Nova Cartografia Social Da Amazônia

Carta Denúncia: Justiça pelo assassinato do quilombola José Alberto Moreno Mendes


Carta Denúncia

Justiça pelo assassinato do quilombola José Alberto Moreno Mendes

O Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia PPGCSPA/UEMA, vem a público manifestar suas condolências, indignação e denúncia pelo assassinato do senhor José Alberto Moreno Mendes, senhor Doka (como era conhecido), da comunidade quilombola Jaibara dos Rodrigues, do Território Quilombola Monge Belo – Itapecuru-Mirim. Seu assassinato, de forma cruel, ocorreu na tarde de ontem, 27 de outubro de 2023 em sua comunidade.

Com seus 47 anos de idade, o senhor José Alberto Moreno Mendes foi uma forte liderança que lutou pelo reconhecimento do território quilombola de Monge Belo. Esteve à frente da Associação São Benedito dos Produtores Rurais de Jaibara dos Rodrigues, por meio da qual se engajou nas lutas sociais em Itapecuru Mirim desde 2003, lutando incansavelmente contra as ações de antagonistas que intrusaram seus territórios, devastaram os recursos naturais, cercaram áreas de usos coletivos, comprometeram a fauna e a flora local.

Sua partida, tão breve, é um reflexo direto da violência no campo, nas lutas sociais por direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores, entre tantos outros grupos. Seu Doka foi mais um no Brasil a ter sua vida ceifada no quadro de vulnerabilidade em que se encontram distintas lideranças ameaçadas de morte por defenderem seus direitos de existir, de buscarem garantir seus modos de vida! Assim, pedimos que sejam tomadas providências quanto ao seu assassinato.

A luta pela busca de direitos não deve e não pode ser sinônimo, para essas lideranças, de terem suas vidas marcadas para morrer, de famílias destruídas, de expulsões de suas localidades!

Segue um breve relato do seu Doka sobre as lutas e enfrentamentos, no âmbito do processo de cartografia social do Território Quilombola de Monge Belo:

“Vou começar pela ferrovia, porque já foi uma longa distância que a gente vem pela ferrovia. Por que a gente sempre questiona a ferrovia? Porque a ferrovia causa um dano muito grande na comunidade, a ferrovia, naquela passagem ali de nível, nós passamos. Nós temos que esperar. Ali morrem muitos animais nossos. Aquele minério, aquela água que desce, aquela ferrugem que desce, ela vai toda para os igarapés, ela vai todo para nosso campo, que é onde nós nos mantemos, naquilo ali. Nós sempre questionamos a Vale, “Vale nos protege, nos ajuda?”. Aquela poeira, daquele pó, aquilo pega na mandioca, aquilo ali se assenta na terra, que a gente pega a mandioca para fazer farinha para comer, aquilo de pega. Então, de qualquer maneira, a ferrovia só faz nos prejudicar, nos ajudar é muito difícil. É só nos prejudicar, de toda maneira que a ferrovia faz, é só nos prejudicar . Porque tem os danos, que é causado pelo desmatamento que às vezes eles fazem com os nossos igarapés, que hoje estão todos entupidos, não temos mais igarapés. Temos só o riachinho, que antes nós íamos até o mês de setembro, nós íamos pescar, nós pegávamos peixe. Hoje nós não temos um pescado no igarapé. Por que? Porque aquela areia que vem da ferrovia, ela vem entupindo os igarapés, ela vem entupindo. Junta com aquela água enferrujada, aquilo desce todo para o campo, aquilo vai para os peixes, nós vamos consumindo os peixes, e os peixes consumindo aquela água. Então a ferrovia só faz nos prejudicar, nos ajudar não ajuda, não. E agora nós vamos no assunto, que é o que nos dói, é o que nos mata, é o linhão. Porque esse linhão foi uma coisa que passou dentro do nosso campo, dentro das comunidades, e que não fizeram uma reunião prévia para nos explicar. Quando nós chegamos para tomar providências já não tinha mais jeito, nós não achamos mais jeito. Porque nós fomos para debaixo da  torre para dizer “não passa linhão no nosso campo!”, mas já era só um pedaço que faltava fazer, e o juiz de Anajatuba deu uma liminar para nós, para que saíssemos debaixo da torre. Então nós ficamos chocados por isso, e levamos para a justiça, isso aí tudinho.” (Trecho da última entrevista com o senhor Doka, gravada em sua residência em 24 de maio de 2023).

José Alberto Moreno Mendes – presidente da Associação São Benedito dos Produtores Rurais de Jaibara dos Rodrigues, membro da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru – Mirim – UNICQUITA.

Senhor Doka Presente!

Denúncia pelo assassinato do sr. José Alberto Moreno Mendes

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