Nova Cartografia Social Da Amazônia

Equipe do Projeto Nova Cartografia Social realiza trabalho de campo entre os indígenas Gamela e Kariri, no Piauí


Ao longo dos dias 05 a 08 de maio de 2018, a equipe de pesquisa do Laboratório do Projeto Nova Cartografia Social da UFPI percorreu mais de 2.000km para visitar os indígenas Gamela e Cariri, localizados, respectivamente, na região sudoeste e sudeste do Estado do Piauí. O objetivo do trabalho de campo foi mapear o processo de territorialização vivenciado por estes povos, os conflitos decorrentes da instalação do agronegócio e de empreendimentos “desenvolvimentistas” de grande escala. A coleta dos dados foi efetivada por meio da observação in loco, reuniões, entrevistas, registro audiovisual e georreferenciamento das ocorrências.

Em relação aos Gamelas, foi visitada a comunidade Vão do Vico, no povoado Sete Lagoas, em Santa Filomena e a comunidade Pirajá, em Currais. Situadas na região do Cerrado, estas comunidades estão sendo severamente impactadas pelo agronegócio e vítimas de um processo de expropriação territorial. A região das serras, que tradicionalmente é terra de uso comum, utilizadas para caça, coleta de mel e frutos nativos, pasto dos animais e morada dos encantados, foi totalmente invadidas pelas fazendas de soja, milho e mileto. Em decorrência, eles estão encurralados nos baixões, que atualmente está sendo igualmente disputado devido aos recursos hídricos que abriga. A violência praticada pelos fazendeiros compreende proibição de deslocamento, restrição de acesso aos locais, porte de arma de fogo, ameaças de morte, contaminação dos recursos hídricos com agrotóxicos, derrubada de casas e queima de roçados. A pretensão é expulsar as populações tradicionais, para dominar totalmente o Cerrado. Os relatos evidenciam que a desapropriação territorial e a grilagem de terras acontecem em grande escala, contanto com a conivência de agências estatais e cartórios da região.

Na Laranjeira é assim, essa área de terra é do povo daqui, só que tem um rapaz que está tomando a terra do pessoal daqui de baixo. Teve aqui polícia um tempo desses ameaçando o povo. Ele mata gado e não tem nadinha. E a justiça só dá direito pra ele que é rico e os pobres, que é o dono da terra, estão sem direito a moradia deles. Até o gadinho deles se subir a serra morre. Outro dia mataram nove gados deles e não teve nada. Isso é uma grande injustiça, a terra é desse pessoal daqui e vem esse povo que vem lá do sul pra tomar a terra. E tem conflito… o pessoal que nasceu aqui, tem gente que morreu com mais de cem ano e não tem direito a terra e esse povo que veio do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso tudo é dono. Eles descem da serra com os tratores ameaçando o povo, já derrubaram até casa. Coloca a policia pra ameaçar o povo…aqui tem conflito (J. Gamela – município de Currais)

O deslocamento entre o município de Santa Filomena e Currais foi efetivado pela Transcerrado. Neste perímetro, a equipe mapeou mais de vinte fazendas e fotografou o desmatamento e a devastação ocasionada pela agricultura empresarial.

Sobre os Kariri, vivem na aldeia Serra Grande, em Queimada Nova, na região da Caatinga. Estão sendo intimidados com a construção da uma usina eólica nas proximidades do seu território e a edificação da linha de transmissão que escoará a energia que será produzida. As informações que recebem acerca destas iniciativas são ambíguas, gerando incerteza e desconfiança. A empresa diz que arrendou terras dos moradores, mas a comunidade questiona essas negociações e alerta que, até o momento, não sabem quais os impactos socioambientais que os afetarão.

Essa energia chegou assim, eu estava trabalhando na casa de um senhor ali, aí chegou um carro com umas quatro pessoas dentro, ai já chegou…nós paramos pra escutar a palavra deles. Eles disseram que ia chegar a energia, que ia ser boa, que não ia prejudicar ninguém. Deixaram um papel com nós cada um, aí foram embora, Depois passaram um tempo, ninguém ouviu falar mais…e agora já estão acabando de preparar a usina…Aqui em cima da serra tem muita terra arrendada pra Casa dos Ventos, mas esse documento nunca veio pra cá. Teve uma reunião, a empresa disse que arrendou, mas nenhum morador se manifestou (M. Kariri – município de Queimada Nova).

A falta de regularização fundiária do território favorece a vulnerabilidade da comunidade em relação aos referidos empreendimentos. Desde o ano de 2008, existe uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal do Piauí (MPF/PI) para obrigar a FUNAI a demarcar a Terra Indígena dos Kariri de Queimada Nova. Sabedores desta ação, os indígenas aguardam o cumprimento da determinação judicial, na esperança de que isso minimize os conflitos existentes na atualidade.

Finalizado, o trabalho de campo faz parte da agenda de atividades do Projeto “Conflitos Sociais e Desenvolvimento Sustentável no Brasil Central” e foi desenvolvido pela pesquisadora Carmen Lima (Antropóloga, professora da UFPI), Pâmela Leal (mestranda em Antropologia da UFPI), Breno e Cristhian Kaline (bolsistas do Laboratório do PNCSA /UFPI). Para fortalecer o movimento indígena, a viagem contou com a participação de lideranças do povo Tabajara do município de Piripiri e Tabajara Tapuio de Lagoa de São Francisco; e visando favorecer o atendimento das demandas indígenas, participaram também representantes da Coordenação Regional Nordeste II da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e da Superintendência das Relações Sociais do Governo do Estado do Piauí.

Confira a galeria de fotos das atividades abaixo.

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