No dia 03 de março de 2018, o governador do Pará, estará na comunidade quilombola de Cachoeira Porteira, para a entrega do título de domínio territorial. O território se refere a áreas de uso tradicional dos quilombolas, como áreas de castanhais, de roça, de pesca e de caça. O título corresponde ao território de domínio coletivo em nome da Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira (AMOCREQ-CPT) e dos quilombolas.
A Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira-AMOCREQ-CPT, em 05 de maio de 2004, protocolou junto ao Instituto de Terras do Pará (ITERPA) a reivindicação do território tradicionalmente ocupado. Nesta época, foram acompanhados pelo Programa Raízes e a região estava ameaçada pelos do interesse de sojicultores. Do mesmo modo, a ameaça pelos interesses madeireiros e mineradores é constante.
No documento intitulado “reconhecimento de domínio coletivo”, a AMOCREQ-CPT apresenta o estatuto da associação, ata de eleição da diretoria, “Breve relato histórico da comunidade”, listas com os nomes e números de documentos dos membros da “comunidade” e “Croqui das Áreas Tradicionalmente Ocupadas pelas comunidades”. A designação territorial consta no documento intitulado “Breve histórico da comunidade”, a AMOCREQ-CPT destaca que,
a denominação primitiva era Cachoeira Porteira devido o fato de quando o homem branco aqui chegava para capturar o homem negro, não conseguia passar devido a fúria das grandes cachoeiras, então consideravam uma “porteira” pela qual só os negros conseguiam passar (AMOCREQ-CPT apud ITERPA, 2004) (g.n.)
O processo de “reconhecimento de domínio coletivo” junto ao ITERPA permaneceu paralisado até 2012, com instalação no Ministério Público Federal (MPF), do Inquérito Civil Público nº 1.23.002.000144/2011-57, solicitando o “estudo antropológico”. Neste sentido, ficou firmado que o referido estudo comporia o “Relatório Técnico Científico para Identificação do Território da Comunidade Remanescente de Quilombo Cachoeira Porteira”, a ser executado pelo IDESP.
Por meio do Termo de Cooperação Técnica e Financeira nº 001/2012, de 08/02/2012, celebrado entre a SEMA, ITERPA e o IDESP, foi elaborado o “Relatório Técnico Científico para Identificação do Território da Comunidade Remanescente de Quilombo Cachoeira Porteira”. Neste contexto, o IDESP consultou o PNCSA, se poderia elaborar o “estudo antropológico”. Diante de tal consulta, o antropólogo Emmanuel de Almeida Farias Júnior foi designado pela coordenação para a elaboração do “estudo antropológico” junto a comunidade quilombola de Cachoeira Porteira.
No processo junto ao ITERPA, a identidade quilombola é reivindicada com base nas dinâmicas históricas de resistência ao sistema escravista. Tais narrativas reivindicam um passado de resistência a escravidão imposta nas fazendas de gado e plantações de cacau das regiões de Óbidos e Santarém, bem como a formação de famosos quilombos, como os quilombos da Porteira, do Maravilha, do Campiche, do Turuna, do Rio da Festa, do Curuá e muitos outros.
Para lutar por seus direitos territoriais, os quilombolas se mobilizaram e constituíram a Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira (AMOCREQ-CPT). Esta associação representa cerca de 120 famílias e estiveram à frente de todo o processo de reconhecimento territorial, que culminou nesse momento histórico para a comunidade, que receberá o título de aproximadamente 225mil hectares.
As lideranças quilombolas de Cachoeira Porteira costumam falar que a luta pelo território é histórica e também do presente. Pois lutam por esse território desde o período escravista, passando pelos chamados “patrões”, passando pelos interesses minerários, passando pela construção de uma rodovia inacabada e um projeto de hidrelétrica, passando também pela criação de unidades de conservação (Rebio Trombetas, em1979; Flona Saracá Taquera, em 1989 e Flotas Trombetas e Faro, em 2006), todas essas iniciativas invadiram seus territórios.
Neste sentido, o processo de titulação do território quilombola passou por dois momentos distintos: o primeiro diz respeito a chamada desafetação das Flotas Faro e Trombetas, onde foram retirados dos limites destas unidades de conservação o limite referido ao território quilombola. Este processo foi feito através de um Projeto de Lei. Assim, a Lei Nº 8.595, no dia 11 de janeiro de 2018, foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará e assinada pelo então Governador, Simão Jatene. O segundo é a emissão do título de domínio coletivo.
As áreas “desafetadas” correspondem a 225.289,5222 ha (duzentos e vinte e cinco mil, duzentos e oitenta e nove hectares, quinhentos e vinte e dois ares e dois centiares), referentes ao Território Quilombola de Cachoeira Porteira, incluídos na área da Floresta Estadual de Faro e na da Floresta Estadual do Trombetas, e 10.454,5619 ha (dez mil, quatrocentos e cinquenta e quatro hectares, cinquenta e seis ares e dezenove centiares), referentes ao Território Quilombola de Ariramba, incluídos na área da Floresta Estadual do Trombetas.
O processo de reivindicação territorial abarcou distintas etapas de negociação. A definição territorial foi feita pelos próprios quilombolas a partir de processos de autodemarcação, onde, munidos de aparelhos de G.P.S. percorreram os limites que estavam sendo reivindicados. Este limite já não era o limite apresentado em 2004 ao ITERPA, pois, com o retorno dos indígenas Katxuyana, Kahyana e Tunayana aos seus territórios nos rios Trombetas e Cachorro, os quilombolas elaboraram uma nova proposta territorial. Esta proposta foi discutida com o ITERPA, IDESP e outras instituições estaduais e nacionais.
Estes limites foram explicitados pelos quilombolas durante a realização das oficinas de mapas realizadas pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. Durante estas atividades da nova cartografia social, os quilombolas narravam os usos e costumes que envolviam suas terras tradicionalmente ocupadas. Deste processo, resultaram a publicação de um fascículo pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (pode ser consultado no link http://novacartografiasocial.com.br/download/18-quilombolas-de-cachoeira-porteira-alto-trombetas-oriximina-pa/) e a criação de um Museu Quilombola, na própria comunidade, atualmente em execução. O mapa situacional produzido pelos quilombolas nas oficinas de mapas indicam os chamados territórios históricos, os antigos quilombos e a área reivindicada. Este mapa foi alterado em função de futuro acordo com os povos indígenas da região.
Outro momento de explicitação e consolidação da delimitação e definição territorial se refere à Consulta Prévia, Livre e Informada realizada pelo IDESP com o acompanhamento do MPF com a comunidade quilombola de Cachoeira Porteira. Neste momento os quilombolas apresentaram para o Governo do Estado do Pará uma proposta de gestão territorial. Tendo em vista os limites definidos pelos próprios quilombolas. Esta proposta abrange distintos seguimentos da vida econômica, social e religiosa dos próprios quilombolas, visando a melhoria da qualidade de vida, como por exemplo, o desenvolvimento da cadeia produtiva da castanha-do-brasil.
As participações do MPF e MPE foram fundamentais para consolidar o processo de titulação. Pois diante das tensões surgidas entre indígenas e quilombolas, o MPF se propôs e organizou uma série de mesas de negociação entre os grupos sociais envolvidos. Neste sentido, foi firmado entre indígenas e quilombolas um acordo territorial com a concordância de ambas as partes. Tal acordo foi comemorado por todos, pois os respectivos processos de reconhecimento, delimitação e titulação poderiam prosseguir seus cursos burocráticos. Assim, foi dado prosseguimento a solicitação de “reconhecimento de domínio coletivo” do território quilombola, resultando na titulação que ocorrerá no próximo dia 03 de março de 2018.
Segue abaixo alguns materiais produzidos