Nova Cartografia Social Da Amazônia

DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL: campos de luta e posições


O Seminário promovido pelo Projeto Nova Cartografia Social, DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL: campos de luta e posições realizado no Auditório do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, no dia 3 de junho de 2016, contou mais de 100 participantes, entre eles o grupo de agentes sociais vinculados com movimentos sociais referidos às regiões de Santarém, Barcarena, Tucuruí, Marajó e Belém, somando-se a estudantes e professores da Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Universidade Federal do Oeste do Pará.

O público assiste às ponências dos expositores  no Auditório do NAEA-UFPA

O público assiste às ponências dos expositores no Auditório do NAEA-UFPA

Os expositores pelas respectivas organizações políticas abordaram situações sociais de conflitos e a luta por direitos, indicando as estratégias para obter cumprimento de direitos territórias, etnicos, educacionais, ambientais e de saúde. A jovem Luana Kumaruara (Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA) foi a primeira a falar relatando detalhadamente as lutas dos indigenas. A senhora Sandra Amorim (ACOQUISSJO) destacou a trajetoria dos quilombolas indígenas de Barcarena. O senhor Raimundo Waldemir Conceição Martins (Associação das Famílias dos Pequenos Produtores Orti-Fruti-Granjeiros de Tucuruí-Antônio Coelho) expôs o movimento dos acampados do Acampamento João Canuto. O senhor Osvaldo Batista dos Santos, presidente da ARQUIG, ilha de Marajó, iniciou sua fala mencionando a resistência dos quilombolas junto os outros povos tradicionais no Brasil por direitos territoriais. O senhor Esmael Rodrigues, (APOVO) situou mais de 4 décadas de luta contra as arbitrariedades cometidas pela Eletronorte responsável pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí cuja construção provocou danos em povos indigenas, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, agricultores, assentados e moradores nas cidade de Tucuruí, Breu e Jacundá. As diversas ações jurídicas movidas contra a empresa tem procurado insistentemente quebrar as sinuosidades da (in)justiça.

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O professor Alfredo Wagner (PNCSA/UEA/UEMA) comentou, de forma sucinta, algumas ideias dos expositores e frisou que as falas dos agentes sociais não são despolitizadas, ao contrário é como no momento atual se produz a crítica à “despolitização da política”. Complementou dizendo que “ hoje não há nada mais despolitizado do que partido político. Desde junho de 2013, após semanas de intensas mobilizações populares em ruas e praças de centenas de cidades brasileiras foram ampliadas as discussões sobre participação política. Embora difusas e não colocando imediatamente em questão o poder do Estado, tais mobilizações, em virtude de sua autonomia e imprevisibilidade, da heterogeneidade de sua composição social e da dispersão de suas reivindicações apontam não somente para novos significados de “política”, mas principalmente para novas condições de possibilidades de formas organizativas e novos padrões de relação política. Analiticamente pode-se dizer que as mobilizações atuais conjugam reivindicações econômicas com afirmações identitárias e princípios éticos, sinalizando para a incorporação de ações diretas e práticas coletivas não previstas nos dispositivos da legislação eleitoral e das ações partidárias, bem como para formas de representatividade diferenciadas e colegiadas, igualmente não previstas.

O Projeto Nova Cartografia Social, a partir da fala das pessoas, que felizmente é sempre positiva, tem grandes dificuldades de compreender todas as implicações sociais e politicas em jogo nesta quadra de crise da democracia representativa. Registra-se uma luta de classificações, bem como uma nova divisão do trabalho intelectual, rediscutindo-se a mediação e as modalidades de usurpação da delegação.

No momento atual, os domínios do pensamento conservador ampliaram muito. Hoje a rua não é mais do domínio exclusivo do pensamento crítico e isso nos foi colocado desde junho de 2013, quando as manifestações todas questionaram uma ideia de política, os padrões e a maneira de fazer política, expulsando partidos políticos das manifestações e até confederações de trabalhadores – quer dizer, foi um sinal vívido, um ensaio geral de mudanças, que não foi bem percebido. Talvez se tenha demorado demais a perceber o que estava em jogo. Certamente que nestas situações de transição política há sempre um medo de compreender, que fala mais alto. Aliás em conjunturas de judicialização da política (tudo vai para o STF?) e em avanço do pensamento autoritário predomina a imprevisibilidade, Torna-se difícil estimar perspectivas.

Quanto ao PNCSA cabe distinguir o seguinte. O PNCSA começou afirmando o nome de Nova Cartografia Social como uma ruptura. Distinguia-se da cartografia “clássica”, da “cartografia social”, do “mapeamento participativo”, do “mapeamento colaborativo” e dos chamados “contra-mapeamentos”. Por que o Nova? Porque as empresas, na implantação de megaprojetos, hoje estão realizando trabalhos designados como de “cartografia social”. Nós temos vários manuais de empresas, que estão instalando gasodutos, minerodutos e uhe’s definidos explicitamente como de “cartografia social”. As empresas tem elaborado “manuais de cartografia social”, definindo “comunidades” e “impactos” e orientando na elaboração de mapas. Outras agencias denominam “mapeamento participativo” as atividades cartográficas em que as “comunidades” são instadas a participar. No caso do Google denominam de “mapeamento colaborativo”, o envio de pontos tomados com GPS pelos moradores de áreas periféricas de interesse da empresa, como as favelas, que geralmente são vistas como labirintos indecifráveis. Tudo é feito em nome do turismo, como se os mapas fossem neutros. Então, nosso trabalho não corresponde a uma “cartografia social” no modelo das empresas. Segundo, não é também um  “mapeamento participativo” e nem tão pouco uma “cartografia clássica”, com topografia e acidentes geográficos. As empresas mineradoras elaboraram um receituário de como fazer “mapeamentos”, onde dizem que os mapeamentos devem ser “participativos”. Essa noção de “mapeamento participativo” passou também a constar dos relatórios do Banco Mundial, do relatório das empresas, como necessários ao licenciamento. Numa direção contrária nós criamos um projeto que não é de “cartografia social” tal como as empresas trabalham. Mas nós também não podíamos ceder pra eles o título de uma “cartografia social” que já vinha de uma briga com a “cartografia clássica”, que não era social, mas de natureza física. E já vínhamos debatendo também com a ideia do “contra-mapeamento”, desde 1989 com o início do trabalho de a “Guerra dos Mapas”. Então, são posições em debate com respeito ao uso de instrumentos cartográficos na pesquisa sociológica. Assim, pode-se afirmar que inicialmente o termo “Nova” expressa uma insuficiência teórica e uma crítica. Consiste na crítica da “cartografia social” como vem sendo feita pelas empresas, pelas agencias multilateriais. Segundo: a ideia de “mapeamento participativo”, que é uma recomendação dos governos e das agencias multilaterais, transpira representatividade e legitimidade, por isto ditam que tem que ser “participativo”. Quer dizer, a ideia de participação virou um instrumento burocrático. Virou uma imposição e sacrificou a inspiração mobilizadora, se perdeu a inspiração mobilizadora. Se burocratizou e se perdeu de vista a inspiração mobilizadora. Estamos há dois anos, digamos assim, na defensiva não apenas em relação à implantação de megaprojetos e à expansão dos agronegócios sobre terras tradicionalmente ocupadas, mas em relação à rua que foi tomada pelo pensamento conservador, autoritário.

Logo, tem uma nova divisão intelectual, mas tem também um avanço nos domínios democráticos destas forças conservadoras, que querem implementar os megaprojetos a qualquer custo, em nome do progresso. E como ele se manifesta? Essa ideia dos mapas, já disse, são posições em confronto. Onde a Nova Cartografia se encontra? O  termo nova vale repetir, corresponde à nossa insuficiência teórica. Não é um mero adjetivo, é a nossa insuficiencia teórica pra lidar criticamente com essas quatro amplas percepções: “cartografia social”, “mapeamento participativo”, “contra mapeamento”, “mapeamento colaborativo” e a cartografia de natureza física. Quer dizer, é um embate. É um campo de lutas, um campo de classificações.

A cartografia defendida aqui, como voces viram, não é participativa, porque são os próprios agentes sociais, que passaram pelas oficinas de mapas do PNCSA, que a produzem. Eles não vão defnir sua ação como participatória. Eles são os que fazem. Nós facultamos o acesso a alguns instrumentos, para que os membros das comunidades tradicionais possam fazer os seus mapas e ter um efeito multiplicador.” Nestes termos Alfredo Wagner concluiu sua intervenção, abrindo a discussão.

Por: Rosa Acevedo e Eliana Teles

Fotos: Roberto Chipp e Jurandir Novaes.

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