Nova Cartografia Social Da Amazônia

Agrocombustíveis, mercado de terras e povos tradicionais no Pará: tema de seminário na UFPA


11-03 01-01Participantes do seminário “Agrocombustiveis, mercado de terras e povos tradicionais no Pará”, 28/02/2013, Auditório do NAEA/UFPA.

O auditório do Núcleo de Altos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará– UFPA, no dia 28 de fevereiro, recebeu um público de 78 pessoas que participaram do seminário “Agrocombustíveis, mercado de terras e povos tradicionais no Pará”. Neste espaço acadêmico quilombolas, ativistas do Movimento dos Sem Terra, estudantes, técnicos, professores universitários compartilharam três horas de reflexão sobre os investimentos e o crescimento da produção de dendê e no Pará e seus efeitos sobre a organização e modos de vida dos povos tradicionais.

A pesquisadora Irma Vieira do quadro do Museu Emilio Goeldi foi a primeira conferencista e abordou aspectos importantes do processo de ocupação da Amazônia enfatizando o quanto o uso da terra, predominantemente para pastagem e produção agrícola, impõe a derrubada da floresta densa, provocando uma alteração tão grande que leva a uma “segunda natureza” – a capoeira. É sobre essa capoeira que o dendê tem se expandido. A produção do óleo de palma é direcionado pelo Plano Nacional que apresenta diretrizes como: preservação da vegetação nativa; expansão integrada à agricultura familiar; territórios priorizados – áreas degradadas e pastagens abandonadas. A professora Vieira chama atenção para o modelo de organização da cadeia produtiva do dendê, ancorada em grandes empresas e globalizada o que desafia a ciência para uma questão central: como monitorar essa dinâmica sobre o território e a biodiversidade? As pesquisas iniciais indicam mudanças significativas na biodiversidade e no território e uma urgência em estabelecer padrões e bases científicas para o manejo da paisagem e um refinamento da legislação sobre a supressão de floresta secundária.

A jornalista Verena Glass, que atua na ONG Repórter Brasil, veio ao Pará para levantar dados sobre a plantação do dendê. Ela explica que o monitoramento feito pela ONG prioriza três aspectos: trabalhista – como o dendê tem empregado e a forma que emprega; a parceria com a agricultura familiar e os impactos ambientais no território. O dendê abre uma fonte de emprego muito forte, com identificação de casos de “trabalho escravo” nas plantações, o salário é pouco e para ganhar o trabalhador se “esforça muito” para aumentar a sua produção. Em sua última viagem, fevereiro de 2013, de monitoramento identificou o uso de substâncias entorpecentes pelos trabalhadores, visando ter energia temporária para aumentar sua produção individual. Argumentou que a parceria entre as empresas e agricultura familiar na plantação do dendê provoca transformações na unidade produtiva familiar – “quem está no dendê não consegue mais trabalhar na roça” – isso leva ao encarecimento dos alimentos, endividamento das famílias e insegurança alimentar. Nos impactos ambientais o uso intensivo de agrotóxico está colocando em risco as fontes de água e igarapés.

O Prof. Girolamo Treccani do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, iniciou sua fala com uma questão: dendê é fonte de recursos ou de conflitos socioambientais? Chama atenção para o processo intenso de compra e ocupação de terras por empresas na região Guajarina. Observa que nessa região ocorre uma mudança nas características dos conflitos de terras, com a ocorrência de mortes de trabalhadores rurais. O aquecimento do mercado de terras provocado pelo interesse empresarial tem provocado um processo intenso de venda de terras no qual “o papelantigo que indique a posse, vale muito no preço da terra”. Por isso, muitos documentos que haviam perdido seu valor jurídico e seu valor de uso têm sido requalificados, a exemplo dos casos de antigos produtores rurais, posseiros, que foram morar na cidade e que tinham “um papel”, “um título” e estão sendo utilizados como comprovantes da posse/propriedade na venda das terras, provocando conflitos com os “novos” posseiros – muitas vezes seus parentes.

Os quilombolas foram representados pelo Sr. José Francisco Maciel, presidente da ARQUINEC, que descreveu a situação do município de Concórdia do Pará. Afirmou que o número de famílias na miséria tem crescido. Não se podem manter práticas comuns ao modo de vida dos povos tradicionais, como andar de barco pelos rios e igarapés, pois o processo de degradação ambiental está provocando o assoreamento e a seca dos igarapés. A palmeira, exótica na região, precisa de 50 litros de água por dia, o que vêm afetando os igarapés. Chama atenção para o cercamento do território quilombola. O único lugar que não se têm a palmeira do dendê no município de Concórdia é na comunidade quilombola.

As reflexões de Guilherme Carvalho, da Federação de Assistência Social e Educacional – FASE, sobre esse processo de crescimento do monocultivo do dendê, apontam que tal crescimento se baseia na violação de direitos e na flexibilização da legislação ambiental para as empresas. No seu entendimento esse processo tem se intensificado na medida em que ocorre um “definhamento da democracia”, com o desmonte de instrumentos e mecanismos de controle social e o crescimento do uso da codificação como instrumentos de controle das forças conservadoras.

Em comunicado a Dra. Eliane Moreira, do Ministério Público Estadual, informa que o MPE abriu inquérito civil para apurar as situações de conflitos agrários, inclusive com ocorrências de morte de quilombolas e tentativas de homicídios nos municípios de Acará e Tomé-Açu, provocadas por conflitos de terras cobiçadas para o plantio do dendê.

Diversas manifestações dos presentes reabriram novas discussões e reflexões durante o debate, sendo apontado pelos presentes a necessidade da constituição e mobilização de uma rede de pesquisadores, movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais para os estudos, monitoramento e assessoramento aos afetados por esse processo.

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