A aldeia Indígena Akrãtikatêjê recebeu com festa o Fascículo 25 ALDEIA INDÍGENA AKRÃTIKATÊJÊ em ato de lançamento realizado no Acampamento dentro da aldeia. Nesse lugar foi construida uma maloca coberta de palha de coco babaçu, folha de banana braba palha de ubim. E ainda foi montado um toldo de cor azul. Ao fundo do acampamento estava decorada a mesa de frutas e sessenta e cinco pessoas participaram desse evento no dia 18 de setembro de 2015. Os presentes receberam uma camiseta confeccionada para este ato cuja imagem homenageia o Cacique Payaré, Hôpryre Ronre Jopikti Payaré, falecido em março de 2012. Ceremonialmente todos os convidados foram pintados no rosto.
Para a festa de lançamento foram convidadas todas as aldeias da Terra Indígena Mãe Maria, localizada no município Bom Jesus do Tocantins, KM 15 da BR-222. A constituição de uma nova aldeia pode ser compreendida como uma estratégia de defesa do território e de autonomia dos grupos. Hoje existem 11 aldeias na T. I. Mãe Maria que formulam o discurso de sua unidade étnica e política.
À sombra da vegetação e do toldo se realizou a apresentação do vídeo “Akrãtikatêjê”, produto de um projeto de Extensão da UNIFESSPA executado pelo Núcleo de Cartografia Social dessa universidade e que foi concebido a partir das oficinas de Mapeamento Social. A seguir teve início o lançamento do Fascículo 25 “Aldeia Indígena Akrãtikatêjê, Pará” produzido pelo Projeto “Mapeamento Social como instrumento de Gestão Territorial contra o desmatamento e a devastação: processos de capacitação de povos e comunidades tradicionais”. UEA/INCS/BNDES/FUNDO AMAZONIA.
O lançamento iniciou com as palavras da cacique Tônkyre Akrãtikatêjê (Kátia Silene Valdenilson) que lembrou detalhes da saída violenta do Cacique Payaré e sua família do território dos Gaviões da Montanha, como eles eram conhecidos na década de setenta, para a T.I Mãe Maria, quando foram expulsos da aldeia pelas obras de construção da hidrelétrica de Tucuruí. A narrativa desses sofrimentos os mobiliza, enfatizou Tônkyre Akrãtikatêjê para não querer “nenhuma hidréletrica que além de todos os danos físicos causa a desunião dos indígenas”. Em 2009, os Akrãtikatêjê construíram a nova aldeia na T.I. com o propósito de ter autonomia de produzir, praticar sua cultura seguindo os ensinamentos do cacique Payaré e é em torno de sua sabedoria, dos seus principios e ideias políticos visionários que se construi uma sólida fusão étnica, assim como uma organização política através da criação da Associação.
Os participantes com o fascículo em mão atenderam o convite para uma leitura coletiva. Kupepramre Valdenilson Topramre comentou, emocionado: “Aprendi muito do meu povo. Desde 2009, eu sei quem sou, onde ele está, onde estão espalhados. Hoje tenho meus irmãos. Vamos acompanhar, vamos debater”.
Eric Oliveira, Servidor da FUNAI que conheceu o cacique Payaré ressaltou a constante luta e sabedoria de Payaré e ressaltou “todos os que tiveram oportunidade de conhecê-lo sabem da sua sapiência” e fez a leitura de uma frase da carta “De Nenzinho para seu amado pai, Payaré”
“Lutei pela terra que perdi, lutei contra os impactos que sofremos, lutei pelo bem estar do meu povo Akrãtikatêjê, lutei para protegê-los, lutei pelos nossos direitos. Lutei pela vida…”. Finalizou dizendo que acredita profundamente na luta cotidiana dos povos indígenas.
A jovem Rotokwyi Airomenkenti Valdenilson falou: “Em 2009 quando a gente veio para cá, eu não sabia quem era o meu povo. Eu comecei a ter entendimento assim quando meu avô dizia que o nosso povo tem muito sofrimento. Eu perguntava: porque sofrimento? Ele dizia: nós estamos aqui não é porque queremos, é porque nós fomos expulsos”. Em seguida, fez leitura de uma frase de autoria de Tônkyre Akrãtikatêjê – Kátia Silene Valdenilson, final da página 7: “Cada uma vez que passa tira um pedacinho, e esse pedacinho vai indo. Então, nós queremos aprender prá nos defender esse pedacinho que nos resta porque esse é muito importante, é a nossa segurança, é o que nos alimenta, é o que criou nossos filhos e nossos pais”.
Essa fala circunstância duas frentes de luta: Uma é pela reposição das terras que deram lugar á construção da UHE-Tucuruí, e outra é a ameaça de novas perdas decorrentes da implantação da UHE de Marabá, que inundará parte da terra onde vivem hoje.
Durante o evento destaca-se a participação dos jovens tomados por um senso de fidelidade às palavras do cacique Payaré. Penpkoti Hompryti Valdenilson comentou da relação com o seu avô que foi um conselheiro, um amigo. E frisou: “Hoje o conselheiro maior nosso não está e eu vejo lutar a minha mãe e o tio Nenzinho. A expressão da sua mãe e cacique: “Eu falo para eles: ‘Daqui um tempo meu pai não vai estar, meu irmão, nem eu vamos estar. Eu digo: ‘Isso aqui nós construímos para vocês’. Porque chega de sofrimento, né”
Pepkrakte Jakukreikapiti Ronore Konxarti (Zeca Gavião) com 49 anos, irmão mais novo do cacique Payaré, recordou que foi ele quem lhe ensino a falar a lingua do branco e também o enviou, muito jovem a um encontro de barragem que se realizou em Brasília. Afirmou com emoção: “Eu me espelhei muito no meu irmão e me orgulho muito. O meu irmão era muito íntegro… Hoje é um legado que deixou pela conquista e nós continuamos lutando. Eu quero seguir esse sol”.
Para ele a saga do Gavião é uma forma de tentar sobreviver e comentou que a luta contra o empreendimento continua viva, passa de geração para geração. “A história do meu povo é a história de conquistas. A questão é manter nossa terra segura”.
Na sua opinião hoje também se trata de lutas pelo resgate cultural, pelo se sentir Gavião. No seu entendimento “agora é a vez dos novos, a Faculdade é importante, mas se não estiver preparado pode ser o contrário. O passado serve para construir o futuro diferente”. No final manifestou o interesse de levar o Fascículo 25 para a escola de sua aldeia.
Ruivaldo da Costa Valdenilson (Nezinho) – filho do cacique Payaré, comentou enfaticamente que apesar de lutar tanto os problemas continuam. Ele conheceu os processos dessa luta jurídica, pois seu pai lhe solicitava realizar a leitura em voz alta dos processos da Eletronorte. A imagem do cacique Payaré é de um homem que lhe proporcionou muitos ensinamentos.
Ruivaldo Valdenilson indicou “sempre temos muitos problemas e é a política que está acabando com nossos direitos, como as PEC”. Como problema imediato mencionou que os esgotos da cidade de Marabá estão sendo lançados no igarapé Fleixeira que corta a sua aldeia. Dessa forma finalizou dizendo: “Porque esses problemas existem, surgem novos e outros se agravam é que os indígenas devem estar juntos. Nós somos realmente fortes, não damos nunca o braço a torcer”.
O jovem Mpotomanti Lopes Valdenilson agradeceu o convite de sua irmã, a cacique Tônkyre Akrãtikatêjê – Kátia Silene Valdenilson e recordou seu pai como um “homem desbravador, de grande conhecimento. Aprendi muito com ele e estou aqui”. Observou como eles têm procurado falar e pensar estratégias para as aldeias e familias se fortalecerem, no que é uma “luta muito inédita e são muitos os amigos que nos fortalecem. Payaré e Catarino vão nos fortalecer”.
A luta antiga pela reposição da terra que lhe foi retirada pela Eletronorte para a construção da Hidrelétrica de Tucuruí continua em processo judicial junto a esta empresa. Ruivaldo da Costa Valdenilson informou que a ação já é tramitada e julgada contudo há uma discordância em relação ao preço entre a Eletronorte e o proprietário da terra. Eles mantem a luta e acreditam nessa conquista e por isto aproveitaram esse encontro dos caciques para debater perspectivas.
Os indígenas Akrãtikatêjê posicionam-se pela autonomia em decidir projetos culturais, como a aprendizagem da língua, a construção da escola com base em educação diferenciada, projetos econômicos diversos, tais como os apresentados no Fascículo 25 e processos de gestão territorial e de preservação dos recursos.
Este momento do lançamento propiciou o encontro das lideranças que agendaram outros encontros para discutir estratégias para gestão territorial em especial relativa à terra reivindicada como compensação da expropriação ocorrida para efeito da implantação da hidrelétrica de Tucuruí.
As pesquisadoras do PNCSA Rosa Elizabeth Acevedo Marin, Jurandir Santos de Novaes, ambas da UFPA e UEMA participaram na organização deste evento com a profa. Rita Pereira da Costa da UNIFESSPA e ainda professores e estudantes dessa universidade.