No dia 16 de julho de 2016, pesquisadores do projeto “Centro de Ciências e Saberes” estiveram na Aldeia Nova Esperança Kokama, localizada no Bairro Puraquequara II, no ramal Brasileirinho km-08, ramal-08 na cidade de Manaus para apoiar o processo de reforma do “Centro de Ciências e Saberes Tradicionais Kokama Antônio Samias”. A aldeia conta com aproximadamente vinte e cinco famílias Kokama, dispostas em treze casas, totalizando noventa moradores. Este processo de reforma iniciou desde a compra e transporte de palha da palmeira “palha branca” para a cobertura do centro de ciências e saberes localizado nesta aldeia. Esta ação foi realizada pela “Associação dos Índios Kokama residentes no município de Manaus da Aldeia Nova Esperança”, que possui aproximadamente cento e cinquenta associados em Manaus.
Essas palhas foram retiradas na comunidade do município de Manaquiri (AM), no sítio da “Aldeia Mura”, Igarapé do “Italiano”, do senhor Carlos Cézar da Costa Santos, Presidente da mencionada Associação. A coleta da palha, aconteceu no período da cheia do Rio Negro, pois durante a seca há muitas dificuldades no que diz respeito ao transporte deste material devido às distâncias que são estabelecidas com a descida do rio e a formação de barrancos. Este período corresponde de janeiro a junho. Acrescentamos que o Projeto “Cento de Ciências e Saberes: experiência de criação de Museus Vivos na afirmação de saberes e fazeres representativos dos povos e comunidades tradicionais” é financiando pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (MCTI, CNPq, SECIS, MAST).
A chegada da palha na Aldeia Kokama, segundo Orígenes, cacique da Aldeia, “foi através de um caminhão possante, as palhas pesavam mais de duas toneladas. Carregamos ao barracão e começou o processo de abrir as talas, para colocar no varal para secar. Teve a participação de toda a comunidade, incluindo crianças, jovens e adultos na abertura das talas. Depois de secas, serão colocadas como cobertura do museu vivo”.
Em nota publicada em 1 julho de 2013 no site do PNCSA (http://novacartografiasocial.com/pesquisadores-na-comunidade-nova-esperanca-kokama-do-ramal-do-brasileirinho-na-cidade-de-manaus-am/), os também pesquisadores do projeto, Glademir Sales e Altaci Correa Rubim, apresentaram as conquistas e dificuldades da Aldeia. Dentre as conquistas havia um projeto de “roça comunitária”, com “vários tipos de plantio, tais como horta, mandioca, macaxeira, cará, jerimum e outros”. Os indígenas que beneficiaram a terra e realizaram o plantio, em 2015, de cheiro verde, couve, pimentão, pimenta cheirosa, rúcula, tomate, mamão e banana, foram impedidos de fazer a colheita pois o espaço que havia sido cedido pelo dito proprietário da terra, Julio Dias Batista, “depois que viu tudo em cima” pediu a terra de volta, sem deixar os indígenas da Aldeia Kokama realizarem a colheita.
Este é um dos problemas no que diz respeito a não legalização de Terras Indígenas no perímetro urbano da cidade. Esta atividade da “roça comunitária” tinha uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) que comprava os produtos dos Kokama para a merenda escolar da rede pública de ensino, pois trata-se de um alimento saudável, sem agrotóxico e produzido pelos próprios indígenas.
A pesquisadora do PNCSA, Dra. Altaci Correa Rubim Kokama, participa do processo de elaboração de livros didáticos do povo Kokama com a “Coletânia Yawati Tinin” [Coletânea Jabuti Branco], composta de três volumes. Há ainda oito histórias em quadrinhos Kokama e dois paradidáticos de “aves, peixes, animais, frutas e coisas”. Todo este material será publicado pela gerência de Educação Escolar Indígena do Estado do Amazonas. Esta iniciativa teve a participação de dois professores da SEMED, Orígenes Correa Rubim e Jardeline dos Santos Costa, indígenas da Aldeia Kokama e ainda contou com a participação de professores-lideranças Kokama, Associações Kokama de todo Amazonas [Putuka Tapɨya Kuraka Ritama Kokama Tawa Tɨnɨ– PTKRKTT/Associação dos Caciques Kokama de Tabatinga; Associação dos Índios Kokama residentes no município de Manaus – AKIM/AM; Associação do Igarapé do Manaca Wirawatsu Nuan – AIMWN/Tonantins/AM; Akina Tuyuka – Associação Kokama do Município de Amaturá/AM; Associação Indígena Kokama do Bairro Santo Antônio do Içá/AM; Urukuria – Associação dos Artesãos Indígenas Kokama de Manaus/AM; Organização Indígena do Povo Kokama do Vale do Javari/Atalaia do Norte – ORINPOKOVAJA; Associação de Moradores Produtores Rurais da Comunidade Vila Nova – CVN/Tabatinga/AM; Associação Indígena Kokama Terra da Paz – AIKTP/Tabatinga/AM; Aldeia Kokama São Sebastião/Benjamin Constant/AM; Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí – COPIJU; Federação Indígena do Povo Kokama Tapɨya Weteratisun Ritama Kukama – TWRK] com a participação do Peru, através do professor da “Formação de Professores Bilíngues da Amazônia Peruana – FORMABIAP”, Richard Ricopa Yaikate, que ministra a disciplina “Língua Kokama Avançada”.
Na Aldeia Kokama, há uma “Casa de forno” ou “Casa de farinha” entre o “Barracão”, local onde acontecem as festas e assembleias e o local onde será reformado o “Centro de Ciências e Saberes”. Segundo Orígenes Correa, Cacique da Aldeia, “A casa de forno funciona quando há a colheita da mandioca plantada. Quando o plantio da madioca completa um ano, é o tempo da colheita. Tiramos a mandioca descascamos, colocamos de molho por quatro dias em gamela ou panelão grande, bacia. Depois tornamos a colher novamente outra quantidade de mandioca, descascamos aí vem o processo de cevar, é quando você coloca a mandioca na banca de aviamento que tem a tarisca, é um rolo cheio de dentes que funciona o motor e ela vai triturando. Logo após a trituração, aguamos a massa, tiramos a goma e o tucupi. Colocamos em outra gamela fechada com folha de banana, ou qualquer outra espécie de cobertura. Pode ser folha do açaí, bacaba, pupunheira… toda palmeira serve para fazer a cobertura da massa na gamela. No dia seguinte, essa massa é espremida por um tipiti ou por prensa. Depois de espremida, depois da massa seca, peneiramos e colocamos no forno quente e começa o processo de torrar a farinha. Então colocamos a massa aos poucos no forno conforme a temperatura e acontece o escaldamento da massa se transformando em farinha. Depois do escaldamento, continuamos colocando fogo debaixo do forno e vai tendo o processo de secamento da massa e se transformando em farinha. Pense numa quentura! Aí já tá pronta a farinha. A preparação para fazer o beiju e a Arapata [pé-de-moleque], tiramos a goma, secamos ao sol por dois ou três dias, depois peneiramos, misturamos com castanha ralada ou com erva doce e fazemos o preparativo da massa no forno da forma do beiju. A Arapata, tira a massa, mistura com óleo e bananinha [banana najá]. A “banana najá” é uma espécie de banana, que para os Kokama ela é venenosa, é também conhecida como mata cavalo, no entanto, misturando com a massa para fazer Arapata, ela serve. Todas as mulheres Kokama tem um segredo de preparação para a massa de fazer Arapata, que é feita tanto da massa da mandioca, quanto da goma. O segredo do tamanho do caroço da farinha está no escaldamento, se o fogo tiver muito alto, o caroço fica graúdo. Pra fazer uma farinha boa, não pode ser nem muito quente, nem muito frio. Como a gente não tem a medida da temperatura, a gente faz com a experiência. O momento da cuiada, uma cuia média cheia de massa, que é jogada no forno, dá pra saber se tá quente ou frio. Depois disso, observa-se que em cima do forno começa a correr os farelos da massa. Se tiver correndo muito rápido em cima do forno, precisa tirar mais a lenha para poder dar continuidade ao processo de fazer a farinha, a farinha Kokama, que não é redondinha, não é ova de peixe, é farinha d´água. Mistura de puba com ralada.”
O presidente da associação, Carlos Cézar da Costa Santos, comentou de um dos problemas que vem afligindo a Aldeia. Diz respeito a granja “Sítio Tukano” localizado ao lado da Aldeia Kokama. Essa granja, à céu aberto, possui aproximadamente 8.000 (oito mil) aves, e além do barulho constante, o cheiro de esterco de galinha é, segundo ele, insuportável. Completou que durante o período de chuvas, o incomodo aumenta pela quantidade de moscas que vai para Aldeia “quando temos algum evento no barracão com comida, fica impossível comer alguma coisa pela quantidade de moscas”.
À esquerda da casa de forno é o local onde será reformado o centro. Para o “Centro de Ciências e Saberes Tradicional Kokama Antônio Samias”, a Aldeia Kokama do Brasileirinho quer manter uma relação mais próxima dos parentes Kokama do Alto Solimões. A Aldeia de Manaus, segundo a Dra. Altaci, é um centro de referência de “vitalização da língua Kokama”.
Este centro, também será um local, para que os Kokama do Amazonas deixem seus artesanatos e suas cerâmicas, suas produções culturais de um modo geral, para serem exposto e comercializados nesse centro. Ela comentou que em sua última viagem para a Associação dos Cacique Kokama de Tabatinga e a Federação Indígena do Povo Kokama Tapɨya Weteratisun Ritama Kukama – TWRK, ambos no Alto Solimões, trouxe tururi. O tururi é uma espécie de tapete tirado da casca da madeira lavada, batida e seca para iniciar a oficina de pintura e desenho na Aldeia Kokama em Manaus com a professora da Educação do Distrito Federal, artista plástica Célia Rossi. Esta professora é parceira do projeto “Contação de Histórias Indígenas” desenvolvido em Brasília.
Nesta área central da Aldeia Kokama, havia uma plantação de macaxeira. No entanto, pelo desgaste natural da terra, será transformada em um campo de futebol. Altaci explicou que o terreno da comunidade é irregular, e que, portanto, plantarão árvores frutíferas ao redor do futuro campo de futebol para que a terra fique firme no período das chuvas e não corra risco de desmoronamento em cima das casas que ficam na parte baixa e no entorno do terreno.
Orígenes Corrêa Rubim
Altaci Corrêa Rubim
Jardeline dos Santos Costa
Rosseline da Silva Tavares
Manaus, 19 de julho de 2016