Foi emocionante o lançamento do Boletim Informativo Cartografia da Cartografia Social, no. 11, “Atingidos pelo Projeto Minas-Rio: Comunidades a Jusante da Barragem de Rejeitos”. O evento, que ocorreu na tarde do dia 19 de dezembro, no Asas de Papel Café & Arte, contou com uma roda de conversa, em que atingidos, pesquisadores, ambientalistas, sindicalistas, ativistas, jornalistas, estudantes, puderam não só conhecer o trabalho realizado e a situação das comunidades Passa Sete, Água Quente e São José do Jassém, nos municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, como partilhar experiências e preocupações acerca do modelo de extração mineral vigente no Estado de Minas Gerais, e a violência com que atinge comunidades e territórios.
A Profa. Ana Flávia Santos, quem coordenou a equipe de pesquisa pelo GESTA/UFMG, abriu a roda, explicando a parceria com o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e a metodologia utilizada para a construção do texto e dos mapas, bem como a importância da autocartografia no contexto da resistência ao megaempreendimento minerário da Anglo American. Segundo a pesquisadora, o licenciamento do Minas-Rio nunca levou em consideração a perspectiva e a experiência de perdas e sofrimento das comunidades afetadas, que enfrentam graves problemas decorrentes da atividade minerária – como escassez e poluição da água, barulho, isolamento social, perdas na produção agrícola -, problemas que, na elaboração do boletim, foram identificados, desenhados e mapeados pelos próprios moradores.
Na sequência, falaram a Sra. Darcília Pires de Sena, moradora de Passa Sete, comunidade que está a apenas 1,5 Km da barragem de rejeitos; José Lúcio Reis, morador de Água Quente, que está a cerca de 4 km do eixo da mesma barragem, e José Maria Silva, do Jassém, a cerca de 8 km da barragem. Darcília enfatizou a importância do mapa para “provar” a existência de suas comunidades, e a intranquilidade de viverem sob risco permanente, debaixo de uma barragem que será muitas vezes maior que a barragem de Fundão, que rompeu em Mariana. A Anglo American dizia que não “havia moradores abaixo do empreendimento”; eles eram, então, “bicho do mato?”, perguntou Darcília. Lembrou, emocionada, de entes queridos que tombaram no processo de luta pelo reconhecimento dos direitos, sofridos com a destruição do lugar em que foram criados, como seu irmão Délcio. José Lúcio lfalou da água boa e abundante em Água Quente, da qual se podia beber, e comparou à realidade atual, de águas enlameadas e poluídas, sem peixes, e de desaparecimento das nascentes: “Estão matando a mãe das águas, que é a nascente”. José Maria lembrou do medo que agora sentem, no Jassém, sobretudo quando chove – são moradores que não dormem noites inteiras -, e da quantidade de velhos e crianças em sua comunidade.
Patrícia Generoso, representante da Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio (REAJA), lembrou de quando tomaram consciência de que “toda luta tem que ter um mapa”, saudando poderem contar, a partir de agora, com mais este instrumento, para o reconhecimento dos atingidos e defesa dos direitos. Lembrou do adoecimento e recente falecimento do Sr. Valderes, um dos participantes mais ativos da oficina de cartografia, com belos desenhos, posteriormente transformados em legendas para os mapas. “Os adoecimentos e mortes”, observou, “também tem que ser colocados na conta da mineradora”.
Estimulados pela forte e solidária presença de Frei Gilvander Moreira, que registrou em vídeo o evento, também deram seus depoimentos, entre outros: Sandoval de Souza Pinto Filho, ex-sindicalista e ambientalista na resistência à mineração em Congonhas, quem enfatizou a recorrência dos “acidentes” com barragens de rejeitos na história de Minas, e a irresponsabilidade das autoridades com a liberação das mega-barragens em áreas povoadas; o sindicalista Lourival de Andrade, que destacou o caráter predatório e violento do modelo de exploração mineral vigente no Brasil; Maria Emília da Silva, coordenadora do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos do Estado de Minas Gerais (PDDH/MG), quem observou a importância dos Direitos Humanos no contexto político atual, inclusive em face à mineração; e Maria Teresa Corujo, ambientalista e representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas – FONASC, na Câmara de Atividades Minerárias do COPAM. Teca, como é carinhosamente conhecida, se solidarizou com o sofrimento de quem sente na pele os impactos e a violência da mineração. Falou também dos recentes e graves retrocessos na legislação ambiental no estado de Minas Gerais, e na permissividade do estado em face das grandes mineradoras. Foram esses retrocessos que permitiram que o Minas-Rio, megaempreendimento com impactos avassaladores sobre a região, fosse, “em um passe de mágica”, reclassificado do nível 6 (de alto impacto), para o nível 4 (de médio impacto). “É preciso lutar e resistir, a alternativa virá da sociedade civil”, observou.
Ao encerrar o evento, já no final da tarde, a coordenadora do GESTA fez um agradecimento especial à equipe do PNCSA na pessoa de Mônica Cortêz, geógrafa responsável pelos mapas, aos estudantes que participaram do processo e às responsáveis pelo Asas de Papel Café & Arte, pela cessão do espaço que se mostrou muito especial, aberto às lutas populares. E convocou todas e todos a comparecerem à reunião da Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) no dia 21 de dezembro, às 9:00 horas, na Supram Central (Rua Espírito Santo, 495, Centro, Belo Horizonte), quando será votada a licença de operação da Etapa 3 do empreendimento Minas-Rio, de forma fatiada e, mais uma vez, sem que as condicionantes estejam cumpridas – sobretudo aquelas que versam sobre os direitos das comunidades atingidas.