O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA) foi debatido em Audiência Pública na Câmara dos Deputados realizada no dia 17 de dezembro de 2015, proposta pelo Deputado Edmilson Brito Rodrigues (PSOL/PA) e aprovada por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
A Audiência teve início com a leitura do pronunciamento do Deputado Átila Lira (PSB-PI) pelo Deputado Edmilson Rodrigues, que por sua vez expressou a importância do Projeto Nova Cartografia Social e o trabalho do Antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, equipe de pesquisa e movimentos sociais através do PNCSA.
Contou com a participação de movimentos sociais, como D. Cledeneuza Maria Bizerra de Oliveira, quebradeira de coco babaçu de São Domingos do Araguaia (PA) e Presidente da Cooperativa do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – CIMQCB, Esmael Rodrigues Siqueira, pescador, atingido pela hidrelétrica de Tucuruí (PA) e Presidente da Associação das Populações Atingidas pelas Obras no Rio Tocantins e Adjacências – APOVO, e Sr. Leonardo dos Anjos, quilombola de Alacântara (MA), liderança do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (MAB), e pesquisadores dentre estes o Coordenador Geral do Projeto Professor Alfredo Wagner Berno de Almeida (UFMA-UEMA), Jurandir Santos de Novaes (UFPA-UEMA), Helciane de Fátima Abreu Araújo (UEMA) e o Advogado e Quilombola de Canelatiua Danilo Serejo.
No decorrer da Audiência foram expostos pelos pesquisadores os objetivos e práticas de pesquisa acadêmica desenvolvidas no âmbito do PNCSA juntamente com os movimentos, que conforme informado pelo Professor Alfredo Wagner conta com equipe de mais de 100 pesquisadores doutores, mestres, especialistas e estudantes de graduação e pós-graduação.
Foram relatadas situações vivenciadas pelos expropriados pela hidrelétrica de Tucuruí que lutam até hoje por compensações decorrentes dos deslocamentos e perdas das suas terras, pelos pescadores que enfrentam restrição de acesso à pesca, pelos moradores das Zonas de Preservação da Vida Silvestre que aguardam solução sobre nova área para viver, pelos moradores das mais de mil ilhas do lago da Usina de Tucuruí que vivem praticamente desde o pé da barragem até os municípios da jusante sem energia elétrica. Esmael Rodrigues Siqueira discorreu sobre os múltiplos efeitos da instalação da hidrelétrica, e ressaltou que antes da sua implantação: “tinha muita fartura, muito peixe, ervas medicinais, um extrativismo completo, e fui obrigado a sair do meu berço em função dos impactos causados”.
D. Cledeneuza Maria Bizerra de Oliveira se pronunciou sobre o processo de organização política das quebradeiras de coco babaçu e a constituição da identidade de quebradeira de coco na medida em que as terras antes mais livres foram se tornando inacessíveis a estas: “A gente vivia feliz e não sabia. De 70 para cá foi acabando, foi tirando as castanhas. Me lembro que em 83 eu era professora (…) mas era trabalhadora rural, era quebradeira, a gente foi se juntando para falar da nossa situação”. Ela refletiu ainda sobre o que considera como “não impregnação do amor pela natureza” o fato de que os fazendeiros consideram que a criação de gado é incompatível com a palmeira em pé ao mesmo tempo em que as quebradeira se ressentem da ausência de leis que as protejam: “Eles acham que para criar gado tem que tirar a palmeira, e hoje nós sofre, e por que nós sofre? Por que não tem uma Lei que nos protege”.
A ameaça de deslocamento que não cessa sobre os quilombolas que vivem em Alcântara foi a ênfase da manifestação do Sr. Leonardo dos Anjos. Afirmou que as comunidades antecedem à instalação da Base de Lançamento de Alacântara, e que não desistirão de lutar pela não supressão dos seus territórios: “o que a gente tem de informação para Alcântara é que eles falaram o seguinte: ‘que convenceram Belo Monte, convenceram o São Francisco’. Eu continuo dizendo que podem até convencer nós em Alcântara, mas vão ter muito trabalho”.
Um dos aspectos abordados pelo Professor Alfredo Wagner Berno de Almeida é a longa duração dos conflitos em que os povos e comunidades tradicionais encontram-se submetidos, sem que haja resolução no âmbito das políticas públicas vigentes de conflitos que já duram mais de 40 anos, como o de Alcântara, Tucuruí, a devastação dos castanhais no “polígono dos castanhais”, o que tem levado a uma incerteza para essas comunidades sobre o seu destino. Em resposta a uma pergunta do Deputado Edmilson Rodrigues, que apontou a Cartografia Social como um instrumento de planejamento e de políticas públicas, o Professor expôs: “Hoje, os representantes de povos e comunidades tradicionais que estão mais vinculados ao projeto, por exemplo, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, o Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara, o Movimento dos Atingidos de Tucuruí, o Movimentos dos Atingidos pelas Hidrelétricas do Madeira que nós temos aqui, todas essas associações que se aproximam do projeto vivem em conflitos, a universidade não é o lugar para receber o conflito, é o lugar da reflexão, entrementes é o lugar onde nós somos procurados como se nós pudéssemos contribuir para resolução do conflito então quer dizer, tem uma ausência de reflexão sobre o conflito, e conflitos que duram muito. Veja esse de Alcântara que é desde 1980. O Decreto é de 1980 e você te 159 comunidades que estão absolutamente sem saber o seu destino desde 1980. Tucuruí é a mesma coisa”. E complementou: “Então nós estamos falando de um problema que não é um problema de momento. A universidade tem obrigação de registrar isso” e ainda afirmou: “Eu acho que a ausência de uma política pública e a importância de uma cartografia que reconheça os direitos territoriais desses povos, eu acho que é fundamental”.
A professora Jurandir Novaes realçou a relação de pesquisa com os movimentos e os efeitos das intervenções estatais e privadas na desestruturação da vida dos povos e comunidades tradicionais, e a importância do debate dentro das universidades como um desafio permanente. Ressaltou que estes efeitos decorrentes de projetos de infraestrutura são referidos a grupos específicos a que o projeto Cartografia Social busca visibilizar. Contudo, os efeitos perpassam ao mesmo tempo mais de uma comunidade, como é o caso dos linhões de transmissão de energia elétrica que atingem diferentes grupos e ameaçam suas identidades enquanto práticas e saberes, como quebradeira de coco babaçu que também é produtora rural, quilombola e extrativista, ou quilombolas que têm na relação com o babaçu um recurso à garantia da sua sobrevivência que ora se encontra ameaçada, como ocorre com os quilombolas no Tocantins.
A Professora Helciane Araújo apontou no seu pronunciamento o abandono em que vivem os povos e comunidades tradicionais, o que tem levado agentes sociais a processos de sofrimento, morte e um sentimento de isolamento. E ainda, que a Cartografia Social como uma ação política vem contribuindo para que se sintam mais fortes. Ressaltou os conflitos vivenciados por comunidades na região de Imperatriz que vêm sendo expulsas e expropriados para dar lugar a empreendimentos econômicos, como o conflito que ocorre com a Empresa Suzano Papel e Celulose.
Danilo Serejo, advogado e quilombola se referiu à interconexão entre as três situações expostas pelos movimentos – atingidos pela hidrelétrica de Tucuruí; quebradeiras de coco babaçu; atingidos pela Base de Alcântara – como elementos importantes no processo de cartografia social. Destacou dentre outros aspectos comuns, a luta por direitos, que não vêm sendo assegurados, o que se confronta inclusive com o que rege a legislação vigente, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Todos os que se pronunciaram consideraram a relevância da Audiência. Esmael Siqueira Rodrigues ressaltou: “Quero dizer Deputado que esse momento é um momento único que está acontecendo, é ímpar, onde a gente tem oportunidade de falar, de expor na prática o que vem acontecendo ao longo da vida da gente”.
Ao final da Audiência, e com base nos pronunciamentos e nas questões e sugestões levantadas pelos movimentos, o Deputado Edmilson Brito Rodrigues indicou os seguintes encaminhamentos a serem apresentados à Comissão de Meio de Ambiente, e também por sua iniciativa parlamentar: a realização de Audiências Públicas em Tucuruí, em Alcântara, em Imperatriz; esforço da sua parte para retornar à Pauta da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que propõe a criação em âmbito federal da Lei do Babaçu Livre.
E por fim, o Deputado registrou esta Audiência como uma homenagem ao líder extrativista Roque Rodrigues dos Santos, que faleceu neste dia 17 de dezembro de 2015, em Tucuruí, e vivia na Reserva Extrativista (Resex) Ipaú -Anilzinho no município de Baião (PA) a jusante da hidrelétrica de Tucuruí, e que lutava contra a ação de madeireiros na Resex.
Registraram presença na Audiência os Senhores Deputados Átila Lira – Presidente da Comissão; Augusto Carvalho e Edmilson Rodrigues – Titulares; Adilton Sachetti, Bruno Covas, Carlos Gomes e Zé Silva – Suplentes. Compareceram também os Deputados Evair de Melo, Silas Freire e Weliton Prado, como não membros.
PRONUCIAMENTO DO PRESIDENTE DA COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Para acesso aos registros da Audiência: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/videoArquivo?codSessao=55471#videoTitulo