Nova Cartografia Social Da Amazônia

Centralidade das denúncias por movimentos sociais e pesquisadores sobre a morte do rio São Francisco e a construção da Usina Nuclear em Itacuruba durante o “Encontro Nacional do Projeto Brasil Central”, Juazeiro, Bahia


Pesquisadores de universidades públicas e agentes sociais vinculados a diversos movimentos sociais dos estados Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Tocantins, Pará e Amazonas reuniram-se no auditório da Universidade Estadual da Bahia – (UNEB – Campus III), sede Juazeiro durante o Encontro Nacional do Projeto Brasil Central realizado no período de 25 a 27 de setembro de 2017.

O momento de fazer a fotografia do grupo é também compartilhar e se solidarizar face às situações críticas enfrentadas. Participantes do Encontro do Projeto Brasil Central no jardim da Universidade do Estado da Bahia.

Povos indígenas – Tuxá, Tambalalá, Pancaru, Trucá, Kariri-Xocó – as comunidades de quilombo, de pescadores, de assentados e de Fundo de Pasto que vivem as margens do rio São Francisco, dos afluentes e as lagoas informaram e debateram a seca de mais de seis anos. A gravidade foi descrita em trechos nos quais a falta de água nos rios, em especial na região de Itaparica, o que provoca a morte de peixes e não dá sequer “pra lavar os pés no rio”. Nessa seca intensa para os pescadores encontrar alguns peixes são obrigados ir para as pedras, mas as redes esbarram nelas e ficam destruídas. Os agrotóxicos usados nas grandes lavouras são carregados para o rio e jogados em terras vizinhas às lagoas, o que contamina e igualmente provoca a morte do Velho Chico.

Juracy Marques, pesquisador da UNEB- GPEHA, PNCSA e membro da SABEH – Sociedade Brasileira de Ecologia Humana, apresentou o rio São Francisco como enigmático quando analisada sua origem. Mas, a realidade contemporânea é trágica com 250.000 atingidos pelos sete barramentos para construção de hidrelétricas (Tres Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso I, II e III e Xingó, o que dá ideia da devastação e dos riscos de genocídio que se estabelece no rio São Francisco. O município de Itacuruba é o lugar de maior número de suicídios do Estado de Pernambuco A bacia desse rio abrange 507 municípios de quatro Estados (Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, Nordeste e Minas Gerais); uma população de mais de 18 milhões de habitantes. A obra de Transposição do rio São Francisco significa novo ato de extermínio. Juracy Marques apresentou os povos indígenas as margens do rio São Francisco: 110.000 indígenas em dezenas de aldeias; calculam-se 200 comunidades quilombolas, mais de 500.000 pessoas. Sobre os territórios ocupados por quilombolas foi mencionado o “complexo de quilombos do alto rio São Francisco”. As comunidades de Fundo de Pasto são dezenas. Os pescadores são mais de 40.000. O Relatório apresentado à Organização das Nações Unidas informa dos processos de destruição, extermínio e genocídio realizado pelo governo brasileiro desde a decisão pela CHESF de construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso I, inaugurada em 1954, focando-se nos impactos da transposição sobre os povos indígenas do Nordeste.

As analises trocadas entre agentes sociais e pesquisadores não separam as decisões políticas e técnicas sobre as hidrelétricas do rio São Francisco dos seus efeitos sociais, ambientais, econômicos e simbólicos. A recente decisão sobre a seca mostra a forma da avaliação técnica oficial: “A Agência Nacional de Águas autorizou um novo corte na vazão do Rio São Francisco, que já estava no nível mais baixo em 38 anos. O objetivo da redução da vazão é evitar que os reservatórios ao longo do Rio São Francisco cheguem ao volume morto até o fim de 2017. (Divulgado em 19 de julho de 2017).

Os povos defendem como solução para a retomada da vida do rio São Francisco: retirar todas as barragens que estão matando o Velho Chico como foi proposto pelo pescador Natanael no Encontro de Pescadores Artesanais do Rio São Francisco, em 2016. Também, a reivindicação por reconhecimento de direitos territoriais une os povos indígenas, quilombolas, pescadores, comunidade de fundo de pasto que desenvolvem lutas em defesa dos territórios. A política de destruição de barragens em todo o mundo, incluindo os barramentos do São Francisco, está presente no livro lançado no evento Barrando as Barragens. Nos EUA foram mais de 1.000 e na Europa mais de 3.000 hidrelétricas desmanchadas.

Indígenas Tuxás, Tambalalás, Pancarus, Trucás realizam cerimônia de abertura do Encontro.

Na programação do evento organizaram-se mesas formadas por grupos de pesquisadores e movimentos sociais que priorizaram um arcabouço de compreensão na relação entre ambos. Esse arcabouço prioriza as diversas situações de conflitos sociais, as mobilizações e iniciativas sociais. Entre essas foram citados as “Iniciativas Agroecológicas” e os “Territórios Sagrados” como formas de resistência.

Os participantes pelas comunidades de Fundo de Pasto da região de Juazeiro expuseram a situação de grilagem e os “transtornos às comunidades acima de Sobradinho”. Apontaram ainda a situação de conflito com empreendimentos de energia eólica e as tentativas do governo de “empurrar sobre as comunidades o agronegócio”. O sr. Zacarias revisou os instrumentos legais e afirmou que o Estado brasileiro é perverso na construção da lei. E esse procede sempre em sentido inverso, pois o direito está acima da lei. As comunidades de Fundo de Pasto criticaram o Estado não ter regularizado a Lei 10.910 sobre Contrato de Concessão de Uso e o processo que impõe quando determina que até 31/12/2008 “tem que ser dito quem é Fundo de Pasto”. Os conflitos “com a pistolagem” estão presentes, inclusive com assassinato de um companheiro. Outro foco de conflito está aberto com as empresas de mineração e a entrega feita pelo governo desses recursos. As situações estão referidas a Serra do Galapago, Serra do Centro, Barra do Rio Grande.

Primeira mesa de trabalho formada por povos tradicionais da Bahia e Piauí.

Jovens quilombolas do Recôncavo Baiano e também identificadas com as comunidades de Fundo de Pasto descreveram as situações sociais do Povo de Camaragipe, especificando a afetação aos Caatingueiros, Pescadores, Criadores. Os projetos privados são favorecidos com as ordens de despejo assinadas pelo judiciário. Ressaltaram a importância da organização “para saber onde vamos?”. Também, assinalaram a necessidade de apontar quem é, quem são os sujeitos das ações – os grileiros, os beneficiados pela mineração”.

Dona Francisca (Chica Lera) contribui com reflexões, entrecortados com cantos acompanhados pelos presentes, para expor a situação das quebradeiras de coco Babaçu no Estado do Piaui

Sobre o Estado do Piauí abordaram-se situações sociais das quebradeiras de coco babaçu, objeto das atividades do Projeto Cartografia dos Babaçuais. Dona Francisca foi enfática na necessidade de bater de perto na questão do território e na ameaça que representa o projeto MATOPIBA e ela acrescenta: “que eu prefiro chamar de Matatudo” e que faz que as dificuldades estejam em todo lugar”. Na sua concepção do território precisa se romper com a ideia de limites e fronteiras. A pesquisadora Carmen Lima frisou a situação dos “baixões” e das leis do Estado do Piauí para fazer a regularização fundiária desta região obstaculizada pela engrenagem de fazendeiros com grileiros. Soma-se outra dificuldade com a política agroambiental e o Cadastro Ambiental Rural.

O “Núcleo” do PNCSA em Pernambuco reúne pesquisadores da Universidade Estadual e Universidade Federal desse Estado. Esse grupo articula-se ao Projeto Brasil Central com o debate da Usina Nuclear de Itacuruba e projetos de retirada de área no município Floresta. As preocupações com a concretização da Usina Nuclear. A indígena Pankará situou o engajamento de mulheres e jovens. A viabilização de energia elétrica, na experiência dos lugares de trabalho no campo do primeiro semestre, indica arbitrariedades do discurso.

O grupo de Mato Grosso recapitulou os trabalhos do Projeto Nova Cartografia entre os indígenas Canela do Araguaia, em 2015. O Sr. Antônio, indígena Canela do Araguaia, situou as perseguições das quais foram objeto como o impedimento de circular. O evento em que participaram em Brasília fez avançar suas reivindicações territoriais. O pesquisador Antônio João Castrillon destacou Mato Grosso como fronteira do agronegócio, com altos índices de contaminação, gerando novos conflitos.

O Estado do Tocantins foi apresentado por Paulo Gonçalves (APATO) e Regiane Medeiros Universidade Federal do Tocantins que apontaram a década de 50 com intensos conflitos agrários, o que posteriormente notabilizou o Bico do Papagaio. Novos conflitos eclodem com os plantios de eucalipto, soja, teka e pelo não atendimento das reivindicações territoriais e o livre uso dos recursos pelas quebradeiras de coco. Na altura de Campos Lindos foi enfatizada a ação do Estado que desapropriou 105.000 hectares que estavam ocupando agricultores para entregar aos fazendeiros.

Recentemente, no Norte de Minas Gerais constitui-se o “núcleo” do Projeto Nova Cartografia Social. Esse trabalho iniciou com Encontros reunindo Vazanteiros, Quilombolas, Pescadores e povo indígena Xacriabá, o que reflete a diversidade desta região. No Médio São Francisco as pesquisadoras Andrea Rocha de Paula e Felisa Anaya estão trabalhando com 69 grupos que estão enfrentados as madeireiras, plantadores de eucalipto e mineradoras. Na região existe Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais e o Movimento dos Encurralados pelos Parques.

Os pesquisadores do Núcleo Maranhão vinculados à Universidade Estadual do Maranhão aprofundam no Projeto Brasil Central os trabalhos realizados no Projeto Cartografia dos Babaçuais e destacam as ameaças dos cultivos homogêneos de eucalipto pela empresa Suzano e de soja.

Lançamento de livro no Terreiro Bandalecôngo

No dia 25 de setembro no terreiro Bandalecôngo, localizado no bairro Quidé (também Palmares I), foi lançado o livro: A voz do Tempo. Os Ventos do Terreito Bandalecôngo, organizado por Juracy Marques, Maria Rosa Alves e Rosbson Marques. Paulo Afonso, Ba. Editora SABEH, 2017.

Disponível no site: http://sabeh.org.br/wp-content/uploads/2017/09/A-Voz-do-Tempo.pdf

Evento do lançamento do livro A Voz do Tempo: Os ventos do Terreiro Bandalecôngo.

Filhas de Santo do Terreiro Bandalecôngo, Bairro Quindé, Juazeiro Bahia

Conferência e lançamento de livro

No dia 26 de setembro foi realizado o lançamento de livros na Universidade Estadual da Bahia. O primeiro organizado por Juracy Marques, Alfredo Wagner e Luciano Menezes com o título Barrando as Barragens. O início do fim das Hidroelétricas. Paulo Afonso, Ba. Editora SABEH, 2017. Na apresentação o prof. Luciano Menezes afirmou que reflexão sobre barragens é uma reflexão sobre a vida e recapitulou 30 anos depois da UHE de Itaparica, que é recorte de sua própria vida.

Posterior ao lançamento foi ditada a conferencia do prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida sobre o tema Notas e perguntas sobre Identidade e Territórios. O pesquisador começou com a frase de Shakaespere “Cada um no seu tempo interpreta muitos papeis”.

Lançamento do livro Barrando as Barragens: o início e o fim das hidroelétricas com presença dos organizadores e colaboradores.

O Encontro do Projeto Brasil Central finalizou com a prestação de contas do evento e a sessão coletiva de Avaliação.

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