Nova Cartografia Social Da Amazônia

EQUIPE DO PNCSA EM PAINEL NO XXXVI International Congress of the Latin American Studies Association


Entre os dias 23 e 26 de maio foi realizado o Congresso LASA Latin American Studies in a Globalized World em Barcelona, Catalunha, e em sua programação, o painel intitulado “CORREDORES LOGISTICOS E POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: ESTRATÉGIAS GLOBALIZADAS DE DESENVOLVIMENTO E SEUS EFEITOS SOCIAIS: Brasil, Moçambique, Quênia e Índia” organizado por pesquisadores do PNCSA. Tais pesquisadores atualmente encontram-se frequentando cursos de doutorado nos Estados Unidos – o antropólogo Davi Pereira Jr., Universidade do Texas (Austin), e o sociólogo Gabriel Locke (UCLA)-, ou ministrando cursos no PPGCSPA da UEMA (Maranhão) como o antropólogo Emmanuel de Almeida Farias Jr. e a doutora em direito Sheilla Borges Dourado, ou na UNEMAT, como o sociólogo e agrônomo Antonio João Castrillon Fernandes, ou ainda fazendo pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, como o ecólogo Juracy Marques, do PPGEH da UneB. O painel foi coordenado pelo antropólogo Alfredo Wagner e não contou com a presença de dois de seus idealizadores Davi Pereira Jr. e Emmanuel Farias Jr. Também não contou com a presença de Helen Catalina, que participou de discussões preparatórias do evento e cursa o doutorado no PPGSCA da UFAM e realiza trabalho de campo na região do Gran Canal, na Nicarágua.

Figura 1: Alfredo Wagner, Antônio João e Gabriel Locke

Figura 2: Participantes da discussão: Sérgio e Antônio João ao fundo. Alfredo Wagner, Fabio, Juracy, Sheilla e Gabriel, na segunda fila da esquerda para direita, e na frente Wendel e Grace.

RESUMO DA APRESENTAÇÃO FEITA POR ALFREDO WAGNER

O objetivo precípuo deste painel consistiu em debater a relação entre a implantação de corredores logísticos e seus efeitos sociais a partir do mapeamento das estratégias globalizadas de desenvolvimento executadas concomitantemente em vários continentes (América Central e do Sul, África, Ásia e Leste europeu) com base na representação dos próprios povos e comunidades atingidos, elaborada a partir de trabalhos de campo nos países mencionados (Quênia, Índia, Nicarágua, Colômbia, Moçambique, Brasil). Em Moçambique o trabalho de campo não pode ser iniciado em fevereiro, conforme previsto, e será realizado em agosto-setembro do corrente ano com as informações até agora sendo obtidas através de contatos com entidades que atuam no Corredor de Nacala.

A categoria “corredor” (corridor) tem sido utilizada amplamente em todas estas situações sociais abordadas. Ela explicita uma ampla coalizão de interesses que articula empresas mineradoras, dos agronegócios e do ramo de seguros e de administração de fundos, empenhadas na financeirização das ações ditas “ambientais”, e que compreende também atos de Estado e grandes agencias ambientalistas intimamente afinadas com as chamadas “agroestratégias” e com o “conservacionismo”. Tal coalizão explicita um intrincado campo de significados, cuja constelação abrange as expressões: “corredores logísticos”, “corredores ecológicos” e “corredores biológicos”, bem como um repertório de metáforas a eles vinculadas , sejam as de inspiração geométrica (“trapézio amazônico”, “arco minero”, “arco do desmatamento”, “quadrilátero ferrífico”, “polígono dos castanhais”), sejam aquelas apoiadas na zoologia (“cabeça do cachorro”, “bico do papagaio”). Em todas elas enfatiza-se o quadro natural em detrimento de unidades sociais (grupos, comunidades e povos). No caso dos “corredores biológicos” quando aparecem menções a agentes sociais elas destacam os seus territórios (terras indígenas, terras de quilombo e demais terras tradicionalmente ocupadas), colocando-os na mesma “coluna” -num quadro ideal – que as unidades de conservação. Os termos “complexo” e “grande região” também aparecem nos planos oficiais. Este campo de significado tornou-se um dos componentes dos objetos de reflexão dos diversos trabalhos de pesquisa ora em pauta.

De maneira resumida pode-se dizer que os chamados “corredores logísticos” concernem às “obras de infraestrutura” (portos, aeroportos, ferrovias, hidrovias, rodovias, usinas hidrelétricas, parques eólicos, minerodutos, oleodutos, gasodutos) e aos seus apoiadores de cunho militar e geopolítico (bases militares). Seu propósito seria o escoamento da produção mineral e agropecuária, perpassando fronteiras nacionais. Os “corredores ecológicos” preconizam um rosário de unidades de conservação e terras tradicionalmente ocupadas, perpassando também as fronteiras nacionais, entrelaçadas segundo “módulos” ou através do termo “mosaico”, que tem evidente pretensão cartográfica e geopolítica. Os “corredores biológicos” privilegiariam a preservação de espécies em áreas de sua maior incidência.

Em contato com diferentes movimentos sociais e organizações de atingidos (CONAQ, COIAB, COICA, MIQCB, MABE, MAB) e com associações voluntárias da sociedade civil (KLA- Kenya Land Alliance), realizamos os trabalhos de campo (survey) e percebemos dificuldades de implantação.

Um elemento de destaque nestas iniciativas de “corredor” refere-se à concentração fundiária sob o domínio de conglomerados econômicos vinculados aos agronegócios, à extração mineral de gás e petróleo, bem como às agroindústrias, incluindo-se as fábricas de papel e celulose e as refinadoras de óleos vegetais. Um de seus impactos mais evidentes concerne ao aquecimento do mercado de terras e aos atos de especulação imobiliária, desestruturando radicalmente as terras tradicionalmente ocupadas (Convenção 169/OIT) ou “community lands” (Constituição do Quênia/2010) e as formas organizativas tradicionais. Tais ações inviabilizam a reprodução física de povos e comunidades tradicionais, que são compulsoriamente deslocados de suas terras e agravam os conflitos agrários. Tal fato pode ser constatado tanto no Brasil, quanto no Quênia e em Moçambique, mediante a destinação de grandes extensões de terras para monocultura (soja, cana de açúcar, pinus), pecuária extensiva, extração mineral e obras de infraestrutura. Um dos efeitos mais pertinentes refere-se à privatização de recursos hídricos para a geração de energia, grandes plantações irrigadas e lavagem de minério.

Elegemos sete situações mais conhecidas para efeitos de apresentação e onde há pesquisadores do PNCSA em atividade. Incluímos uma oitava situação para fins de levantamento de fontes bibliográficas. Para tanto dispusemos um mapa-mundi com as informações assinaladas com respeito a cada uma delas, quais sejam:

  1. Delhi-Mumbai Industrial Corridor” (DMIC), que se estende de Delhi a Mumbai no Oceano Indico;
  2. LAPSSET corridor”, que abrange Quênia, Sudão do Sul, Etiópia e Uganda e seus desdobramentos alcançam Camarões, ligando “modalmente” o Oceano Índico ao Oceano Atlântico;
  3. Corredor de Nacala”, ligando as áreas de extração mineral ao porto de … no Oceano Indico, abrangendo Moçambique e com efeitos sobre o Malawi e a Tanzânia através do programa denominado “Pro-Savana” ou de grandes plantações em terras planas e aráveis do semi-árido, com apoio do Brasil e da cooperação japonesa (JICA);
  4. Gran Canal”, cortando a Nicarágua e ligando o Atlântico ao Pacífico, paralelamente ao Canal do Panamá;
  5. Corredor Carajás”, ligando as minas de ferro e ouro, localizadas no Estado do Pará, através de ferrovia, ao porto de Itaqui, Estado do Maranhão (Brasil), no Oceano Atlântico;
  6. Corredor da soja”, ligando, através de rodovia, o Estado do Mato Grosso aos portos no Rio Tapajós e Madeira, demandando o Rio Amazonas e alcançando o Atlântico. Há também um outro “corredor da soja” que envolve o semiárido do Piauí, Tocantins e Bahia (região do MATOPIBA), demandando portos do Atlântico, através de ferrovia;
  7. Projeto Transposição do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro na região da bacia do São Francisco;
    Uma derradeira situação, mencionada para contraste e para a qual não temos observações diretas, diz respeitos aos gasodutos russos sobre os quais iniciamos um levantamento de fontes:
  8. Gasodutos da Rússia para China e para a Europa.

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