A diversidade dos Povos e Comunidades Tradicionais é coligada com sua política identitária, saberes, concepções, memórias, narrativas de conquista do território. Maria Querubina Neta, (Agricultora familiar e integrante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) Manoel da Conceição (líder do Sindicato de Trabalhadores Rurais no Estado de Maranhão e coordenador do CENTRU, Ednaldo Padilha (quilombola da comunidade Camaputiua), Leonardo dos Anjos (Quilombola do Município de Alcântara) foram os principais expositores na Mesa Redonda “Cartografia Social, afirmação identitária e saberes dos povos e comunidade tradicionais”. O evento foi realizado no Auditório do CECEN-Universidade do Estado do Maranhão, no dia 9 de outubro de 2012, com a presença de público formado por lideranças dos municípios da região de Imperatriz, da Baixada Maranhense, de Alcântara e de povoados do Município de Paço do Lumiar, como Pindoba, por professores e estudantes da UEMA, e pesquisadores do “Projeto Mapeamento Social como instrumento de gestão territorial contra o desmatamento e a devastação: processos de capacitação de Povos e Comunidades Tradicionais” (UEA/INCS/BNDES/FUNDO AMAZONIA).
Aproximadamente 80 pessoas abriram o evento cantando músicas da “tradição” entoadas pela Sra. Nice Machado Aires, quebradeira e quilombola do município de Penalva e de Maria Querubina Neta.
No Encontro Regional de Maranhão durante dois dias estão sendo refletidas as territorialidades especificas, construídas pelos povos e comunidades tradicionais, ameaçadas por grandes projetos e empreendimentos privados, a saber: a expansão da pecuária (cercas eletrificadas nos campos naturais do golfão maranhense devastados por búfalos e pecuária bovina) e do monocultivo de eucalipto (Suzano S.A) e das atividades de mineração, projeto instalação de indústria química, obras de infraestrutura para os grandes projetos (exemplo concreto da linha de transmissão na Baixada Maranhense), expansão urbana de São e Luis e conflitos urbanos que interferem nas formas de existência de quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, agricultores familiares e indígenas.
A senhora Maria Querubina dos Santos analisou a ampliação do eucalipto na região de Imperatriz que iniciou com a CEMAR comprando milhares de hectares da “agricultura familiar” e com isto devastaram os recursos naturais : “onde pescávamos, tinha muito extrativismo, muito açaí, muito babaçu. Depois vem a Suzano. Com esses grandes empreendimentos está sendo implantada é uma grande potencia que compra o público, compra a imprensa e tem potencia de cooptação de lideranças. E o BNDES que não financia um centavo para os trabalhadores financia milhões para as empresas… Nós temos que mandar recado para o BNDES sobre aquele povo que está sendo retirado das comunidades pelos projetos que ele financia”.
Na perspectiva dos empreendimentos do eucalipto na vida dos povos tradicionais frisou que “já não existe a Estrada do Arroz, o que ocorreu foi que 3.000 pessoas ficaram na lama. Hoje só existe a Estrada do eucalipto, sem pessoas e roças.”. Logo sentenciou: “Assim é que nós estamos acuados, nos precisamos de ferramentas para não acabar de morrer na praia”.
Na descrição feita pela senhora Maria Querubina das situações no Estado e na região de Imperatriz denunciou: “Não se produz arroz, não é porque não se planta, mas é porque morre antes de botar cacho, o mesmo ocorre com o cacho da fruta. As acerolas e as laranjas estão tendo uma doença absurda, a pira preta no pé da laranja, da acerola que elas morrem”. A senhora Maria Querubina com extrema clareza perguntava para todos “Que Brasil é esse? Que meio ambiente! Não é meio ambiente, não.É ambiente inteiro. Nos precisamos votar na cartografia o que é ambiente”. Na reflexão sobre os movimentos sociais destacou “que eles se jogam na burocracia, quando nos precisamos é ir para a rua” e sublinhou “de forma, que nos temos que ter uma proposta de retomada, alavancando o movimento social … as leis de babaçu não tem fiscalização, a devastação continua em grande escala. Nós precisamos reverter esse quadro!”
O senhor Manoel da Conceição, líder e intelectual do movimento dos camponeses desde a década de 60 e que viveu no exílio na Suíça retomou o surgimento do sindicalismo rural e a perseguição e repressão praticada durante o período militar. Ele próprio foi “perseguido 24 horas por dia e teve que sair do Brasil. Os homens que o perseguiam lhe gritavam: “tu tens dois lugares ou é debaixo da terra ou na cadeia” e ele teve que ir para o exílio. No seu retorno retomou a formação dos agricultores e finalizou dizendo que continua “fazendo o trabalho que nós precisamos”.
O jovem liderança quilombola do município de Cajari, Ednaldo Padilha, destacou três reflexões: o desmatamento e as cercas; a miséria da política e da justiça e a violência no campo que está privando os quilombolas de “nossa própria liberdade”. Nos trechos do seu discurso argumentava: “Diante da real situação do campo, da gestão ambiental eu digo que nós somos ameaçados, nos somos ambiente e somos ameaçados. O capitalismo está acabando com todo, com nossos ancestrais, com nossas cantorias e com os santuários… Tudo está sendo desmatado e fincado de cercas de arame. E nós falamos o que ocorre. Por sorte que o dia que íamos mostrar para as autoridades morreu uma égua e um boi eletrificado. Mas já uma quebradeira de coco babaçu teve o corte na mão com as certas elétricas e não conseguia fazer seu trabalho. Também uma mulher quilombola foi eletrocutada e não temos a liberdade de falar das ameaças”.
Ednaldo Padilha, conhecido por “Cabeça”, está ameaçado de morte por fazendeiros e autoridade política do município onde vive. Em diversas oportunidades teve que buscar “refugio” para não ser assassinado. No relato da noticia espalhada de que teria sido alvo dos seus algozes ele foi fazer o desmentido. Narrou a dor da perda do seu irmão assassinado pois pensavam que era ele. “A gente não tem mais direito ao próprio direito”. A reflexão sobre a miséria da política explicava “é a miséria total para dominar melhor. Eu te dou um vidro de remédio por dez votos; um quilo de farinha e um voto. Hoje perdemos os espaços. E eu estou orgulhoso e me sinto a vontade para denunciar e quero que vocês (indicava o publico presente) que vocês me ajudem a gritar mais longe. Gritando pela mesma dor que eu estou sentindo. É gado, eucalipto, soja e os trabalhadores estão oprimidos. Escutem com atenção e ajudem à denúncia. A violência no campo cresceu. A justiça está sendo injustiça. Quem manda, quem pode é quem tem dinheiro. Não fazem valer o direito, só fazem valer o dinheiro” .
O senhor Leonardo dos Anjos, é liderança da comunidade de Brito, no município de Alcântara e está na luta sindical desde os anos oitenta. Nessa luta incorporou o conhecimento acadêmico e se apropria do texto Constitucional de 1988 e do conteúdo da Constituição 169 da OIT para produzir um argumento de defesa contra as diversas tentativas realizadas pelo governo Brasileiro para retirar os quilombolas do município de Alcântara onde decidiu a instalação da Base Espacial. “O que está sendo feito no Brasil? Tirar as pessoas da roça e jogar para as periferias da cidade. Os quilombolas de Alcântara estão nos bairros de São Luis, estão na periferia e lá serão vitimas da violência. Nos jogam na Periferia e depois vão atrás de nossos filhos para mata-los. Somos as comunidades que mais resistimos. Em Alcantara retiraram os quilombolas e depois ofereceram mudança na cultura tradicional da roça. Nos tínhamos que plantar pepino, alface, couve, mas essa cultura não deu certo, nem a mecanizada. A quem íamos vender toda essa legume. Depois vem a bolsa família para atingir a cultura tradicional. Receber R$ 100,00 ou 150,00 e como vivem essas famílias da bolsa família? Foram levadas a deixar de plantar suas roças de mandioca. Eu reconheço que fui eu que tive a coragem de não receber, não assinar a ordem de expulsão e depois foram muitos outros”. Conclui dizendo “E nos não vamos sair, porque a Constituição nos garante. O governo sancionou a Convenção 169 e depois dizemos : nós não vamos sair”.
Apropriando-se do conhecimento deste instrumento de direitos o senhor Leonardo dos Anjos falou com convicção: “Por esse conhecimento nós vamos resistir. Vamos ter coragem e dizer ‘não’ diante a Presidente, do Barak Obama”.
A base de lançamento de Alcântara é na sua opinião um fracasso, pois . “nenhum foguete que lançou teve um sucesso. Depois do convenio assinado pelo presidente Lula era para não expandir o projeto. Depois de 2009 afirmam que eles precisam de construir um porto, somente que descobriram que lá é um lugar de reprodução do peixe boi. Esse porto não vai ser construído. Esta é mais uma expansão desse projeto e vai ser construído em uma área de onde há 30 anos foram remanejadas famílias, agora novamente querem que saiam desse lugar”.
Rosa Acevedo e Alfredo Wagner tomaram a palavra no fechamento da Mesa. Ambos coincidiram nas suas falas sobre a limitação da pesquisa para dar conta das situações sociais que ameaçam os povos e comunidades tradicionais. Alfredo Wagner frisou o caráter das relações de pesquisa imbricado no Projeto Nova Cartografia Social. Quanto ao “Projeto Mapeamento Social como instrumento de gestão territorial contra o desmatamento e a devastação” indicou que há uma contradição de fundo, pois, recebe recursos administrados pelo BNDES que está sendo apontado aqui como financiando também grandes projetos, cujos efeitos provocam desmatamentos e afetam o meio ambiente antagonizando com os povos e comunidades tradicionais. Ao adquirir imóveis rurais de pequenos agricultores as empresas de papel e celulose transformaram a Estrada do arroz em Estrada do Eucalipto, favorecendo largamente o desmatamento na Amazônia. Contudo, os recursos administrados pelo Banco são públicos, mesmo quando se trata de doações de outros países. O antropólogo interrogou: Qual é a prática de manejo e uso tradicional dos recursos naturais para evitar esse desmatamento? Agrava este quadro as alterações nos Códigos – florestal, da mineração – que favorecem essas os intrusamentos de terras indígenas e outras tradicionalmente ocupadas. Assim, a tensão é permanente e o projeto está tratando destas questões dentro das Universidades Públicas através de seminários e encontros abertos, transparentes. Outra questão assinalada é como conseguir um padrão de trabalho cientifico compatível com este propósito de incorporar os povos e comunidades tradicionais na preservação sistemática das florestas tropicais? Muitos não sabem ler, mas conhecem muito bem a floresta, as formas de uso sustentável dos recursos naturais e as formas adequadas de manejo. A ideia deste Projeto de Pesquisa é compreender práticas, compreender saberes que tem assegurado historicamente esta sustentabilidade. A pesquisa procura discutir as realidades locais, colocando condicionantes que poderão evidenciar o limite para a expansão do agronegócios, bem como o monitoramento e o combate da devastação, das grandes queimadas e do desmatamento.
Finalizou “estamos construindo uma relação entre pesquisa e movimento social, considerando que o lugar da sociedade é também na universidade. O historiador Eric Hobsbawm falecido recentemente em entrevista publicada pela Carta Maior explicava que essa crise do capitalismo nos deixa muitas dúvidas quanto ao futuro. Uma luta entre espaço e tempo e o capitalismo estaria encurtando o tempo com a devastação muito acelerada dos recursos naturais. As empresas estão ampliando com sofreguidão os usos dos recursos hidricos, do solo e subsolo. Como diria Dona Querubina “estamos cercados de as pragas como desmatamento, destruição de igarapés…”, mas não se trata aqui de se ter uma visão messiânica do “fim dos tempos” e anunciar catástrofes, mas de tentar resolver os problemas com os próprios povos que tem mantido séculos a fio a floresta em pé. que. Talvez seja o começo de um “novo tempo”, de um conhecimento de alcance profundo que estabeleça os limites dessas” pragas” e de seus efeitos devastadores e destrutivos.
Aniceto Cantanhede Filho que coordenou a mesa deu por encerrada a atividade com o aplauso entusiasmado de todos os presentes.
Na segunda parte do evento foi realizado o lançamento do Caderno de Debates Nº 3 da Nova Cartografia Social da Amazônia, com o título “Quilombolas: reivindicações de judicialização dos conflitos. Os convidados para a mesa foram o senhor Edinaldo Padilha e Cynthia Martins. Ednaldo Padilha referiu-se às experiências da reintegração de posse ordenada pela justiça quando as comunidades são expulsas; digamos são “100 policias e 10 pistoleiros pagos pelo interessado”. A justiça está provocando o ato de enfrentamento que ameaça à comunidade. Na reintegração de posse o próprio quilombola sai algemado”. Cito o caso de Vitória do Mearim, lá uma criança de 12 anos foi jogada em um formigueiro; em outro município foram queimadas 10 casas. Na casa de uma senhora de 76 anos foi queimada. Assim, sentencio “não é uma ameaça solta é uma violência apadrinhada. E se diz que a justiça não sabe. A justiça sabe. Quando um quilombola é ameaçado, todas as comunidades são ameaçadas. O pânico se instala. Foi o que ocorreu quando noticiaram que tinham matado o “Cabeça”. E vai acontecer igual que com o negro Flaviano. Sepultamos o negro Flaviano e se sabe quem mandou matar. O que atinge nossos territórios quilombolas é a justiça. Hoje estamos na escravatura de corre e hoje o arama mata, a fome mata. Hoje tem bala de fuzil para matar preto que entrar nesses poções. Mas mesmo assim não arredamos pé do lugar, eu mudo de caminho, mas não de lugar”.
Os autores do coletivo do Maranhão que escreveram o Dossiê dos conflitos e ameaças de morte contra quilombolas do Maranhão foram apresentados por Cynthia Martins que sublinhou as dificuldades de realizar esse registro pelo ocultamento das ocorrências; igual se observa em relação aos indígenas. Ao reconhecer que se trata de um registro parcial da violência refletiu sobre a importância de produção desses dados para dar um limita à violência contra os quilombolas. A sessão foi coordenada por Rosa Acevedo.
O Encontro Regional do Maranhão desenvolve sua programação na tarde do dia 9 e durante todo o dia 10 de outubro com os debates nos Grupos de Trabalho, as relatorias e a montagem de estratégias de pesquisa e encaminhamento de documentos de denúncias.
Introdução ao Encontro Reginal no Auditório da UEMA com os cantos e alegria da Senhora Nice Machado Aires. (Fotos de Rejane)
Registro do público que assistiu a Mesa Redonda. Na primeira fila o Senhor Manoel da Conceição.
Lançamento do Caderno de Debates Nº 3 da Cartografia Social da Amazonia Quilombolas: reivindicações e judicialização de conflitos.
Reunião de Grupos de Trabalho: Eixo Santa Inês-Imperatriz: a implantação da Suzano
Expositores da Mesa Redonda. A senhora Maria Querubina, em pé, faz uso da palavra.