Texto publicado online no dia 26/03/2018 em Inglês e Português sobre a ameaça da proposta da liberação do plantio de cana-de-açúcar na Amazônia. É relevante à votação sobre o assunto no dia 27/03/2018 no Senado.
Português
Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta. Amazônia Real, 26 de março de 2018. http://amazoniareal.com.br/cana-de-acucar-da-amazonia-uma-ameaca-floresta/
Inglês
Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Amazon sugarcane: A threat to the forest. Science doi: 10.1126.aat4208. [letter] (first release: 26 March 2018) http://science.sciencemag.org/content/early/2018/03/26/science.aat4208
Confira abaixo o texto na íntegra.
Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta
Por Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside
Na quinta-feira passada o Senado Federal surpreendeu pautando para esta terça-feira, 27 de março, a votação em plenário do projeto de lei que propõe abrir a Amazônia para plantio de cana-de-açúcar. Segue abaixo uma tradução da nossa carta que já estava aceita para publicação na revista Science em 30 de Março (1). Face à votação iminente, a Science publicou a carta online hoje, assim possibilitando a sua divulgação na Amazônia Real. Uma versão atualizada será publicada na revista impressa no dia 30. A Science é a segunda revista científica do mundo em termos de impacto, apenas superada pela revista Nature. Segue a tradução em português do texto original:
A vegetação da Amazônia varia de florestas densas a áreas de savana, e as florestas da região e sua biodiversidade são vulneráveis ao avanço contínuo das mudanças no uso da terra para agricultura e pecuária (2). No Brasil, o cultivo de cana-de-açúcar é atualmente proibido nos Biomas do Pantanal e Amazônia (3). A cana-de-açúcar está entre as culturas com os maiores aumentos de produção na última década, e o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura-FAO (4).
As plantações de cana estão projetadas para aumentar devido à demanda por biocombustíveis (5). Já têm demonstrado que as plantações de cana-de-açúcar ameaçam a biodiversidade, com seus efeitos se estendendo além das áreas cultivadas até as florestas adjacentes (6).
O Senado Federal agendou uma decisão para 2018 sobre um projeto de lei que propõe a abertura da região amazônica à cana-de-açúcar (7). Essa cultura seria supostamente plantada em áreas degradadas, em pastagens naturais da Amazônia e nos “hotspots” de biodiversidade no Cerrado. Devido aos possíveis efeitos catastróficos sobre a floresta amazônica e sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da América do Sul e a produtividade agrícola do Brasil, instamos o Senado a não aprovar esse projeto.
A ameaça da cana-de-açúcar é apenas uma das muitas causas de destruição da Amazônia (5). As florestas amazônicas desempenham um papel importante no clima da América do Sul, com contribuições substanciais de precipitação para a agricultura no sudeste do Brasil (8–9). Em médio e longo prazo, a perda florestal ameaçaria a própria produção agrícola e de biocombustíveis do Brasil, sendo a área com maior produção agrícola localizada no sul e sudeste do País (10), que depende do vapor de água da região amazônica (8–9).
Os tomadores de decisão políticos e as instituições nacionais e internacionais que financiam grandes empresas agrícolas não devem ser enganados pelo doce sabor de uma nova fronteira agrícola a ser explorada. Eles devem ser orientados pela necessidade de evitar a perda da biodiversidade da Amazônia, do patrimônio genético e dos valiosos serviços ecossistêmicos, incluindo a regulamentação climática para a área com a maior população e produção agrícola da América do Sul (10–11).
Notas:
1. Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Amazon sugarcane: A threat to the forest; Sciencemag.
2. P. M. Fearnside, in Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science, H. Shugart, Ed. (Oxford University Press, New York, 2017).
3. Brasil, Presidência da República, Decreto Nº 6.961, DE (17 de setembro de 2009).
4. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Commodities by Country (2018).
5. P. M. Fearnside, in Biofuels and Neotropical Forests: Trends, Implications, and Emerging Alternatives, E.J. Garen, J. Mateo-Vega, Eds., (Environmental Leadership & Training Initiative, Yale University, New Haven, CT, 2009), p. 29–36.
6. L. Ferrante et al., J. Biogeogr. 44, 1911 (2017).
7. Brasil, Senado Federal, Projeto de Lei do Senado N° 626 (2011).
8. P. M. Fearnside. Ciênc. Hoje. 34, 63 (2004).
9. D. C. Zemp et al. Atmosp. Chem. Phys. 14, 13337 (2014).
10. IBGE, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (2018).
11. IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da federação brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2017 (2017).