da Povoação, espaço onde ela foi batizada e casada. Explicou emocionada o quanto seu arruinamento significa também a falta de vida, um vazio de São Jose da Povoação e todo o rio Mutuacá. A ARQUIRMA tem insistido junto ao IPHAN para colaborar com a reconstrução da igreja. A última carta dirigida à Superintendência do IPHAN, em Belém, foi protocolada em fevereiro de 2014.
No que diz respeito as memórias e narrativas, as senhoras Maria de Fátima de Jesus (Presidente da ARQUIRMA), Justa de Oliveira Pantoja (professora da Escola de Três Bocas), os senhores Manoel Baia e Raimundo Elinaldo de Jesus, estabeleceram elos desta Escola da Cultura com os ensinamentos Toumani Kouyaté (com a tradução de Dinah Feldman). Este exímio Griot dos Djélis da África do Oeste esteve como conferencista no inicio de agosto de 2014 no “Seminário de Antropologia no Marajó das Florestas: formação, pesquisa e saberes locais” na Universidade Federal do Pará (UFPA) – Campus de Breves, no qual participaram os quilombolas do rio Mutuacá. Na oportunidade, a Senhora Maria de Fátima de Jesus o indagou sobre as lutas que travam pela titulação do território e pela conservação do patrimônio cultural. O Griot Toumani respondeu sobre a questão das lutas permanentes dos povos com uma frase que a senhora Maria de Fátima de Jesus gravou e compreendeu lucidamente seu significado: É correr, correr para além do vento.
Finalizou a reunião com a leitura feita pela senhora Nazaré Pinheiro de Oliveira de uma poesia que compusera durante a reunião e na qual fazia a menção a Museus Vivos que são nas suas palavras: Museus Viveros!
Elaboração da notícia pelas pesquisadoras: Rosa Acevedo Marin e Eliana Teles.