Moradores da comunidade de Canelatiua realizaram em 20 de agosto de 2016 a cerimônia de inauguração do Centro de Saberes Quilombola Mãe Anica, no âmbito das atividades de cooperação técnico-cientifica com o PPGCSPA (UEMA), com o MAST e com a UEA, prevista pelo Projeto “Centro de Ciências e Saberes: experiências de criação de ‘museus vivos’ na afirmação de saberes e fazeres representativos dos povos e comunidades tradicionais” (CNPq-MCTI). Trata-se de uma iniciativa local apoiada pelos integrantes do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e, sobretudo, do Movimento dos Atingidos pela Espacial (MABE) no sentido de organizar um espaço de autorepresentação das comunidades quilombolas de Alcântara, certificadas pela Fundação Cultural Palmares em 2004 e ainda não tituladas.
Construído e organizado por moradores da comunidade de Canelatiua a sede do Centro de Saberes contou com os conhecimentos arquitetônicos: a planta foi elaborada por Dorinete Serejo Morais; de design: os expositores elaborados por Dorivaldo Serejo Morais que atualmente mora em São Paulo; ou, ainda, os saberes relativos ao engradamento que suporta o telhado, que fora montado por Mário Morais, e à construção dos expositores, portas e janelas: construídos e assentados por Walter Serejo Junior; contou ainda para a colocação do piso com a colaboração de um morador da comunidade de Santa Maria, conhecido como Tucum. A própria escolha das cores da fachada foi feita por Walter Serejo Junior. A construção do prédio contou com a cooperação de muitos outros moradores de Canelatiua como José Inaldo Ribeiro Correia e José de Ribamar Ferreira presentes no ato da inauguração. Ressaltamos também que o terreno para construção da sede do Centro foi muito gentilmente doado por Mário Morais, irmão de Dorinete, da área de seu quintal.
A concepção dos chamados Centros de Saberes é considerada como em dissonância à ideia de “museu”, seja em sua forma convencional e burocrática, seja em sua feição chancelada pelo Estado através das iniciativas dos chamados “museus comunitários”. Centros de Saberes reúnem objetos que simbolizam a diversidade de ‘saberes’ e ‘fazeres’, que bem traduzem as relações vigentes entre as comunidades quilombolas de Alcântara e entre estas e os poderes instituídos.
A iniciativa de criação dos centros de saberes em Alcântara é considerada pelos autodesignados quilombolas como uma forma de contestação e resistência em face da total ausência de representatividade dessas comunidades no conhecido “Museu da Base”, que ignora o direito assegurado por lei às comunidades quilombolas conforme considerou Dorinete Serejo Morais, liderança quilombola de Canelatiua, em sua fala de abertura à cerimônia de inauguração. Em sua visão, a criação do Centro de Saberes Mãe Anica irá potencializar a realização de eventos e fóruns de discussão entre as comunidades quilombolas, assim como irá reforçar ações de formação de jovens e crianças quilombolas, funcionando como um núcleo de pretensões pedagógicas. Em breve será organizada uma discussão a respeito do aumento do número de acidentes com mortes envolvendo motociclistas nas rodovias construídas para atender a Base.
A cerimônia de inauguração realizou-se através da organização de uma mesa de debate coordenada pela senhora Dorinete Serejo Morais com os seguintes participantes: Srs. Leonardo dos Anjos (presidente do MABE), Samuel Moraes (STTR de Alcântara) Antonio Marcos Diniz (STTR de Alcântara), Sra Leandra, delegada sindical e liderança quilombola da comunidade de Peptal, Alfredo Wagner Berno de Almeida e Patrícia Maria Portela Nunes, professores do Mestrado em Cartografia Social e Política da Amazônia (UEMA). Participaram também da cerimônia de inauguração as professoras Cynthia Martins e Rosa Elizabeth Acevedo Marin, coordenadoras do PPGCSPA, além de alunos desse Programa e da graduação em Ciências Sociais da UEMA.
A cerimônia foi seguida com o lançamento do livro de autoria do senhor Leonardo dos Anjos intitulado “Direitos, Resistência e Mobilização: a luta dos quilombolas de Alcântara e a Base Espacial”, assim como o pré-lançameto do livro “Lutas em memória: a ‘luta’ pela terra reforçada pela luta em defesa dos ‘territórios’ quilombolas” de autoria de Samuel Morais, Aniceto Pereira, Antônio Marcos Diniz, Dorinete Morais _ ambos publicados através do Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia da UEMA. Representantes do Centro de Saberes Quilombola Mãe Anica receberam ainda uma pequena doação de livros publicados pelo PNCSA e pelo Mestrado em Cartografia Social e Política da Amazônia.
Antecedendo à cerimônia, representantes do MABE e delegados sindicais presentes na comunidade de Canelatiua, assim como professores e pesquisadores do PNCSA, então presentes, realizaram uma visita à casa do Padrinho Domingos Ribeiro, cuja reputação como ‘doutor de ossos’ ultrapassa os limites de sua comunidade dada sua competência e saber no trato dos ossos. Como doutor de ossos e benzedor ele reúne critérios de competência e saber que qualificam uma diversidade de saberes que lhe permite tratar de uma expressiva variedade de doenças e males físicos ou de ordem sobrenatural. Do alto de seus noventa e três anos, o senhor Domingos Ribeiro é detentor da memória de sua comunidade, reunindo atributos que o autoriza a deslindar a trajetória de diferentes grupos familiares e seus deslocamentos pelas comunidades de Alcântara, seja no presente, seja no passado. Na ocasião, o Sr Domingos, acompanhado por sua esposa Dona Delina Serejo Ribeiro e seu filho Antônio Ribeiro, receberam os visitantes em sua residência.