O Centro de eventos Benedito Nunes da Universidade Federal do Pará sediou o Seminário As veias abertas da Volta Grande do Xingu: significados acadêmico e político realizado no dia 11.1.201. Esta atividade marca a posição de autoridades universitárias, do corpo docente, de pesquisadores e de discentes da UFPA, assim como de um público amplo (associações comunitárias, movimentos sociais) face aos ataques à autonomia universitária por parte de forças representativas de interesses estranhos à vida universitária, como recentemente ocorreu no campus da UFPA, quando o seminário original estava sendo realizado no auditório do ICSA, no dia 29.11.2017, e foi interrompido violentamente por pessoas comprometidas com o projeto da empresa Mineração Belo Sun, também defendido por políticos locais.
Levar informação e debater com os diretamente atingidos por esses projetos é o objetivo da pesquisa. Tal comunicação é obstaculizada frequente e deliberadamente e, isto resulta de uma articulação das empresas com o Estado. A prática das chamadas “audiências públicas”, no padrão do licenciamento ambiental adotado no país, mostra formas acabadas de manipulação, de desvirtuamento e de convencimento a todo preço, inclusive pela violência física e simbólica. Nesse fosso de desinformação é impossível que o cidadão adote posições críticas, sem ser silenciado, ameaçado. As empresas, o governo e órgãos estatais adotam estratégias de convencimento ao cidadão, que é impedido de se posicionar. Após a votação do STF, em 9 dezembro de 2017, que mantém a suspensão da licença ambiental para a Mineração Belo Sun até serem ouvidos os povos indígenas da Volta Grande do Xingu, a diretoria da SEMAS ocupa-se intensamente de convencer o povo Jurunas a consentir com o empreendimento em reuniões amistosas. As notícias dessas reuniões revelam diversas estratégias de convencimento, que parecem se realizar a qualquer custo. Assim, na Volta Grande do Xingu, na Vila da Ressaca, na Ilha da Fazenda, nos Travessões percebe-se o alcance das divisões e do faccionalismo provocado, que por sua vez, consistem no motor da violência que continua no local e significa o desassossego dos que não permitem ser silenciados.
No seminário de 11 de janeiro na UFPA, aberto pelo próprio Reitor com a presença de procuradores do MPF, foi realizado o convite para uma reflexão atenta sobre a independência intelectual e sobre a produção do conhecimento e a autonomia universitária. A pergunta explicita: Qual é a função intelectual da UFPA e seus pesquisadores? Se acompanhamos um autor conhecido, Edward Said, podemos afirmar que esta função é “desafiar tanto o silêncio imposto, quanto o silencio conformado do poder invisível”. Assim, durante o Seminário refletiu-se sobre o trabalho intelectual atravessado por inúmeras tensões entre a exigência de que sejam tomadas posições em relação aos problemas atuais, que concernem aos sujeitos/agentes sociais, suas ações e seus movimentos sociais no tempo. A propósito desses temas foram ouvidas as manifestações dos participantes.
O seminário iniciou com uma manifestação cultural dos agentes sociais que, nomeando cada comunidade da Volta Grande do Xingu, indicaram as ameaças representadas pelo projeto da Mineração Belo Sun na região. Tal ato finalizou com a declamação de uma poesia, e em seguida foi exibido um vídeo dos atos de violência acontecidos na Vila da Ressaca, em 23.11 e em Belém, no dia 29.11.
Na mesa de abertura os agentes sociais tomaram inicialmente a palavra expondo os efeitos do projeto da Mineração Belo Sun e conclamaram pelo direito à vida. A pesquisadora Rosa Acevedo apresentou as práticas, objetivos e posições da pesquisa em realização, com apoio de garimpeiros, pescadores, agricultores assentados e indígenas. Vários deles realizaram a viagem de Altamira para Belém para falar no Seminário e lhes foram dadas entusiásticas boas-vindas. A seguir, a professora Rosa apresentou o grupo formado por 17 pesquisadores do PNCSA provenientes dos estados de Amazonas, Piauí, Pernambuco, Maranhão, Mato Grosso, somados aos do Estado do Pará que acompanhavam na platéia. O professor Alfredo Wagner afirmou o apoio irredutível e irrestrito do PNCSA aos agentes sociais e sua solidariedade com os pesquisadores da UFPA. A procuradora Dra.Thaís Santi mencionou observações diversas sobre os efeitos da instalação da UHE Belo Monte e foi enfática em retirar qualquer viés maniqueísta de pró/contra o Projeto da Mineração Belo Sun, pelo contrário, afirmou que o objetivo é produzir análises sobre os danos sociais e ambientais que tem ocorrido e o horizonte do que virá acontecer. O procurador Dr.Wilson Rocha Assis, vinculado à Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, comentou algumas realidades e conflitos sociais mais conhecidos sobre os efeitos de megaempreendimentos na reprodução material e social de comunidades, citando inclusive o desastre de Mariana. A mesa foi encerrada com a palavra do prof. Tourinho, reitor da UFPA, que situou eventos em outras universidades brasileiras que são reveladores das ameaças que pairam sobre as IES no Brasil e defendeu a autonomia: “A universidade em qualquer nação do mundo, só existe com autonomia. Ou há autonomia ou não há universidade, e nenhuma sociedade pode prescindir de uma instituição como a universidade, que produz conhecimento e pensa criticamente os problemas da sociedade, sem estar submetida a ingerências políticas ou interesses econômicos privados”.
A Mesa I com o título Movimentos Sociais, Reivindicações de Direitos e conflitos sociais face à instalação de megaempreendimentos de Mineração no Pará foi integrada pelo senhor Petronilo Alves, em representação do Fórum Intersetorial de Barcarena quem comentou em detalhe os despejos de povos tradicionais e a contaminação acumulada nesse município ocorridos com a implantação dos projetos de mineração. Finalizou afirmando: “precisamos uma cadeia de solidariedade e de lutas para enfrentar os esquemas de crescimento econômico”. A senhora Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo foi a oradora seguinte e manifestou posição dizendo “que não tem como os povos aceitar esses projetos, as pessoas não têm mais condições. E não podemos repetir que são grandes projetos. Grande é a alegria e os projetos são todo o contrário, são destruição, desrespeito de direitos e por quê temos que aceitar isso?” Concluiu sua fala agradecendo ao Reitor, ao mesmo tempo, pedindo mais apoio da Universidade Federal do Pará para pesquisas na região. O senhor Valdimiro Pereira Lima iniciou com duas comparações em forma de metáfora: “O leão defende seu território, o povo defende seu território, e quem defende à Ressaca? Nós temos uma ciência na Ressaca, nós temos um doente na Ressaca e a Volta Grande do Xingu que começou a adoecer com a hidrelétrica de Belo Monte e foi agora introduzido um câncer que é Belo Sun, que é como uma injeção letal”. Terminou a fala solicitando que o público venha se juntar aos moradores da Volta Grande do Xingu. A senhora Eduvirges Ribeiro de Souza, assentada no Projeto Ressaca explicou que as pessoas estão acuadas e algumas autoridades estão extrapolando. Ela também manifestou agradecimento pela oportunidade de expor suas ideias livremente. Taiane Ribeiro da Silva explicou com detalhes a atuação do INCRA que passou a entregar títulos na Gleba Ituna e o faz “somente para alguns escolhidos, aqueles que estão dispostos a vender para a Mineração Belo Sun”. Ela criticou esse órgão por estimular a briga entre vizinhos. Taiane Ribeiro frisou que a terra deles é produtiva, “é campeã da produção de cacau, outras famílias plantam milho e a Mineração Belo Sun não significa melhorias”. Na fala fez pedido às duas procuradoras de Altamira – doutoras Andreia Barreto Macedo e Thaís Santi – de organizar uma audiência pública para esclarecer os agricultores assentados sobre os seus direitos e sobre os atos realizados pelo INCRA e a Mineração Belo Sun. O último expositor da mesa foi o senhor Francisco Pereira da Silva que situou o seu trabalho na Associação AGRIFAR e na COOMGRIF. No seu discurso referiu-se aos garimpeiros como pessoas muito criticadas e enfaticamente afirmou: “Somos pessoas que trabalhamos com dignidade na Ressaca. Doe no coração quando ouve dizer que garimpeiro não tem caráter. Eu tenho caráter, tenho capricho, somos pessoas dignas de viver e trabalhamos para ter reconhecimento”. Finalizou “agradecendo a todos os universitários”.
A Mesa II Práticas de pesquisa e práticas jurídicas em situações de conflito social entre povos e comunidades tradicionais e empresas de mineração, coordenada pelo prof. Alfredo Wagner (UEA/PNCSA/SBPC) esteve integrada por Andreia Barreto – Procuradora Pública do Estado do Pará; Herena Neves Maués Corrêa de Melo, Promotora Agrária do Ministério Público do Estado do Pará e doutoranda do NAEA; Elielson Pereira da Silva e Selma Santos, ambos doutorandos do NAEA; por Luana Peixoto e Dimitria Leão, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, que se incorporaram como pesquisadoras no trabalho de campo do Projeto de Pesquisa “Povos e comunidades Tradicionais da Volta Grande do Xingu”.
O grupo apresentou os textos de pesquisa que estão sendo divulgados: Dossiê Fundiário sobre a Mineração Belo Sun no PA Ressaca e Dossiê Ambiental do Projeto Volta Grande da Mineração, apresentando criticamente os documentos do licenciamento ambiental da empresa. A procuradora Barreto Macedo destacou os procedimentos e as teses e práticas jurídicas, exemplificando com a noção de propriedade que sustenta diversas decisões e atos. Herena Melo apresentou questões sobre a desregulação de direitos e as situações dos garimpeiros que experimentam formas de criminalização. Luana Peixoto situou os vínculos com a Fundação Rosa Luxemburgo e Movimento Xingu Vivo e as experiências de relações com os agentes sociais. Dimitria Leão fez uso da palavra para destacar as percepções usuais sobre os modos de vida dos garimpeiros que se impõem e dominam negando o direito de outro sentido. Afirmo que os garimpeiros lutam e resistem ao processo de colonização que prossegue tão pulsante.
O Seminário As veias abertas da Volta Grande do Xingu reuniu 184 pessoas que registraram suas assinaturas. Na fase final no Ato Resistência e Cultura ao lançamento do Boletim 12 Povos e Comunidades Tradicionais da Volta Grande do Xingu com participação da Rádio Janela Xingu Vivo, Música de Tambor e Mostras de Video Xingu Real.
O evento teve como realizadores a Universidade Federal do Pará, a Faculdade de Etnodiversidade/ Campus Altamira (UFPA), a Universidade do Estado do Amazonas, o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, o Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia -PPGCSPA, a Cooperativa Mista dos Garimpeiros da Ressaca, Gallo, Ouro Verde e Ilha da Fazenda (COOMGRIF) e o Movimento Xingu Vivo Para Sempre. O apoio foi dado por cinco Programas de Pós-Graduação de (Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, em Antropologia, em Economia, em Serviço Social, em Artes – Universidade Federal do Pará; por três faculdades da UFPA, por Grupo de Pesquisa da UNIFESSPA; Grupo de Pesquisa Lab Ampe/UFPA, pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Huanos, Movimento das Mulheres no Campo e na cidade, Associação FotoAtiva, Amazônia em Chamas, Rádio Exú e Rádio Catimbo.
Aqui destaca-se que as autoridades universitárias e pesquisadores da UFPA receberam apoio e solidariedade mediante dezenas de notas de repúdio, alerta e indignação da comunidade cientifica brasileira e internacional. Foram dezenas de mensagens e ainda houve manifestação mediante cartas assinadas. A Carta Aberta à comunidade científica brasileira e internacional. Para estancar as veias abertas da Volta Grande do Xingu obteve 1,136 assinaturas em 12 dias; está convocou à assinatura em defesa: das pessoas ameaçadas, especialmente as lideranças locais e os opositores do projeto Belo Sun, a partir da abertura de inquéritos policiais e medidas protetivas que assegurem os seus direitos constitucionais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; da democracia e da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, especialmente num contexto de tensões como o amazônico; do respeito ao debate e à divergência de posições como princípio fundamental também ao campo da ciência e da tecnologia e das atividades de produção do conhecimento e compartilhamento da informação.
O processo de defesa da autonomia e da independência da pesquisa exige perseverança e resistência pelos segmentos universitários, orientados por um posicionamento em termos de sua função intelectual e das relações de pesquisa com os agentes e movimentos sociais que resistem aos abusos, desrespeito de direitos e violência. Eles pedem das universidades apoio e contribuições acadêmicas com capacidade de romper os silêncios impostos.
Rosa Acevedo