Nova Cartografia Social Da Amazônia

Fazedeiras de cuia de Lariandeua, no distrito de Quianduba, Baixo Tocantins, Pará realizam oficina de mapeamento


Nos dias 3 e 4 de fevereiro de 2017, através do Projeto Nova Cartografia Social, em parceria com a Universidade Federal do Pará, campus Abaetetuba, realizou-se pesquisa e oficina de mapeamento social com as artesãs de cuia na localidade Lariandeua, distrito de Quianduba, região do Baixo Tocantins.

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O trabalho foi solicitado por membros da comunidade onde esse grupo de mulheres residem. Teve como finalidade tornar visibilizada suas práticas cotidianas no artesanato da cuia e assim contrapor os efeitos da reportagem de uma rede de televisão, cujo teor provocou má interpretação e criminalização de uma prática que perpassa gerações nas ilhas de Abaetetuba.

Na oficina do dia 3 de fevereiro, a senhora Lucileth Ribeiro, 40 anos, relatou que a repercussão da notícia pela mídia afetou negativamente a produção e reprodução de suas práticas, ao tratar erroneamente o processo de “apretamento” das cuias, feitas do fruto de cor verde da cuieira (Crescentia cujete) e comumente utilizadas nas vendas de tacacá nas cidades da região. Com isso a população deixou de procurar os produtos das artesãs, pois julgam que o método utilizado não é higiênico.

As fazedeiras de cuia expuseram durante a oficina que o “apretamento” trata-se do processo de amonização resultante da mistura cinza, areia e urina colocadas em um jirau. Sobrepostas a essa mistura coloca-se feixes de arumã, em cima dos quais as cuias são depositadas, sem entrarem em contato com as cinzas, após passarem pelo tingimento da casca do cumatê (Myrcia atramentífera), árvore típicamente encontrada na terra firme. As cuias ficam cobertas com folhas de aningas e após uma noite nesse “abafamento”, elas ganham uma coloração preta e brilhante.

Esse método realizado pelas artesãs de cuia do Lariandeua, tais como a senhora Zózima Santos, 62 anos, torna o produto mais resistente, pois ao serem submetidas ao escaldamento, as cuias não alteram sua estrutura. Ao contrário daquelas nas quais se utiliza a amônia de mercado e que ao passarem por esse processo tem maior facilidade de terem sua estrutura rompida.

Na oficina ainda relataram que devido a repercussão negativa houve um grande desmatamento das cuieiras, visto que elas proliferam-se rapidamente nos quintais. Isso também afetou a criação de porcos que são alimentados da massa interna, a bucha, encontrada no interior do fruto da cuieira. Por isso no dia 4 de fevereiro, a equipe de pesquisa realizou o mapeamento e tomadas de pontos de GPS nos locais indicados pelas artesãs, onde ainda se encontram remanescentes desse vegetal, típico da várzea tropical.

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As diversas etapas observadas empiricamente demonstram que, muito mais que uma atividade para gerar renda, a prática da fabricação de cuia é uma forma de resistência em manter viva uma identidade, cuja marca se expressa neste oficio. Em seus relatos elas destacaram que encontram sentido para suas vidas através dessa prática, com a qual firmam-se e fortalecem-se laços de solidariedade, amizade e de vizinhança. É nesses momentos de lapidar as cuias que elas aproveitam para dialogar e trocar ideias, e assim tem mantido viva a cultura. Como destacou a senhora Rosirene Ferreira, 43 anos: ‘o médico me proibiu de fazer esforço, mas se eu deixar de fazer a cuia, eu morro mais depressa’.

As fazendeiras de cuia apresentam a situação dos cuiais e as consequências

As fazendeiras de cuia apresentam a situação dos cuiais e as consequências

Durante a pesquisa de campo verificou-se que a prática, coloca em evidencia uma relação social com a natureza e de troca de saberes. Saber oral que, de acordo com as narrativas, é adquirido desde muito cedo pelas meninas, que observam e participam do processo ao acompanharem suas mães. Na fase adulta elas aprendem ou trocam esse saber com suas sogras, ao lhes ensinarem o oficio de tecer paneiro e rasas com as folhas de arumã e miriti. No tocante a venda das cuias, a renda contribuem com o sustento familiar e tem garantido a manutenção dos filhos na escola. Contudo, atualmente um outro fator ameaça a continuidade de tal prática, através da derrubada das cueiras para dar espaço às touceiras de açaí, as quais tem se intensificado na várzea dada a abundancia de nutrientes nesse ecossistema.

Reunião preparatória para a oficina de mapeamento social. Foto: Lorena Ribeiro

Reunião preparatória para a oficina de mapeamento social. Foto: Lorena Ribeiro

Cuias  encontradas em alguns quintais do povoado

Cuias encontradas em alguns quintais do povoado

Lucileth Ribeiro faz demonstração do processo de tingimento da cuia.

Lucileth Ribeiro faz demonstração do processo de tingimento da cuia.

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Senhoras e crianças  dedicam-se à elaboração dos croquis.

Senhoras e crianças dedicam-se à elaboração dos croquis.

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Apresentação dos croquis  durante  a oficina

Apresentação dos croquis durante a oficina

A senhora Zózima Santos, em seu ateliê de cuias.

A senhora Zózima Santos, em seu ateliê de cuias.

Zózima Santos, apresenta os objetos utilizados na consecução das cuias, como a mão de pilão para bater cumatê.

Zózima Santos, apresenta os objetos utilizados na consecução das cuias, como a mão de pilão para bater cumatê.

A oficina contou com a participação de acadêmicos do curso Educação do Campo, professores e demais membros da comunidade. As primeiras evidencias desse trabalho de pesquisa permitiu ver que nessa porção do baixo Tocantins, há uma diversidade de atividades e práticas exercidas pelos ribeirinhos, destacando-se o trabalhos nas olarias presentes nas unidades domésticas.

A próxima etapa do trabalho dará continuidade ao mapeamento dos pontos de localização das cuieiras e de artesãs, culminando com mais uma oficina para a produção do mapa.

A atividade de mapeamento foi coordenado pela profa. Eliana Teles, pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social e professora do Campus de Abaetetuba da Universidade Federal do Pará. Os discentes do Curso de Educação do Campo Damião Rodrigues, Gracilene Pantoja, Jairo Oliveira Rosa, Joelson Balieiro Leal, Lorena Pinheiro, Rafael Quaresma, Renato Carvalho, Simone Santos contribuiram com dedicação nas várias etapas da oficina. O trabalho ainda tem como pesquisadores a Profa Marinês de Maria Rodrigues, a quem agradecemos a grande colaboração durante a oficina e pesquisa de campo, Ana de Sarges Barbosa técnica pedagógica do campus de Abaetetuba, Nelson Bastos e o geógrafo Fábio Bentes.

Na imagem, árvore de cuieira ao lado de olaria, à margem do Igarapé Açu

Na imagem, árvore de cuieira ao lado de olaria, à margem do Igarapé Açu

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