por Karen Engle e Edward Shore
Fonte: thehill.com
Enquanto os incêndios de verão na Amazônia continuam a dominar as notícias internacionais sobre o Brasil, poucos notaram outro desastre que está ocorrendo há décadas. Um novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado entre os governos Trump e Bolsonaro ameaça deslocar centenas de famílias de agricultores e pescadores quilombolas de suas terras ancestrais protegidas constitucionalmente.
O acordo, que poderá levar à expansão do Centro de Lançamento Espacial de Alcântara situado ao longo da Costa Atlântica, não entrará em vigor a menos que seja ratificado pelo congresso brasileiro (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Vários parlamentares brasileiros se opõem à sua ratificação, alguns tendo impugnado o tribunal constitucional brasileiro. Outros, como Eduardo Bolsonaro, filho do presidente recentemente nomeado embaixador nos EUA, estão tentando avançar com a ratificação o mais rápido possível. O Brasil não deveria ratificar o acordo e os Estados Unidos deveriam encerrar seu apoio entusiástico à disposição do Brasil em negar aos quilombolas o direito deles aos seus territórios.
Infelizmente, não seria a primeira vez que os quilombolas seriam forçados a sacrificar parte de seus territórios e meios de subsistência pelo centro de lançamento.Em agosto deste ano, nos reunimos com líderes quilombolas e ativistas comunitários nas “ruínas coloniais” da cidade de Alcântara, em uma área onde quase 100.000 negros escravizados trabalharam em plantações de algodão e, onde mais tarde, muitos dos seus descendentes se estabeleceram e lá permanecem em comunidades negras livres. Com as lideranças e ativistas nós aprendemos sobre os danos contínuos causados pelo centro de lançamento, empreendimento planejado na década de 1980 durante o regime militar brasileiro com o apoio dos EUA, que resultou no deslocamento de mais de 300 famílias. Ao bloquear o acesso essencial à pesca ao longo da costa, o centro de lançamento continua a afetar o sustento e a economia das comunidades quilombolas em toda a região.
O acordo só vai piorar as coisas. Em maio, logo após a assinatura, o Ministério da Defesa admitiu que o governo provavelmente desapropriará mais 12.000 hectares ao longo da costa, o que significaria o deslocamento de cerca de 800 famílias quilombolas e a privação do uso de valiosa do território quilombola. Não obstante, esses efeitos prejudiciais, alguns membros do legislativos brasileiros alegam, mesmo na ausência de consultas comunitárias e avaliações de impacto exigidas por lei, que estão ajudando os quilombolas. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, afirmou há poucas semanas: “Hoje, os quilombolas [de Alcântara] ainda vivem na miséria, enquanto a Guiana [francesa] gera renda para as pessoas com sua base espacial em Kourou. Eles não têm mais pessoas pobres.”
Infelizmente, a reivindicação contrafactual de Bolsonaro está imersa em uma abordagem mais profunda do estado brasileiro em relação ao desenvolvimento econômico das Comunidades quilombolas. Os líderes políticos brasileiros em todo o espectro há muito defendem o centro de lançamento como uma panacéia para o subdesenvolvimento, em um dos estados mais pobres do Brasil. No entanto, mais de 30 anos após a construção do centro, os benefícios econômicos não são vistos em nenhum lugar para os moradores de Alcântara, onde mais de 56% dos quais ainda vivem abaixo da linha de pobreza.
Algumas semanas atrás, o presidente Jair Bolsonaro dizendo proteger a soberania do Brasil rejeitou a ajuda do G7 para conter os incêndios na Amazônia. Ironicamente, ele agora parece feliz em entregar aos EUA as chaves da base de Alcântara. Como alguns críticos apontaram, existe uma disposição no acordo que dá aos EUA o poder de restringir a entrada na base de técnicos, veículos e pessoal apenas aos Americanos, impedindo não apenas os quilombolas, mas também as autoridades brasileiras de adentrarem ou fiscalizar as áreas da base utilizada pelos EUA. Outra disposição permitir aos EUA armazenar materiais radioativos e outras substâncias nocivas na base sem notificar o governo brasileiro.
Alguns tentam justificar o acordo com base no desenvolvimento econômico ou no avanço da ciência e da tecnologia. Entretanto, o presidente Bolsonaro nunca ocultou seu próprio motive para garantir a utilização dos território quilombolas para grandes projetos de cunho desenvolvimentista, como fez durante sua campanha, que “nem mais um centímetro [de terra] será demarcado para reserva indígena ou quilombolas”.
Recentemente, os representantes da Câmara dos EUA, Raúl Grijalva (D-Arizona), Ro Khanna (D-Califórnia) e Deb Haaland (DN.M.) apresentaram uma resolução pedindo, entre outras coisas, que o governo Bolsonaro proteja os ‘direitos constitucionais’ dos povos indígenas e quilombolas.
O Congresso Americano deve aprovar esta resolução, opondo-se à expansão do Centro de Lançamento de Alcântara e garantir que o governo dos EUA não seja cúmplice em ajudar Bolsonaro a alcançar seu objetivo.
Karen Engle: É advogada diretora da Minerva House Drysdale da Escola de Direito da Universidade do Texas em Austin. Ela também é fundadora e co-diretora do Centro Bernard e Audre Rapoport de Direitos Humanos e Justica Social da mesma Universidade.
Edward Shore: PhD em Historia pela Universidade do Texas em Austin é Pos-Doutorando em Direitos Humanos da Escola de Direito da Universidade do Texas em Austin.
Traduzido por: Davi Pereira Junior, quilombola de Alcantara e PhD candidate in Latin American Studies da Universidade do Texas em Austin.