À Agência da ONU para Refugiados – ACNUR
Ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH
Ao Ministério Público Federal – MPF
À Defensoria Pública da União – DPU/PI
À Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB Nacional
Ao Ministério Público do Estado do Piauí – MPE/PI
À Defensoria de Diretos Humanos e Tutela Coletiva da DPE/PI
À Coordenação Regional Nordeste II da Funai
À Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia – ABA
A Cáritas Arquidiocesana de Teresina, a Pastoral do Povo de Rua, o Movimento pela Paz na Periferia – MP3 e o Serviço Pastoral do Migrante – SPM, organizações da sociedade civil que acompanham e apoiam os indígenas Warao residentes nos abrigos Piratinga, CSU Buenos Aires e Emater, localizados em Teresina, estado do Piauí, vêm denunciar e manifestar repúdio às violações dos direitos humanos e indígenas praticadas na capital piauiense. Solicitamos uma investigação sobre as condições desumanas de abrigamento disponibilizadas pelo Governo do Estado do Piauí e Prefeitura Municipal de Teresina, que se agravaram no contexto da Pandemia de Covid-19. Pedimos, ainda, que seja apurados e punidas os crimes praticados pelo coordenador do abrigo CSU do Buenos Aires, Santiago Oliveira, que vem tratando os indígenas de forma desrespeitosa e violenta.
A defesa dos Warao sustentada neste documento tem como base o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis, que constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; que é essencial a proteção dos direitos dos seres humanos através de um regime de direito, para que o ser humano não seja compelido, em supremo recurso, a revolta contra a tirania e a opressão. Parafraseando o preâmbulo da carta de Declaração Universal dos Direitos Humanos, esclarecemos que essa é nossa motivação, assim como a observação dos direitos indígenas estabelecidos pela Constituição Federal e na Convenção 160 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
A denúncia e pedido de investigação se justifica pelas constantes reclamações proferidas pelos Warao sobre maus tratos, precariedade dos prédios onde vivem e falta de alimentação, produtos de limpeza e higiene pessoal. Os problemas mencionados, embora sejam relatados de forma sigilosa devido ao medo de retaliações e perseguições dentro dos abrigos, vem sendo negligenciados pela Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas – SEMCASPI e Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos – SASC, o que nos obriga a recorrer a instâncias superiores, uma vez que as ações praticadas contrariam os pactos internacionais e a legislação brasileira.
Esta denúncia já foi apresentada nas devidas instâncias locais e lamentavelmente não receberam a atenção necessária. Dificultando ainda mais a situação, os agentes do poder municipal e estadual negam publicamente os problemas citados, desqualificam os Warao e agem no sentido de criminalizar as ações por eles praticadas. Para deslegitimar os relatos indígenas, têm sido apresentadas narrativas que menosprezam a cultura Warao e venezuelana e promovem um processo de criminalização dos indígenas. Parte desse processo, vem sendo adotado crescentemente o expediente de uso da Guarda Municipal e Polícia Militar para intimidar, constranger e violar os direitos dos Warao. Exemplo disso, foi o episódio de expulsão de Yovine Torres do abrigo EMATER, no dia 19 de abril de 2021, sem a devida informação, escuta e sem o direito de defesa. Ação igualmente reprovável foi a blitz, denominada de ação educativa, realizada às 4h da madrugada do dia 13 de maio de 2021, que expôs os Warao ao constrangimento público, sem nenhuma informação prévia ou consentimento coletivo. A presença da PM e Guarda Municipal nos episódios citados, além de indevida, representam desvio de função que deve ser apurado à luz dos direitos humanos e indígenas.
Notificamos que recebemos informações que no abrigo do Buenos Aires, as 27 famílias Warao estão sofrendo represálias de Santiago Oliveira, que na condição de coordenador do abrigo tem praticado atos de má conduta, que evidenciam o uso de metodologia de trabalho bastante rude e grosseira, com falas que manifestam desprezo e criminalização dos indígenas. Ele infringe os princípios do respeito aos seres humanos, preceito conferido pela ONU as todas as pessoas, independente de classe social, raça, cor, religião, orientação sexual e nacionalidade.
As ações de abrigamento desenvolvidas pelo poder público nesta cidade revelam desrespeito à cultura e à identidade Warao. A metodologia de trabalho desenvolvida até o momento promove a exclusão e fere à Convenção 169 da OIT, que determina a realização de consulta é prévia, de boa-fé e bem informada antes de qualquer medida que venha potencialmente afetar a vida dos povos indígenas.
A participação indígena tem sido cerceada, comprometendo a autonomia dos Warao e afetando o desenvolvimento das ações de entidade de apoio, tais como a Cáritas Teresina. No dia 08 de maio de 2021, por exemplo, os agentes da referida organização experimentaram o sentimento de coação quando foram realizar uma pesquisa situacional nas questões de proteção, saneamento, limpeza e acesso à água para subsidiar a escrita de uma proposta de ação da Caritas Brasileira com os Warao. Embora tenham recebido a autorização da secretária da SEMCASPI, a atuação dos agentes da Cáritas e dos Warao foram limitadas pelos mecanismos de vigilância, que coibiram e prejudicaram o diálogo necessário para a pesquisa proposta. O uso de CACETETES por parte dos agentes de portaria e educadores sociais assustou a equipe, que considera desnecessário e inapropriado o uso dessa arma, uma vez que os indígenas não representam nenhum perigo para os funcionários dos abrigos. Esse procedimento só encontra razão de ser no processo de criminalização empreendido pelo poder público, que vem transformando os abrigos em “casas de detenção” e os indígenas em “infratores”.
Diante da gravidade do quadro que vem se constituindo e que compromete a integridade física e mental dos Warao, é necessário adotar ações que assegurem a sua proteção, pois constatamos que se encontram vulnerabilizados e aterrorizados pela simetria de forças existente entre eles e as agência estatais que violam seus direitos.
Diante das graves violações indicadas, as organizações que assinam a presente carta alertam que as ações mencionadas expressam ilegalidades e graves violações ao Ordenamento Jurídico Pátrio, especialmente, na garantia de direitos humanos e direitos fundamentais às comunidade indígena que aqui se encontra na condição de refugiada.
Encerramos manifestando apoio aos Warao e afirmando que não nos calaremos diante das injustiças praticadas. Esperamos que não haja omissão por parte das instituições destinatárias deste documento e que sejam adotados os procedimentos devidos para a apuração das denúncias apresentadas. Estaremos a disposição para apresentar todas as informações, que comprovam os atos relatados.
Teresina (PI), 17 de maio de 2021.
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Cáritas da Arquidiocese de Teresina
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Movimento Pela Paz na Periferia – MP3
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Pastoral do Migrante
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Pastoral do Povo de Rua