A carta foi protocolada hoje dia 08 as 10:45 da manhã no palácio Henrique de Lá Roque. A “Carta Aberta do Povo Quilombola de Alcântara ao Governo do Estado do Maranhão”, foi motivada pelo posicionamento publico do Secretario de Igualdade Racial do Estado, sobre a proposta do governo estadual acerca da regularização fundiária do território Quilombola de Alcântara. No dia 27 de maio de 2015 houve uma primeira reunião convocada pela Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial (SEIR) em Alcântara com o objetivo de tratar do que a SEIR está chamando de “devolução” das terras de Alcântara.
No dia 11 de junho do corrente ano, uma nova reunião aconteceu, promovida novamente pelo secretário da SEIR, Gerson Pinheiro, que parece ter assumido a vez de porta voz da posição do Ministério da Defesa comunicando que serão “devolvidos” 42 mil ha e as comunidades do litoral terão que ser “relocadas” e “assentadas” dentro desses 42 mil ha. Proposta que já a muito tempo foi rechaçada pelos quilombolas de Alcântara que entendem o território como direito fundamental e inegociável, entretanto reflete o “preparo” e o desconhecimento do senhor secretario com relação a luta dos quilombolas de Alcântara que resistem há mais 30 trinta anos ao racismo estatal, ao desrespeito aos seu direitos, a constituição e a tratados internacionais por parte do Estado brasileiro com suas constantes tentavas de expropriação do território quilombola.
Além do que no dia 4 de novembro de 2008, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MDA/INCRA, fez publicar nas páginas 110 e 111 da seção 3 do Diário Oficial da União n 214 o RTID do território de Alcântara. O Presidente do INCRA assim se manifestou:
Após análise de todas as peças apresentadas que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, emitimos o seguinte parecer: “As terras identificadas e delimitadas neste Relatório Técnico, constantes da planta e memorial descritivo são reconhecidas como terras que pertencem à Comunidade Remanescente de Quilombo de Alcântara, devendo o INCRA dar andamento ao procedimento determinado pelo Decreto 4.887/2003 e IN/INCRA/Nº 49/2008, para ao seu final, emitir o título de propriedade definitiva dessa área aos membros da referida Comunidade. (Diário Oficial da União. 2008 nº 214, seção 3 p. 110/111)
Entretanto cinco messes depois, dois messes além do prazo legal de contestação do RTDI, conforme a instrução Normativa do Incra vigente (49) o Governo Federal, através do Gabinete de Segurança Institucional, e do Ministério da Defesa levaram o processo de titulação de forma arbitraria a “câmara de conciliação”, onde os principais interessado no caso que são os quilombolas de Alcântara não possuem assento. O argumento usado para levar o processo para a câmara de conciliação foi a instrução normativa de numero 20 de2005, que em 2009 não estava mais em vigor como mostram os trechos abaixo:
89 – Diante do exposto, o documento apresentado como relatório antropológico não pode ser considerado como peça regida pelo Art. 10 da IN INCRA 20-2005. Por dois motivos primeiro por não ser um documento produzido no Âmbito do Serviço Público Federal ou por ela concentrada por meio de cooperação técnico-científica ou convênio com Instituição Superior de Ensino, segundo por não apresentar elementos mínimos requeridos pelo referido artigo.
90 – Parecer conclusivo da área técnica diz necessário observar que o procedimento adequado à apresentação de parecer conclusivo sobre o reconhecimento de área remanescente de quilombo, deve-se basear em manifestação de equipe técnica, ou seja Grupo Técnico Interdisciplinar, conforme estabelece o artigo 8 da IN INCRA 20-2005 (documento de contestação de Ministério da Defesa. 2010 p.4 ).
Assinam a carta o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial – MABE, o Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara – STTR e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara – MOMTRA
VEJA Conteúdo da Carta abaixo:
Alcântara – MA, aos 26 dias de junho de 2015.
Ao Excelentíssimo Senhor
FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA
DD. Governador do Estado do Maranhão, Brasil.
São Luís – MA
Ref. Carta do movimento quilombola de Alcântara sobre a proposta do Governo do Estado acerca da regularização fundiária do Território Quilombola de Alcântara – MA.
CARTA ABERTA DO POVO QUILOMBOLA DE ALCÂNTARA AO GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO
Nós, quilombolas de Alcântara – MA, por meio de nossas instituições, MOVIMENTO DOS ATINGIDOS PELA BASE ESPACIAL DE ALCÂNTARA – MABE, MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS DE ALCÂNTARA – MOMTRA e o SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ALCÂNTARA – STTR/Alcântara vimos por meio do presente documento manifestar nossas profundas preocupações com a forma que o Governo do Estado do Maranhão vem tratando a questão quilombola em Alcântara e ao final apresentar nossas reivindicações:
• No início da década de 1980 o Governo do Estado do Maranhão de forma arbitrária e covarde desapropriou e 52 mil hectares do nosso território para fins de interesse social. Posteriormente mais de 300 famílias foram deslocadas compulsoriamente e, em sua maioria, sequer receberam indenizações ou quaisquer tipos de reparações pelos danos sofridos causando uma série de problemas de ordem social, política e econômica aos quilombolas deste município;
• O conflito fundiário a que fomos covardemente submetidos se arrasta por mais de 30 anos sem que o Estado brasileiro nas suas três esferas tenha apresentado qualquer solução pautada no respeito às normas nacionais e internacionais de direitos humanos do povo quilombola deste município;
• Não somos contra o CLA, reconhecemos sua importância estratégica, política e econômica para o país, mas, é preciso dizer: o programa aeroespacial brasileiro desenvolvido a partir da Base espacial de Alcântara se sustenta basicamente em detrimento da negação de direitos fundamentais aos quilombolas, e neste rol destacamos aquele mais essencial para as nossas vidas: o direito ao território étnico na sua inteireza que secularmente habitamos, ocupamos e utilizamos;
• Fruto de nossa capacidade de mobilização e articulação no final de década de 1990 acionamos o Ministério Público Federal que por sua vez ajuizou Ação Civil Pública para averiguar irregularidades no processo de implantação do CLA tendo verificado inúmeras violações decorrentes desse processo;
• Entre as quais destacamos: ao longo de 30 anos de funcionamento, pasmem, o CLA não dispõe sequer de licença ambiental para funcionar se revelando em grave ofensa à Constituição Federal de 1988 que estabelece a realização do Estudos de Impactos Ambientais e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental, o EIA/RIMA;
• Destacamos ainda: em 2002 por determinação MPF no Maranhão foi realizado perícia antropológica para fins de identificação de comunidades quilombolas em Alcântara, tendo a perícia apontando numa área de mais de 87 mil hectares aproximadamente 150 comunidades que se autorreconhecem como quilombolas e movidas por relações étnicas historicamente estabelecidas e indissociadas entre si e, no seu conjunto formam um grande território étnico afirmando assim a nossa identidade coletiva. Posteriormente a Fundação Cultural Palmares emitiu Certidão de Autorreconhecimento às comunidades existentes na área desapropriada, além dos territórios de Santa Tereza e Ilha do Cajual;
• O Estado brasileiro é RÉU nos tribunais internacionais. Tramita na Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH desde 2002 denuncia das comunidades de Alcântara contra o Estado brasileiro em função das violações perpetradas na implementação do CLA. Tramita também desde 2008 na OIT em Genebra na Suíça denúncia das comunidades de Alcântara contra o Brasil em razão do descumprimento e inobservância da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho – OIT na execução da proposta de expansão do CLA. Além disso, várias ações tramitam nos tribunais nacionais contra o Estado brasileiro, ou seja, o CLA paira sob total ilegalidade;
• O projeto CLA, no nosso entender é eivado de inconstitucionalidades e marcado por violações aos direitos humanos dos povos quilombolas de Alcântara;
• Em 04 de novembro de 2008 foi publicado pelo INCRA O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território Quilombola de Alcântara;
• Em 2014 o caso de Alcântara passou a integrar o Relatório da Comissão Camponesa da Verdade apresentando as atrocidades praticadas pelos militares na implantação do CLA, tendo em vista que o mesmo é de inspiração da ditadura militar.
Os últimos acontecimentos ocorridos em Alcântara têm deixado as comunidades quilombolas em estado de preocupação e estarrecimento em face de pronunciamentos do Secretário da Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial (SEIR), Sr. Gerson Pinheiro.
No dia 27 de maio de 2015 houve uma primeira reunião convocada pela Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial (SEIR) em Alcântara com o objetivo de tratar do que a SEIR está chamando de “devolução” das terras de Alcântara.
Entretanto, o pleito quilombola está referido à titulação de terras nos termos do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória – ADCT da Constituição Federal de 1988 (CF/88, ADCT art. 68) de forma que a noção de “devolução” não se ajusta reivindicação das comunidades quilombolas face ao Estado Brasileiro, tampouco aos dispositivos de lei referidos à matéria que foram arduamente conquistados pelo movimento negro na constituinte de 1988.
Ressaltamos que a mencionada reunião ocorreu sem a presença de representantes dos movimentos sociais de Alcântara notadamente: Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE); Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA); Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Alcântara (STTR). Na referida reunião foi comunicado que o Ministro da Defesa Jaques Wagner pretende “retomar as negociações” no sentido de resolver o que designam como “questão de Alcântara”.
No dia 11 de junho do corrente ano, uma nova reunião aconteceu, promovida novamente pelo secretário da SEIR, Gerson Pinheiro. Parece ter sido o porta voz da posição do Ministério da Defesa comunicando que serão “devolvidos” 42 mil ha e as comunidades do litoral terão que ser “relocadas” e “assentadas” dentro desses 42 mil ha.
No site do governo do Estado do Maranhão há inclusive uma matéria sobre a criação da parceria entre o governo do Estado e a Prefeitura de Alcântara mediada pela SEIR.
A proposta do Ministério da Defesa que agora é erroneamente seguida pela SEIR/MA consiste em titular o Território Quilombola de Alcântara com exceção da área costeira do município de interesse do programa aeroespacial brasileiro para expansão do CLA com a construção de corredores entre as comunidades para o acesso ao mar.
Esta proposta nos foi apresentada anteriormente pelo governo federal e de pronto rejeitada, pois, conhecermos nossas vidas e nosso território e temos o bastante que esta proposta se traduz em novos deslocamentos compulsórios de comunidades quilombolas. Jamais aceitaremos a repetição da tragédia que vivemos na década de 1980 em Alcântara.
Posicionamento esse que REAFIRMAMOS agora perante ao Governo do Estado Maranhão, não voltaremos a discutir tal proposta, pois ela, resta superada. Não discutiremos também porque ela implica (a proposta) em deslocamento compulsório do nosso povo, característica aliás exclusiva de regimes ditatórias, que entendemos não ser o caso atualmente.
Reiteramos que todas as negociações conduzidas pela SEIR não buscaram diálogo com os movimentos sociais desconsiderando a posição destes frente às iniciativas propostas pelo governo. Portanto, não gozam de quaisquer tipos de respaldo por parte das comunidades quilombolas de Alcântara e seus movimentos sociais.
De igual modo, os pronunciamentos públicos de representantes da SEIR parecem desconhecer todo um conjunto de produção de conhecimento que bem retrata o quadro de conflito social intenso referido a implantação de Base de Lançamento de Foguete e a trajetória de luta das comunidades de Alcântara.
Lembramos que existe um acordo, datado de agosto de 2006, firmado no âmbito da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Federal no Maranhão em face da União no qual ficou acordado que as atividades de Alcântara Cyclone Space (ACS) seriam restritas à área efetivamente ocupada pelo Centro de Lançamento correspondente a 8.713mil ha.
Salientamos, por fim, que não houve até o presente qualquer consulta prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assim como não foi considerado o que já foi discutido anteriormente de maneira pública, retornando-se a medidas de deslocamento compulsório de comunidades inteiras, inspiradas no modelo de ação do período ditatorial.
É com profunda tristeza que assistimos o lamentável papel que a SEIR/MA vem desenvolvendo em Alcântara relacionado a questão quilombola a simples devolução terras. Ao cunhar o termo devolução essa Secretaria nega na verdade toda a nossa trajetória e dos nossos antepassados que cuidaram e preservaram esta terra que hoje nossa geração também cuida para que gerações futuras tenham direito ao futuro. Por isso AFIRMAMOS, esta terra, este território sempre foi nosso porque nele nos reproduzimos social, cultural, econômica e politicamente ao longo de séculos. Foi o Estado brasileiro que se sobrepôs, por meio da Base espacial no nosso território e não nós, povo de Alcântara que nos intrusamos em terras da Base espacial, foi o contrário!
Diante do exposto, solicitamos as devidas ações por parte deste Governo estadual no sentido de atuar junto aos órgãos responsáveis para as devidas tratativas para a garantia da titulação do território quilombola de Alcântara em conformidade com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado em 04 de novembro de 2008, e:
• Nos recusamos deliberadamente a dialogar com entes governamentais a proposta ora defendida pela SEIR/MA, ou seja, a de titular o Território Quilombola de Alcântara, exceto a área costeira do município pretendida pelo programa aeroespacial para expansão do CLA. Para nós, esta proposta já foi superada anteriormente, inclusive, por acordos judiciais, pois direitos humanos, como é o caso em questão, não se negocia, se efetiva e pronto;
• Exigimos respeito a nossa trajetória de luta e conquistas feitas, assim como as normas de direitos humanos referida aos quilombolas e por isso, REAFIRMAOS: não arredaremos de pé de nenhum milímetro de terras do nosso território;
• O Estado do Maranhão, no início da década de 1980 – regime ditatorial – foi o principal fiador do projeto CLA desapropriando nossas terras em detrimento de um projeto desenvolvido no regime ditatorial e de inspiração militar, por isso, ao invés de se perfilar aos militares atuais que usurpam nosso território, o Estado do Maranhão deveria, minimamente, formalizar um pedido de desculpas ao povo de Alcântara por nos expor as atrocidades dos militares da época;
• Lutaremos com todas as nossas forças para assegurar nosso território na sua plenitude e inteireza conforme publicado no RTID em 2008.
Alcântara não é um caso isolado, ao contrário se conecta e se relaciona com vários conflitos no Estado, no Brasil e no mundo, principalmente quando se trata de políticas públicas. É com esse sentimento que visualizamos no novo governo estadual a tão desejada mudança pelos maranhenses. O momento ideal para realizar essas mudanças estruturantes para o Maranhão, sobretudo, o povo quilombola é agora. Neste sentido, apontamos ações que nosso ver devem ser urgentemente colocadas na mesa do governo estadual para discussão, construção e consolidação:
• Primeiro: é digno que este governo consolide a Política Estadual de Igualdade Racial, por meio de um instrumento jurídico, pois até o memento, o que se tem são ações e políticas de governo e não de Estado. Mesmo a SEIR/MA é tão somente, uma secretaria extraordinária. É hora de convertê-la para uma política de Estado;
• Segundo: o MA tem grande número de povos e comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, povos de terreiro, ciganos dentre outros, entretanto, estes povos sempre foram invisibilizados e colocados a margem do processo de desenvolvimento e de direitos. É chegada a hora de se construir uma política estadual de desenvolvimento sustentável de povos e comunidades tradicionais. Não há mais como protelar os direitos destes povos sob pena de reproduzir o que gestões anteriores faziam.
Por fim, por acreditar no novo governo nos colocamos a disposição para dialogar e construir uma política firme de Estado no Maranhão para os povos e comunidades tradicionais que nos assegure o direito ao território que historicamente nos pertence e cuidamos e, solicitamos uma agenda com o Excelentíssimo Governador do Estado do Maranhão, o Senhor Flávio Dino para discutir a questão de Alcântara no Maranhão.