Fonte: Amazônia Real
Por: Izabel Santos
Manaus (AM) – Indígenas de diversos povos reivindicaram durante a 5ª. Marcha Indígena do Amazonas: “Seguir Lutando e Sonhando, Resistir é Preciso!!!”; realizada nesta terça-feira (03), em Manaus, a execução de políticas públicas, diálogo e consulta nas tomadas de decisão, além da execução do orçamento de R$ 65 milhões do Governo do Estado previsto para o exercício de 2019, conforme Emenda Constitucional (PEC) nº 102/18, para a realização de projetos para os povos indígenas.
Na reunião que antecedeu a manifestação, na segunda-feira (02), o representante da Coordenação dos Povos Indígenas do Entorno de Manaus (Copime), Turi Sateré, criticou a medida do Governo do Amazonas que retirou da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 a vinculação de 0,5% da receita do Estado para a aplicação em políticas públicas para os povos indígenas.
“Não vemos nenhum projeto que garanta a existência dos povos indígenas; o Governo do Estado hoje não tem um projeto para nossas vidas. As comunidades que estão na ponta, precisam desse amparo, serem tratados como seres humanos porque aqui no estado do Amazonas a população indígena é maioria. Tanto governo federal quanto estadual não tem dado atenção a essas políticas que são diferenciadas e garantidas por lei, chamamos ao diálogo para que eles entendam nossa reivindicação”, afirmou o representante da Copime, Turi Sateré.
Segundo a organização da 5ª. Marcha Indígena do Amazonas, cerca de 800 pessoas participaram da manifestação, que iniciou na Praça da Saudade e percorreu as avenidas Epaminondas e Eduardo Ribeiro até a Praça do Congresso, na rua Ramos Ferreira. Com cartazes, faixas e carro de som, indígenas estudantes e militantes de movimentos sociais caminharam ao lado de não indígenas reivindicando melhorias em saúde, educação e condições de moradia. A Polícia Militar informou à reportagem que contabilizou 200 pessoas no ato.
“A marcha é fundamental para o fortalecimento do movimento indígena em si, pois um indígena não fala só por ele mesmo, mas por uma coletividade que representa interesses muito maiores que a individualidade”, defende Vanda Witoto, indígena e membro da comissão organizadora da marcha, que reuniu 14 organizações indígenas, entre elas, Forreia, Meiam, Coiab, Amism, Foirn e Univaja.
A realização da 5ª. Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas contou com a adesão de não indígenas e entidades, entre elas, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA). No mês de novembro, indígenas de todo o estado do Amazonas participaram de reuniões no Museu da Amazônia (Musa), no Largo de São Sebastião, no centro de Manaus. O local foi aberto à comunidade indígena pelo diretor do Musa e ex-presidente da SBPC, Ennio Candotti. Nas ocasiões, foram discutidos temas relacionados à autodeterminação, territorialidade, segurança, saúde e educação.
“O que nos fortalece é a nossa união. Na concentração da marcha deu para sentir a força indígena com a presença até de Yanomami, pessoas que vieram de longe, para participar sem medo dos esforços por conquistas. Não temos que ter medo, temos que ter vontade de ir além e não abalarmos. Para nós, indígenas, nada nunca veio sem luta e ousadia”, afirma a professora Cláudia Baré.
Vanda Witoto e Cláudia Baré são moradoras da comunidade Parque das Tribos, que fica no bairro no Tarumã, na zona Oeste de Manaus. O local é considerado o primeiro bairro indígena da capital do estado e, segundo a Prefeitura, abriga 38 povos indígenas. A área é alvo frequente de investidas por reintegração de posse, pois é considerada ocupada ilegalmente pelo poder público. Ano passado, a juíza federal substituta da 3ª Vara da Justiça Federal no Amazonas, Raffaela Cássia de Sousa, determinou, a desocupação do local. A investida não progrediu e os indígenas continuam vivendo no local.
De acordo com o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui de 896.917 indígenas, distribuídos em 305 povos que falam 274 línguas. A maior parte dessa pluralidade cultural está na Amazônia. O Amazonas é o estado com a maior população, são mais de 180 mil pessoas de 30 etnias e que falam mais de 20 línguas. A maior parte destes indígenas está concentrada nas regiões do Médio e Alto Rio Negro, região que faz fronteira com a Venezuela e Colômbia.
Mortes e invasões de terras
Durante a 5ª. Marcha em Manaus, os povos indígenas protestaram pelas mortes de lideranças. No início do mês de novembro, dois territórios indígenas foram atacados por invasores em menos de 24 horas na Amazônia Legal: a Terra Indígena Arariboia, no estado do Maranhão, e a Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas. A primeira ação resultou na morte do guardião da floresta e liderança Paulo Paulino Guajajara, 26 anos, assassinado com um tiro no pescoço em uma emboscada de madeireiros ilegais. Na segunda, a Base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai), que atende os índios isolados Korubo, foi atacada a tiros por pescadores e caçadores ilegais. Além disso, a liderança indígena Alessandra Korap Munduruku, que luta contra garimpo e hidrelétricas na bacia do rio Tapajós teve a casa invadida, no município de Santarém (Pará). Os manifestantes também prestaram homenagens à missionária Dorothy Stang, assassinada em 2005 por pistoleiros a mando de fazendeiros, em Anapu, no Pará.
Sem diálogo com governo
De acordo com a organização da 5ª. Marcha Indígena do Amazonas, era esperada a presença de representantes do Governo do Amazonas na manifestação, mas eles não compareceram. “Isso mostra o desinteresse do Estado e desrespeito por nós, que repudiamos essa atitude. Mas, de todo modo, nossa avaliação da marcha é positiva”, diz Vanda Witoto.
“Aprovamos a Carta de Princípios dos Povos Indígenas do Amazonas, que reafirma a nossa autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Isso vai nos possibilitar dialogar e lutar de maneira mais efetiva por nossos direitos”, revela a líder, que destacou que: “a nossa marcha foi para dizer que queremos o fortalecimento da saúde e da educação indígena, e que não queremos mineração e retrocessos, tanto na esfera estadual quanto federal? ”, explicou a liderança.
Nesta segunda-feira (02), a organização da 5ª. Marcha dos Povos Indígenas do Amazonas realizou uma reunião com o movimento indígena para alinhar as reivindicações da pauta do evento e questionamentos ao Governo do Amazonas. Os indígenas querem saber do governador Wilson Lima (PSC), qual é a política planejada e adotada para eles, uma vez que direitos conquistados vêm sendo desrespeitados, situação agravada pelo contexto de ataques feitos pelo Governo Federal. Na avaliação das lideranças está acontecendo o desmonte de políticas indigenistas, ameaça e violação dos direitos e da própria existência dos povos indígenas.
“Estamos reivindicando políticas públicas no sentido de projetos sustentáveis, voltados à educação, saúde, cultura, terra e território. Não temos avançado no diálogo sobre as necessidades da educação básica e nem as licenciaturas vêm sendo garantidas. Há um retrocesso acontecendo em nosso Estado e nos sentimos desamparados pela lei maior; estamos perdendo nossos direitos aos poucos. É por isso que estamos aqui resistindo, lutando pelo direito de existir”, afirmou a presidente do Fórum Estadual de Educação Indígena (Foreeia), Claudia Baré.
“Tivemos duas marchas este e nas duas fomos recebidos pelo vice-governador. Nesses momentos foram feitas apenas promessas e para as quais ainda não tivemos respostas. Queremos uma audiência com o governador para ele explicar o porquê desses não acontecimentos”, completou a liderança do Parque das Tribos.
O que diz o governo?
Procurada pela reportagem da Amazônia Real, a assessoria de imprensa do governador Wilson Lima (PSC) respondeu por meio de nota enviada pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) “que a pauta indígena faz parte das articulações da pasta”. O governo não comentou sobre a cobrança dos indígenas sobre a execução do orçamento de R$ 65 milhões, previsto para o exercício de 2019, conforme Emenda Constitucional (PEC), para a realização de projetos para os povos indígenas.
Segundo a nota, em sete meses, a gestão de Wilson Lima atendeu 16.672 indígenas com ações de cidadania, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai) em Novo Airão, na comunidade Moyray, em Autazes; e nas comunidades Pari Cachoeira e Iauaretê, em São Gabriel da Cachoeira. “Os atendimentos foram para emissão de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e outros documentos. Essa documentação garante direitos básicos aos indígenas e a participação em programas sociais”, diz o governo. A Sejusc também informou que está sendo discutido o processo de articulação para criação de um Conselho Indígena do Amazonas.