Nova Cartografia Social Da Amazônia

Realidades que denunciam o silêncio, o abandono e a atualidade dos impactos da usina hidrelétrica de Tucuruí


A Oficina de Mapas realizada nos dias 05, 06 e 07 de outubro de 2013 na cidade de Tucuruí, no sudeste do Estado do Pará, visou a apresentação e debate dos conteúdos produzidos em oficinas preparatórias ocorridas no mês de junho com pescadores, agricultores, moradores de bairro, acampados, reassentados e expropriados pela Eletronorte durante o processo de implantação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí – UHE-Tucuruí. Desde o final dos anos 70 e é renovado com a construção da segunda etapa da Hidrelétrica, em 2003, os efeitos da desestruturação da vida de milhares de famílias nas ilhas, nas comunidades ribeirinhas da jusante e na cidade de Tucuruí são desencadeados para além da visão econômica de elevação da produção de energia para alavancar o desenvolvimento industrial.

Este trabalho de pesquisa para produzir a cartografia de situações sociais da região de Tucuruí atualiza os processos recentes na região cujo noticiário e análises estão totalmente obscurecidos, “fora da pauta” diante das realidades emergentes em Altamira, Santarém e Marabá onde se encontram em execução ou estão programadas as novas hidrelétricas.

ft-01Participantes da oficina de mapeamento realizada em Tucuruí – 06/10/2013.

A cada trabalho de campo é evidenciado que os expropriados estão em todos os lugares e já se encontra uma “terceira geração” que soma para lutar por direitos ao lado dos pais ou de avós que ainda estão vivos. As situações de remanejamento, de perda de recursos e/ou interdição de acesso ao rio e ao lago para a pesca, o impedimento de cultivo, as indenizações não concluídas, o abandono do bairro onde as famílias resistem ao remanejamento são renovadas nesta segunda etapa da UHE Tucuruí executada pela Eletronorte.

A nova matinha no lugar da mantinha velha: perda da alegria, do convívio, da proteção da vizinhança e do acesso livre ao rio Tocantins

No bairro Nova Matinha moram mais de 2 mil famílias remanejadas em razão da construção da eclusa em 2003. A falta de qualidade desse assentamento é observada pela descarga direta de excrementos em esgoto a céu aberto os que transbordam a cada esquina e no interior das casas; pela ausência de áreas de lazer, de água de qualidade, de ruas sem asfalto. As casas foram construídas em um terreno alagado sem drenagem o que contribui aos alagamentos. Muitas das casas apresentam rachaduras.

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Nova Matinha – 07/10/2013

A Eletronorte os atraiu para a aceitação da mudança com uma “Casa-Modelo” que jamais foi construída, e que podem ser vistas no bairro como diz Ioneide, como “um museu de arte é só para ver”, pois nas primeiras casas construídas só constava um quarto, e com muita reivindicação hoje são dois, mas muito distante da casa-modelo mais ampla e com varanda. Não contam com linha regular de transporte, mas além de tudo, ocorreu a desestruturação da vida e do trabalho como se dava no bairro onde residiam antes.

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Velha Matinha – morador que resiste à remoção – 07/10/2013.

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Velha Matinha – caminhos feitos pelos moradores para chegar ao rio, rompendo a cerca que separa a eclusa das casas e as casas do rio – 07/10/2013.

A Matinha Velha faz fronteira com o muro do barramento do rio construído com a eclusa. Neste bairro foi eliminada a praia onde os barraqueiros trabalhavam e os pescadores aportavam seus barcos. Dali eles saiam para pescar e hoje vivem sem trabalho e impossibilitados de transpor o rio para levar seus barcos.

A Matinha Velha se transformou em um bairro abandonado, um matagal raramente capinado, não conta com manutenção de rede elétrica e coleta regular de lixo para as a 19 famílias que resistiram ao remanejamento, à promessa de casas padronizadas, independente do tamanho da família construídas na Nova Matinha. Eles se rebelaram contra o baixo valor atribuído pela Eletronorte às suas casas e por isso se mantém no bairro.

Em Tucuruí, dezenas de famílias moram em casas alugadas pela Eletronorte e nem todas contam com este pagamento enquanto aguardam solução de moradia.

Pescadores do pé da Barragem

Pescar no pé da barragem significa exercer a atividade de pesca na parte de baixo ou a jusante da barragem, na área próxima da hidrelétrica no lugar onde deságuam as turbinas, e que em razão do volume da água concentram-se as espécies que sobrevivem ao barramento do rio. Essa pesca está carregada de riscos, contudo é uma solução, dada a inoperância dos projetos de pesca em cativeiro, desvio de recursos para esta alternativa que estava justificada na existência das cooperativas, como a COOPERFISH.

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Apresentação do croqui contendo informações sobre os problemas da pesca, insistindo sobre a jusante e a pesca ao pé da barragem – 07/10/2013.

Situação dos “moradores nas RDS”

Os grupos familiares que se encontram sob a jurisdição Reservas de Desenvolvimento Sustentável (Pucuruí Ararão e Alcobaça) localizadas na Área de Proteção do Lago, segundo o Presidente da Associação das Populações Organizadas Vítimas das Obras do Rio Tocantins e Adjacências – APOVO, Esmael Siqueira Rodrigues almejavam que estas fossem uma reforma agrária ecológica, entretanto “vivem é a miséria”, pois foram criadas e abandonadas pelos órgãos estaduais e federais, incluindo a própria Eletronorte. Estes atuam, contudo, com medidas repressivas aos moradores das ilhas e vilas que vivem da pesca e da pequena agricultura. O que foi pretendido com a criação de unidades de conservação na área do lago – que além das RDS inclui as ZPV’s – Zonas de Proteção da Vida Silvestre e um “banco” ou ilha de gemoplasma excluiu um plano de sobrevivência para as famílias na região do lago, no denominada de “Mosaico de Unidades de Conservação”. Ao longo do templo foram se dissipando as ideias originais e propostas, restando apenas um sistema repressivo e nenhuma perspectiva de gestão participativa e de garantia de direitos ao trabalho e à moradia com segurança.

Familias que vivem nas ZPVS’S

Tanto a pesca como a atividade de caça e a pequena agricultura têm sido impedidas pela Eletronorte para as famílias que vivem nas ZPVS’s, experimentando forte repressão, inclusive da polícia que argumenta que as famílias não podem fazer uso dos recursos dessas zonas. Elas foram criadas em termos formais para soltura dos animais capturados durante a formação do lago. Há relatos de violência física, de constrangimentos sem que haja solução para as denuncias de maus tratos para mulheres e homens.

Expropriados de Tucuruí e Breu Branco

Em Tucuruí e Breu Branco calculam-se centenas de expropriados da área onde se formou o lago, e esta categoria de identificação reúne pessoas que não receberam indenização e mostram total insatisfação com o Programa Social para os Expropriados de Tucuruí – Proset. Na oficina de Cartografia mostram os contratos assinados e indicaram os procedimentos irregulares das cooperativas criadas e controladas pela Eletronorte.

Moradores da Resex Ipaú-Anilzinho

A criação da RESEX EM 2005 deu aos que lutaram por este projeto a expectativa de resolução de conflitos. Contudo a Resex está abandonada pelo ICMBIO e ainda tem pendências de retirar os donos da fazenda que ainda estão dentro dessa unidade de conservação. Dificilmente podem evitar a ação de extração irregular de madeiras por donos de serrarias que saíram da área definida para a RESEX e se instalaram à entrada dessa unidade de conservação.

Os participantes na Oficina confeccionaram sete croquis que foram objeto de apresentação e debate. As pesquisadoras – Jurandir Novaes e Rosa Acevedo – ampliaram o trabalho de observação visitando e interagindo com os que tinham participado na oficina e que moram nos bairros da Matinha Nova e Velha Matinha.

Nesta Oficina de mapeamento social observamos a atualidade e gravidade das situações relatadas, o sofrimento e o medo de perder face aos seus antagonistas, mas também os participantes expressam a esperança de encontrar estratégias renovadas para valer seus direitos enquanto povos e comunidades tradicionais e que estão inscritos na Constituição de 1988, também contemplados na Convenção 169 da OIT.

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