OBITUÁRIO:
Aldenor Basques Félix Gutchicü (BABU)
Nasceu na aldeia Filadélfia em 30 de julho de 1976
Faleceu em Manaus, vítima de COVID 19, em 28 de abril de 2020
Aldenor Félix, o “Babu” do povo Magüta (Tikuna), nasceu na aldeia de Filadélfia, no município de Benjamin Constant, na região do Alto Solimões, estado do Amazonas, na fronteira com o Peru. Aldenor pertencia à nação (clã) de Mutum, da linhagem de penas, uma das metades exogâmicas do povo Tikuna (OLIVEIRA, 1994).
No início dos anos 2000 Aldenor participava ativamente das atividades do recém construído Centro Cultural Wotchimaücü, uma das primeiras conquistas dos Tikuna no bairro Cidade de Deus em Manaus. O Centro Cultural abrigava as atividades de confecção de artesanato pelas mulheres, as aulas da língua materna para as crianças Tikuna da primeira geração nascida em Manaus, além das reuniões das lideranças com os associados sobre problemas da vida cotidiana e reivindicações elementares sobre direitos fundamentais relativos aos povos indígenas.
Neste mesmo período, por volta de 2004, os Tikuna da Cidade de Deus gravam seu primeiro CD de músicas intitulado: “Cantigas Tikuna Wotchimaücü” e Aldenor participou ativamente como músico e compositor, compondo mais tarde com a cantora e jornalista Denizia Peres ou Djuena Tikuna, que assim o descreve:
“Também era um grande entusiasta da nossa cultura, músico autodidata, compomos juntos algumas canções que falam do sagrado”. Fonte: http://apib.info/2020/04/29/10-amanha-sentirei-saudades-hoje-so-consigo-sentir-dor-indignacao-e-revolta/.
Foi um dos precursores do PROIND, Curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, turma Manaus de 2009 a 2014. Além de ser o primeiro professor de língua Tikuna com proposta de educação diferenciada para as crianças Tikuna em Manaus. Nos últimos anos estava exercendo a carreira de professor indígena na Comunidade São Leopoldo, no Município de Benjamin Constant – AM. Havia retornado a Manaus no final de 2019.
Aldenor Basques Félix Gutchicü, professor, músico, pai, esposo, parente, amigo, deixa escrita uma trajetória de luta e resistência de seu povo na cidade de Manaus. Faleceu após apresentar todos os sintomas graves da Covid-19, mas sem teste positivo ou não. Sua morte revela a dura situação de ser indígena na cidade. Morreu numa insistente busca de assistência médica, diferenciada ou não, nestes tempos de pandemia em que o sistema de saúde de Manaus apresenta sinais evidentes de esgotamento e os indígenas veem-se abandonados à sua própria sorte. Além de falecer sem assistência médica apropriada o corpo de Aldenor permaneceu insepulto por quase 48 horas, levando-o a uma derradeira luta pós-morte juntamente com os indígenas para assegurar-lhe um funeral digno. O seu enterro foi vivido como uma conquista pelos Tikuna e por aqueles que se mobilizam em defesa dos povos indígenas, num momento em que os serviços públicos relativos a funerais entraram em “colapso”. Há dezenas e dezenas de cadáveres aguardando sepultamento, o principal cemitério em Manaus adotou valas coletivas e nestes três últimos dias de abril são escassos os caixões e trágicas as perspectivas para os milhares de indígenas que vivem em Manaus.
Por: Clayton de Souza Rodrigues
Pesquisador colaborador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia – PNCSA
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas – PPGAS-UFAM
*O corpo do Professor Aldenor Tikuna já foi enterrado na tarde de ontem. O laudo médico atestou parada cardíaca, mas sabemos que ele estava com Covid 19. Não fizeram o teste e ele apresentava todos os sintomas próprios das vítimas do COVID 19.