As opiniões, questões e emoções que estão nas falas dos quilombolas de Salvaterra e Ponta de Pedras sobre o seu encontro com os visitantes quenianos constituem um capítulo especial, pois foram expressões e motivações muito densas, difíceis de sintetizar.
A satisfação com o encontro – e alguns disseram um verdadeiro encontro! – foi generalizado. O depoimento de Maria José Alcântara Carneiro emocionou quando disse “ter-se sentido viva novamente ao participar desse evento”. A senhora Noemi Maria Barbosa, do quilombo de Mangueiras também afirmou que “momentos como aquele renovam suas forças para continuar a luta pelos direitos quilombolas”.
Na Escola Benedito Tomas Carneiro estavam mais de cem pessoas que escutaram o relato de experiências de defesa dos territórios e de exercícios de autocartografia. Roberto Chipp autoidentificado como quilombola indígena de Barcarena explicou que as comunidades estão inseridas pela força no complexo industrial implantado no município, cujas autoridades obedecem às exigências das empresas. A comunidade quilombola de Tartarugueiro, Ponta de Pedras, foi apresentada por Reginaldo, professor de música que informou os avanços da Associação Quilombola em busca de direitos. A comunidade ribeirinha assentada Nazaré, no município do Acará foi apresentada por Dalva Costa que explicou a luta para frear a expansão do dendê. As comunidades quilombolas de Salvaterra – Deus Ajude, Bacabal, Bairro Alto, Salvá, Pau Furado comentaram com detalhes as lutas contra os fazendeiros e a longa demora da titulação dos territórios. Situaram as formas de organização e de mobilização das associações, grupos de mulheres e de jovens.
Samuel Owuor, Johanna Wanjala e Hilary Ogina fizeram exposições breves na sessão da manhã e deram a conhecer realidades sociais de Quênia para os presentes. Nas falas fizeram tentativas de aproximações entre o Brasil e Quênia no plano da luta por direitos.
Nessa manhã e de forma mais demorada pela tarde do dia 31 de março, o relato do professor Samuel Owour sobre a vida e lutas da professora Wangari Muta Maatahi, ativista política do meio ambiente do Quênia e primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2004 provocou forte admiração e interesse dos presentes. Essa mulher, foi presa em várias oportunidades e com coragem e persistência lutou pela transformação da política do país e os meios de vida da maioria, evitando a destruição e plantando arvores novas.
Samuel Owour fez referência à luta de Wangari Muta Maatahi quando aproximava os quilombos que conheceu no Pará e Maranhão com as realidades de Quênia e afirmou: “As experiências das comunidades são muito parecidas com as situações no Quênia. Especialmente do papel da mulher e juventude que são atores sociais muitos ativos na sociedade queniana em diversas frentes de luta”.
Assim, destacou a professora Wangari Maathaii como uma estrategista da resistência: “ela foi muito além, protegeu as árvores que o governo queria devastar. Defendeu os espaços verdes da universidade e das cidades. Ela invocava centenas de mulheres do cinturão verde a defender os espaços verdes que o governo desejava explorar. Este governo convocava a polícia para reprimir o movimento. Então, mulheres passaram a usar diversas estratégias para se proteger. Construção de tendas para impedir o acesso do governo e polícia. Em outro momento ficaram nuas em suas tendas. E somente assim a polícia parou de invadir as tendas, pois na cultura queniana, os homens não podem ver as mães nuas”. Finalizou observando que: “A juventude que está hoje aqui tem o compromisso com suas identidades e com seus futuros. A juventude encoraja as outras gerações a lutar por seus direitos e seus territórios ancestrais”.
Hilary K’Odieny informou brevemente sobre a organização Kênya Land Alliance (KLA), que reúne vários atores de diversas cidades. Afirmou que as realidades do Quênia e Brasil são semelhantes, de acordo com a sua compreensão das vivências relatadas pelos representantes das comunidades quilombolas. No país africano, a agricultura tem um papel muito importante e, historicamente, assim como no Brasil, os colonizadores expropriaram as terras quenianas. Infelizmente, o Quênia estava sob o controle dos britânicos que forçaram os quenianos a abandonarem suas terras. Os colonizadores romperam com a perspectiva queniana da “terra coletiva”. Nos últimos anos as leis foram mudando e algumas terras foram garantidas para os povos tradicionais. Acrescentou que em 2020 será implementada uma nova Constituição, que tem muita semelhança com a Constituição brasileira de 1988. A questão será a implementação da lei. O certo é que será uma luta para garantir os direitos da terra às comunidades quenianas. Finalizou dizendo que por isso estão sendo realizadas essas atividades em parceria com o PNCSA a fim de levar as experiências das comunidades quilombolas com suas autocartografias para implementar na produção de uma nova cartografia que visibilize as comunidades no Quênia.
Johanna Wanjala manifestou estar muito encorajada pelas experiências de trabalho do PNCSA nas comunidades e pela sua luta por direitos, o que significa entender o espaço de forma diferenciada. Destacou a situação do Quênia onde muitas comunidades experimentam os efeitos da exploração de petróleo e de minérios. A argumentação final “o que estamos aprendendo aqui levaremos para as comunidades a fim de que essas comunidades se habilitem e se instrumentalizem em lutar pelos seus direitos usando ferramentas das auto-cartografias para garantir suas representações no espaço muitas vezes excluídos dos mapas oficiais”.
Naquele dia houve dois espetáculos de carimbo, animando o grupo a dancar. Por último foi feita a entrega às Associações e colaboradores um CD no qual constam três vídeo makers com o título: “Quilombolas, Quilombos e Territorialidades Específicas no Município de Salvaterra, Arquipélago de Marajó” que resulta do trabalho de digitação de mais de 2500 fotos para montagem dos vídeos. As fotos constituem os registros de pesquisas entre 2003 e 2009 que foram entregues na versão impressa para os quilombolas.