Seminário Territórios Quilombolas e Grandes Projetos de Infraestrutura no Nordeste e Sudeste Paraense e Ilha de Marajó
No dia 26 de abril de 2001, no auditório da UNAMAZ/PROINTER, no horário de 9:00h as 16:30h, reuniram-se lideranças de três territórios quilombolas para debater os grandes projetos de infraestrutura no Nordeste, Sudeste do Pará e ilha de Marajó, que estão provocando devastação e danos ambientais, e ainda os projetos que têm sido anunciados e que representam superposição sobre esses territórios.
Maria do Carmo Coimar Amaral esteve em representação do Território quilombola de Jambuaçu, Maria Santana da Costa Barbosa e Joaquim Cordero do Santos foram convidados pela comunidade de Abacatal e Luzia Betanha Alcântara falou em nome das comunidades quilombolas de Salvaterra e da MALUNGU – Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará. Joseline Simone Barreto Trindade, Eliana Teles Rodrigues e Rosa Acevedo Marin – pesquisadoras do Projeto MAPEAMENTO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL CONTRA O DESMATAMENTO E A DEVASTAÇÃO – PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DE POVOS E COMUNIDADES, e José Luiz Sirotheau, Mestrando do Curso de Geografia da Universidade Federal do Pará, acompanharam os debates.
A atividade iniciou com apresentação do vídeo Amor pelo Território Quilombola de Jambuaçu,que aborda o intrusamento da Companhia Vale do Rio Doce com a instalação de minerodutos para transporte de bauxita, assim como com a Linha de Transmissão que corta, em uma extensão de 15 km, esse território, e provocou danos irreparáveis sobre florestas de castanheira, roças, e que destruiu vários igarapés e o rio Jambuaçu, nas margens dos quais se formaram as comunidades. Em seguida, foi feita a apresentação de cada participante e as informações gerais sobre os objetivos da reunião. Na dinâmica, coube a cada comunidade refletir as circunstâncias presentes que representam danos ambientais e obstáculos à vida material e social.
O Sr. Joaquim Cordero dos Santos destacou que em comparação há 12 anos atrás, quando foi publicado o livro “Nos caminhos das Pedras de Abacatal” de autoria de Rosa Acevedo e Edna Castro, “os danos não são nada comparáveis ao que tem ocorrido e ao que se está vendo hoje… o igarapé Aracanga, que desemboca no igarapé Uriboquinha, que passa pelo território, tem as águas contaminadas. Além de terem aumentado os barrancos… onde são jogados cavalos, cachorros mortos, cimento. Continuam tirando terra, drenando areia do igarapé Jacarecangua. Um posto de gasolina também se instalou. E o cidadão Michel Kaut monta um forte esquema de segurança. Mesmo nos terrenos que estão dentro do parque ambiental, se instalou um cidadão. E nós fazemos a pergunta: como pode existir uma propriedade dentro de uma Área de Preservação. Uma casa está lá; está à vista. Temos acionado a Polícia do Meio Ambiente – BPA para saber se isto é possível”. Em seguida, a Sra. Maria Santana da Costa Barbosa assinalou a preocupação com produtos químicos que estão sendo jogados nos covões, também cai, nesse mesmo igarapé Aracanga, esgoto das tubulações que carregam os dejetos do conjunto habitacional do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Esse conjunto habitacional é formado por 400 unidades e está próximo do Girassol. Ela continuou, acrescentando observações sobre o material químico que está sendo jogado nestas áreas próximas e que seguramente produzem impacto sobre o lençol freático. No seu conhecimento, este produto de dejeto, que tem o aspecto de uma lama azul, é da Fábrica de Papel FACEPA (fábrica de papel higiênico), a qual ofereceu para donos de covões a quantia de R$ 10.000,00, para fazerem o serviço de enterrá-lo. Vários recusaram e foi este senhor de nome Michel Kayat que aceitou. O Departamento de Meio Ambiente, a Secretaria de Transporte e a Secretaria de Meio Ambiente do Município de Ananindeua, têm conhecimento deste fato, pois eles têm denunciado. Mas os responsáveis ignoram propositalmente o que está ocorrendo. Ainda, o Ministério Público Estadual foi notificado, em uma reunião ocorrida em 2010, e até foi feito um TAC. O detalhe é que neste instrumento jurídico não foi acordada uma data em que o responsável devia rever o ato e dano. No TAC, está a frase “por tempo indeterminado”, de maneira que este não se compromete a interromper o que esta fazendo. A coordenadora da Comunidade Quilombola acompanhou todo este processo.
No interior da comunidade, as pessoas estão observando que os poços estão secando. Ainda, eles teriam que passar a cavar poços mais profundos. As caçambas transitam pela estrada carregando seu “produto”, e crianças e adultos são obrigados a respirar o ar que exala destes veículos, além de correrem o perigo de serem vítimas de atropelamentos, haja vista a estrada já ser uma via de difícil circulação no verão e ainda mais penosa no inverno. A Sra. Santana recordou que tem 43 anos e é testemunha de todo esse sofrimento para os quilombolas.
Os problemas relatados para Abacatal precisam ainda ser vistos na ironia do discurso das autoridades municipais em que propalam ser a comunidade “prioridade em Ananindeua”, no entanto não tem meios básicos para viver, como é o caso do transporte. A prefeitura construiu uma escola em três meses, sob pena de devolver o dinheiro, mas é preciso melhorar essa estrada. Também no povoado foi levantada uma casa de farinha moderna, que está tomada pelo mato.
Se há uma política de preservação ambiental, isto é somente em relação aos quilombolas, que são obrigados a preservar: … só nós que devemos preservar… E experimentamos as proibições de que “não pode mexer na várzea; não podemos fazer roça”.
Mas adiante, acrescentaria o Sr. Joaquim o impacto do lixão do Aurá e o depósito de frangos mortos que foi aberto no Km 6 da Alça Viária. Mas os caminhões jogam lixo cada vez mais na entrada da comunidade.
A comunidade “ficou sabendo” da instalação do projeto de gasoduto da Vale, mas isto restringe-se a uma informação muito vaga.
Maria do Carmo Coimar Amaral retomou o que foi apresentado no vídeo “Amor pelo Território Quilombola de Jambuaçu” e destacou como se instalaram as empresas que irromperam para construir os três minerodutos, a linha de transmissão. No Território há o conhecimento da instalação da Linha de Trem. Mais adiante, fez entrega das fotos sobre os marcos já plantados. Destacou que, em reunião realizada com o assessor jurídico da EMATER, ouviu deste uma frase que lhe provocou consternação: “Esse povoado aqui, o São Bernardino, vai desaparecer… por aqui passarão um total de 4 tubulações, duas linhas de transmissão e uma linha de trem”. Ele não falou de gasoduto.
Desde 2003, as Associações se mobilizaram para fazer frente a estes projetos. Foi assim que, em 2006, depois da derrubada de três torres da Linha de Transmissão “conseguimos uma posição da Companhia Vale do Rio Doce. Antes, ela fazia de conta que indenizava os quilombolas, quando deu para alguns R$ 500,00 e para outros R$ 100,00, 200,00 pelas roças e castanheiras, que arrancaram e destruíram. As lideranças, a maior parte era mulher e a VALE fez ameaças, colocou na justiça”.
A grande questão, hoje, é a venda, pela empresa Vale, de sua Mina de Bauxita de Paragominas, para a Hydro e a forma como essa nova empresa está agindo. Ela afirma que não é VALE e não cometerá os erros da VALE, mas está no território, na Casa Familiar Rural, na casa das pessoas. Também são os mesmos funcionários e a VALE tem 20% das ações. O que é novo? Ela não quer entender do Projeto de Desenvolvimento feito pela UFRA e quer que seja a CAMTA. As lideranças e os diretores da Casa Familiar Rural estão impressionados com a HYDRO e seguem o que ela está ditando.
Luzia Betanha Alcântara destacou que o tempo pareceria menos difícil para as comunidades quilombolas de Salvaterra, que não estão tituladas. Situação que é geral, pois não houve nenhuma titulação. O INCRA recém terminou o RITD e eles não conhecem seu conteúdo. O SPU está passando os documentos TAU e distribuindo cestas básicas. Esta política não é apoiada pelos quilombolas de Salvaterra, todavia tem tido aceitação em Cachoeira do Arari. A titulação é algo fundamental para eles, entretanto não acompanharam e têm desconfiança de alguns procedimentos dos órgãos, em especial do INCRA.
Em uma síntese, destacou o papel das principais instituições. A igreja e o Bispo não estão posicionados ao lado dos quilombolas, e têm outros temas na sua agenda, como a pedofilia. O Prefeito do Município é contra os quilombolas. Para o município, assim como para Cachoeira do Arari, está a ameaça concreta ao projeto do fazendeiro que planta arroz e está deslocando rios, poluindo os igarapés com pesticidas. Sumariamente, apresentou o projeto do Lixão de Cachoeira do Arari, que foi rejeitado por Ponta de Pedras e Salvaterra. Outra parte do discurso foi orientado para entender os movimentos sociais e a compreensão que lideranças quilombolas têm do presente contexto.
No segundo horário, foi retomada a análise da situação dos quilombolas de Cachoeira do Arari, com a exposição de conflitos com prisões, ocorridos no mês de outubro e que foram documentados por Eliana Teles Rodrigues.
Após esta sessão, foi realizado um trabalho de leitura do EIA/RIMA do projeto “GASODUTO DO PARÁ”. Este documento foi elaborado pelas Empresas ECOLOGY BRASIL e a TGP – Transportadora de Gás do Pará, em 2008. O Projeto visa transportar Gás desde Açailândia, atravessando os Estados do Maranhão, Tocantins e Pará.
Este EIA/RIMA organiza dados sobre a denominada Área de Influência Direta e Indireta. Nesta última, situa as comunidades dos municípios de Acará, Moju e Belém. Foram examinados os mapas (relativamente incompreensíveis sobre o percurso do Gasoduto) e os dados organizados sobre as comunidades quilombolas. Sobre estas, informam não ter realizado nenhuma visita in locus, e explicitam as comunidades de Moju nos termos seguintes: (estas) “já sofreram um processo conflituoso, com implantação de um mineroduto, de forma que as ações de pesquisa e levantamento poderiam causar apreensão maior nestas áreas”.
A Reunião foi registrada integralmente e se destacaram algumas ações de continuidade:
1. Continuar a documentação de vídeos, como recentemente foi feito em relação à Cachoeira do Arari e a instalação do Lixão. Em Abacatal, foi feito um vídeo pela FASE com o título “Abacatal: um caso de racismo ambiental”, divulgado durante o Fórum Social Mundial.
2. Organizar um evento para o Encontro Nacional da ANPPAS.
3. Produzir um acompanhamento sistemático de pesquisa. Em Abacatal, há dois projetos em execução – em Geografia, de José Luiz Sirotheau e de Especialização de uma Sociologia, do Curso FIPAM XIV, com o tema de Ordenamento Territorial e Planejamento. Em Jambuaçu, está em execução a tese de Joseline Trindade Barreto e, em Cachoeira do Arari, igualmente, a tese de Eliana Teles Rodrigues. Estes dois documentos acadêmicos correspondem a planos de pesquisa aprovados pelo projeto de pesquisa MAPEAMENTO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL CONTRA O DESMATAMENTO E A DEVASTAÇÃO – PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DE POVOS E COMUNIDADES – FUNDO AMAZÔNIA.
4. Articular a realização de um Seminário específico abordando os territórios quilombolas sob impactos de projetos que estão provocando danos e conflitos socioambientais. Esta proposta deve ser apresentada à Coordenação do Projeto.
5. Inserir este tema nos Cursos de Capacitação do projeto MAPEAMENTO SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO TERRITORIAL CONTRA O DESMATAMENTO E A DEVASTAÇÃO – PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DE POVOS E COMUNIDADES.