Nova Cartografia Social Da Amazônia

“O lançamento desse livro traz o senhor Lalor para o mundo, para o nosso país!”


A realização do ato de lançamento do livro Liderança quilombola dos rios Arari e Gurupá “diante da Lei”, de Teodoro Lalor de Lima no auditório do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA da Universidade Federal do Pará detém significados atribuídos pelos expositores na mesa de debate e pelo público participante, formado por quilombolas vindos do rio Gurupá e de Barcarena, professores, estudantes, representantes de organizações e movimentos sociais.

O senhor Osvaldo Batista dos Santos, presidente da Associação de Remanescente de Quilombos do Rio Gurupá – ARQUIG, escreveu um dos posfácios e já havia lido o livro. Com palavras concisas interpretou o significado de estar “diante da lei”, a saber as longas demoras para os quilombolas ter atendido seus direitos, a indiferença de quem decide, as acusações e, sumariando, as muitas dificuldades para receber o “bendito título coletivo” enquanto os conflitos recrudescem. Nessa linha, comentou que em 1º de abril de 2016 foi assinado pela presidente Dilma Rousseff o decreto de regulamentação da terra quilombola e não se tem nenhuma informação sobre novos atos. Nessa safra de açaí eles entraram a fazer a coleta dos frutos e “o fazendeiro Liberato Magno da Silva Castro entrou com seus capangas para impedir”. No dia 23 de setembro de 2016, 15 homens, alguns portadores de armas de calibre 40, incluindo o capataz da fazenda, atiraram nos quilombolas e alvejaram com uma bala o senhor Gilberto Amador. A polícia de Cachoeira do Arari se negou a fazer o Boletim de Ocorrência. O presidente da ARQUIG perguntou-se se vai continuar o derramamento de sangue?

De direita à esquerda:  Sr.   Osvaldo Batista,  presidente da ARQUIG, Dr. Felício Pontes Jr.  Procurador da República;   Prof.  Alfredo Wagner,   coordenador do PNCSA e Dr. Patrick Colares, Procurador da República,  MPF/PA

De direita à esquerda: Sr. Osvaldo Batista, presidente da ARQUIG, Dr. Felício Pontes Jr. Procurador da República; Prof. Alfredo Wagner, coordenador do PNCSA e Dr. Patrick Colares, Procurador da República, MPF/PA

O Procurador Federal Dr. Patrick Colares que acompanha o processo foi convidado a expor os atos e procedimentos do MPF. De forma detalhada apresentou a Recomendação Nº 195/2016 com a ementa: “Quilombola Marajoara de Gurupá (Cachoeira do Arari/Pará). Violação de Direitos humanos. Etnocídio. Milícia e Policiais. Efetividade na investigação. Responsabilização criminal e por improbidade administrativa”. A Recomendação foi assinada por 11 Procuradores e está dirigida à Promotoria de Justiça de Cachoeira do Arari, Secretaria Especial de Direitos Humanos no Estado do Pará, Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Delegacia da Polícia Civil – Corregedora Geral da Polícia Civil do Estado do Pará, Corregedor Geral da Polícia Militar do Estado do Pará e Presidente da Fundação Cultural Palmares.

Na página 11 desse documento lê-se “CONSIDERANDO que não há dúvidas quanto ao território quilombola, tendo inclusive recentemente publicado Decreto presidencial de 1º de abril de 2016, que ‘Declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis rurais abrangidos pelo território quilombola Gurupá, localizado no Município de Cachoeira do Arari, Estado do Pará” (DOU nº 63, Seção 1, Página 50, publicado em 04/04/2016).

Participantes no auditório do NAEA,  no inicio do ato de lançamento

Participantes no auditório do NAEA, no inicio do ato de lançamento

“CONSIDERANDO, que mesmo com a publicação do decreto presidencial, LIBERATO MAGNO DA SILVA CASTRO não mudou sua conduta de décadas; vem reprimindo severamente os quilombolas, dentro do território quilombola, por meio de milícia, formada por policiais civis e militares, e particulares armados, cerca de 15 pessoas que no dia 23 de setembro de 2015, por volta das 08 horas da manhã, perseguiram, algemaram, ameaçaram e atiraram em quilombolas, tendo sido alvejado GILBERTO CORREA AMADOR. O Considerando seguinte registra a posição da polícia que não investiga os fatos, não abriu inquérito policial, perícia e, do outro lado, altera e suprime elementos de prova e ainda induz os quilombolas a depor que houve briga entre eles, procede a nega a existência da pistola 40, para descaracterizar participação de policiais e sonega a localização e perícia do projétil que penetrou o corpo de Gilberto Correa Amador.

O Dr. Felício Pontes Júnior, procurador federal elaborou o segundo posfácio do livro e comentou que “por meio desse livro o senhor Lalor não será assassinado uma segunda vez; o lançamento desse livro traz o senhor Lalor para o mundo, para o nosso país”. Lembrou detalhes de sua imersão naquela comunidades e as dificuldades de uma comunidade quilombola que enfrenta a tradição dos longevos fazendeiros de Marajó. “Ela é uma comunidade que enfrenta esse poder e que sabe que não pode baixar a guarda e as novas reações tem que ser vistas como marcos de uma nova luta”.

Dr. Felício Pontes Jr.  fez uso da palavra  e situa elementos  sobre a forma dos conflitos  enfrentados por povos tradicionais  em Marajó,  em Barcarena

Dr. Felício Pontes Jr. fez uso da palavra e situa elementos sobre a forma dos conflitos enfrentados por povos tradicionais em Marajó e em Barcarena

O prof. Alfredo Wagner pronunciou-se falando do que seria um “contentamento pelo trágico” que representa o lançamento do livro. Destacou que o livro e o lançamento dão ideia de um novo trabalho intelectual, apontando que no auditório do NAEA encontravam-se quilombolas de Gurupá e de Barcarena, procuradores, professor do Instituto de Ciências Jurídicas, professores e estudantes da Universidade Federal do Pará, as pesquisadoras – Rosa Acevedo e Eliana Teles responsáveis por esse trabalho e o grupo reunido tem como objetivo discutir esses enfrentamentos, isso em lugares públicos: as universidades, nas quais afirmou: “temos que resistir”. A continuidade frisou que se trata de lutas desiguais e citou a frase do posfácio escrita pelo Dr. Felício Pontes na qual afirmava que “Lalor valia por 30” como uma figura que revela as forças em confronto, que devem ser multiplicadas por muitos outros. Assim, entende que esses são “os dados de uma perspectiva de futuro, pois nós não somos arautos do passado. Queremos garantir todos os direitos no presente e necessita ficar claro que as lutas identitárias não se separam das lutas econômicas”. Na segunda linha de reflexão frisava o atual momento político “no qual muda o conceito de trabalho escravo, muda a noção de jornada de trabalho, ocorre a negação de direitos trabalhistas, o que leva a afirmar que o capitalismo autoritário não muda sua feição e estamos face a uma sociedade colonial revivida”. Como questão final convidou a pensar o movimento de despolitização e os atos de política, em um passo a passo para esse momento de reflexão que precisa aguçar a capacidade de resistência.

Na abertura ao público, o senhor Manoel Natividade Batista – agente de saúde e membro da diretoria da ARQUIG trouxe a memória da expulsão e violência que desatou o fazendeiro na década de setenta. Ele tinha 7 anos e lembra sua mãe rezando pelas famílias que viveram duramente essa violência. Ainda citou a Carta da FAEPA (P. 97) que apresenta o senhor Lalor como um “fora da lei”, um criminoso, semelhante ao que ocorreu com Jesus Cristo, afirmando que “os quilombolas não queremos outro Lalor”.

A continuação, houve diversas manifestações dos quilombolas indígenas de Barcarena destacando o que significa a violência das empresas instaladas em Barcarena, e que ocorreu quase simultaneamente as narrativas de expulsão, queima de casas, ameaças e mortes por eles vividas e as formas como esses atos são atualizados no presente.

O evento do lançamento foi encerrado com um minuto de silêncio em recordação e reconhecimento de Teodoro Lalor de Lima, após o qual os quilombolas do rio Gurupá ofereceram livros a todos os presentes.

Por: Rosa Acevedo

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