Na manhã deste sábado, 27 de fevereiro de 2021, ribeirinhos, pescadores da comunidade Igarapé Vilar no PAE Santo Afonso, ilha Xingu e lideranças de Associação de Remanescentes Quilombolas das Ilhas de Abaetetuba-ARQUIA, do quilombo Itacuruçá e Arapapuzinho, junto com membros do secretariado da prefeitura municipal de Abaetetuba, participaram do lançamento do Boletim Informativo RIBEIRINHOS, PESCADORES E PESCADORAS DO VILAR E MOJU NA ILHA XINGU-PAE SANTO AFONSO: TERRITÓRIO E RESISTÊNCIA DE NOSSAS ORIGENS. O ato também marcou mais um protesto dos ribeirinhos afetados pela cerca que delimita o terreno onde se pretende construir o TUP da empresa Cargill Agrícola S. A
Devido as recomendações de segurança contra a Covid-19, somente um pequeno grupo da comunidade reuniu-se no prédio do centro comunitário. Também estiveram presentes à cerimônia de lançamento, Josiane Costa Baía: Secretária Municipal de Assistência Social; Zenilda Cardoso Cavalcante, Diretora de Benefícios e Ernanda Ferreira de C. Moraes; Coordenadora do CRAS Quilombola.
O presidente da associação ribeirinha do Igarapé Vilar, Dil Maycom Marinho Freitas, comentou detidamente a importância do documento e do mapa que representam o território, os seus recursos e as ameaças no presente.
Então, isso é muito importante para nós que somos ribeirinhos, de nós estar mostrando a nossa identidade, assumindo quem nós somos. Porque muitas das vezes têm pessoas que não assumem sua origem. Outra vez, a gente esteve numa audiência pública do Ministério Público e eu não sabia né, estava em Abaetetuba, com minha camisa de pescador mesmo, que eu me orgulho muito, de sandália. Cheguei lá na porta, não me deixaram entrar, me barraram. Muitas das vezes a gente têm que assumir o que a gente é. Isso aqui é de muita importância. É um planejamento. Nós pescadores temos planejamento. Quando a gente sai pra pescar, a gente diz: ‘Ou pega o peixe ou pega a galinha e mata’. E quando falam em grande projeto, eu falei ‘pode vim ou pode não vim, vamos fazer o nosso primeiro plano que é a luta, a resistência. O nosso segundo, é a nossa cartografia, porque se caso o empreendimento chegar, a gente prova o que já tem, o que pode nos defender e o que pode ficar fora dos grandes projetos pra nós. Então, a gente tem que trabalhar com dois planos, porque tem que pensar o dia de amanhã. Então cada um, por família, venha buscar seu boletim, que e de suma importância. Não dê para as crianças brincar.
E a gente fica muito orgulho por isso, porque aqui está quase tudo do que a gente tem. E no EIA/RIMA da Cargill, um dos primeiros que fizeram, falavam que nós tinha três espécies de peixes. E parece que de aves silvestres tinha duas ou três. E nós temos muito mais disso. Então através de só duas ou três espécies, se tornou muito mais fácil pra eles, não respeitando os pesqueiros, os limites. Inclusive lá no documento deles dizia que não era habitada essa área. E hoje a gente faz o contraponto, porque são mais de 400 famílias só na ilha Xingu, onde vai ser afetado. Então essa cartografia é de suma importância pra nós.
Uma coisa é a gente ir na rádio falar, na televisão falar, porque palavras o vento leva. Outra coisa é a gente chegar e mostrar: ‘tá aqui, esse é nosso trabalho, das nossas mãos!’. Não precisou ninguém de fora vim fazer. Precisamos sim de assistência pra nos mostrar. Então é um contraponto muito importante pra nós. Então a cartografia social, ela não é tudo, mas é um pouco do que a gente conquistou com nossa luta.
Hoje a gente tem uma pandemia que levou mais de duzentas mil pessoas no Brasil. Mas pra nós, ela não assusta tanto, como assustam os grandes empreendimentos. Porque essa pandemia vai passar e as pessoas que morreram, a gente vai ter que aceitar, se conformar. Mas a Cargill aqui, vai ser muito pior do que a pandemia, porque ela vai ficar pra sempre. A gente vai morrer e os nossos filhos vão ficar penando na amargura do que os grandes projetos deixam, porque pra nós não fica nada. É só a gente prestar atenção nas propostas dos projetos. Pra nós fica só a destruição, principalmente os nossos pesqueiros né, porque lá no EIA/RIMA diz que vai ser explodido as pedras do Capim. Então essa cartografia é muito importante pra nós e pra nossa luta. Nós não estamos aqui porque a gente quer estar aqui, a gente está aqui, porque nasceu aqui. A gente está aqui mais de trezentos anos, porque teve um velho que morreu com cento e quatro anos, e ele falou que o avô dele morreu com cento e pouco, nós temos outro velho de cento e quatro anos, aqui no igarapé Moju e está bem saudável ainda, e ele falou que o pai dele morreu com cento e três. E o pai do pai dele, com quantos anos, só aqui? Então, digamos que nós estamos com trezentos anos só habitando essas terras aqui. A gente não invadiu, a gente simplesmente nasceu e estamos nos criando aqui. Então é por isso que a gente luta. A gente não está lutando pra invadir uma fazenda, a gente não está lutando pra quebrar uma cerca. A gente está lutando pelos nossos direitos, porque é nosso e é isso que eles não entendem.
Agora a gente está ouvindo falar em desapropriação e é uma palavra muito dura, né, o desmembramento da área que a Cargill quer conquistar, mas graças a Deus a gente já aprendeu que ignorância não leva ninguém adiante, mas o diálogo bom, faz a gente se aproximar das autoridades. Então nós agradecemos. Fiquem à vontade. Nós estamos em número reduzido por causa da pandemia, mas a gente está aqui pra trocar ideias. Fiquem à vontade.
O senhor Edilson Costa Conceição da ARQUIA, na oportunidade expressou
Bom dia a todas e a todos. Agradecemos a Deus por este momento ímpar. E infelizmente é um tempo nada bom, porque estamos vivendo um tempo de pandemia, que nem na segunda guerra mundial tivemos tanto problema, como nós estamos tendo agora. E nós temos ouvido muitas palavras como solidariedade, empatia. E são palavras que nos tem deixado muito a refletir. E hoje essa solidariedade, essa empatia dos movimentos sociais, de todas as pessoas está chegando nas nossas ilhas. Pra vocês terem uma ideia, nós mais de cinquenta mil pessoas que moram nas nossas ilhas. Nós 84 municipios no estado do Pará, que são menores que as nossas ilhas e tem prefeitura, tem tudo enquanto. E nós estamos aqui! O menor município do pais está em Minas Gerais, mas tem hospital, tem delegacia… E aqui nós temos mais de cinquenta mil pessoas e esta é a nossa situação que nós estamos vivendo.
Abaetetuba é um dos municípios que tem o maior número dos movimentos organizados. E de um certo tempo pra cá, nós regredimos. Mas isso aqui é ótimo. É um mecanismo a mais que veio nos trazer. Nós temos aqui ao lado o território quilombola do Açacu, como todo mundo sabe e nós estamos amparado por tudo quanto é documento. Tem o protocolo de consulta, fora outros documentos, mas a LDC quando foi fazer o porto ali no Malato, ela foi na Fundação Palmares saber a situação de Abaetetuba, precisam consultar. O artigo 6º. da Convenção 169, diz que nós temos que ser consultados pelas entidades, seja federal, estadual, municipal, privado, em tudo o que diz respeito a nós. E do Malato pra cá são 9.200 metros, e a Lei diz que são 10 quilômetros. E esse empreendimento daqui, dá 3 quilômetros e pouco e eles não estão nos respeitando. Eles fazem as coisas deles do jeito que querem. Mas nós precisamos resistir, pra continuar existindo. E como eu costumo dizer, nós não somos coitadinhos, nós temos nossos direitos. Não queremos que tenham pena, nós queremos o que é nosso, de fato e de direito. E hoje nós Ministério Público, Ministério do Estado, as instituições que sabem o que é nosso, que nós temos direitos, mas estão calados.
O boletim foi realizado pelo Projeto Nova Cartografia Social-PNCSA no âmbito das atividades do projeto de pesquisa Estratégias de Desenvolvimento, Mineração e Desigualdades – CLUA (Climate and Land Use Alliance).