As apresentações da cantora Lilian Lima e a Banda Akomabu, os versos de Cabeça, Ednaldo Padilha e os cantos da quebradeira Nice Machado Aires, acompanhada do senhor Fabrício Maranhão, produziram discursos de sentidos que o professor José Sergio Leite Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tomou como referência no momento inicial de sua intervenção durante a Aula Inaugural do Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazonia, realizada no dia 07 de outubro de 2014 no Auditório do Centro de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.
Observou-se que tanto o público como o professor experimentaram, emocionados, a alegria e o calor humano do ato de abertura, contudo, deviam fazer a passagem para a Conferência. Com grande sensibilidade, o professor Leite Lopes captou tal estado de espirito e comentou com eloquência sobre essa transmissão mais lúdica que havia sido compartilhada por todos e podia destoar de uma mesa acadêmica, de caráter mais formal. Todavia a questão é mais profunda e o antropólogo comentou que face a certo desencatamento do mundo é preciso reencantá-lo de outra forma e é essa a compreensão mais lúcida. Assim, agradeceu as trocas, o convite e os gestos.
“Memória e Transformação Social” foi o tema proposto para a Conferência, mas a partir dessa imersão e interação com o público, o antropólogo adotou uma posição de reflexividade sobre suas pesquisas. Explicou que elas têm estado centradas nos movimentos sociais na esfera pública e narrou, cuidadosamente, as experiências sobre o objeto – trabalhadores e movimentos sociais – até adentrar nos novos movimentos sociais que incorporam o termo tradicional – como o das quebradeiras de coco babaçu.
Esse preâmbulo abriu uma longa e fluida narrativa sobre a Memória dos Trabalhadores vistos como “trabalhadores, futuro do Brasil” os quais eram arregimentados para as fábricas. Hoje, trabalhadores são vistos como tradicionais, em desaparecimento. Essa primeira visão corresponde a uma tradição da Antropologia em estudar a classe operária: ora futuro, ora passado. Os seus estudos realizados na zona canavieira do Nordeste se voltaram para os trabalhadores de usinas de cana-de- açúcar. O outro universo desses trabalhadores eram os canavieiros, bem mais numerosos, Nesse período outro grupo de antropólogos produziu pesquisas importantes sobre essa segunda categoria.
A dissertação do professor Leite Lopes, com o título “O vapor do Diabo” foi publicada em 1976 pela Editora Paz e Terra no Rio de Janeiro; ela teve uma segunda edição em 1978 e foi recentemente traduzida para o espanhol e editada na Argentina. Já para o doutorado realizou estudos sobre trabalhadores no setor téxtil. Nessas pesquisas reflete as passagens do engenho à usina; os deslocamentos do Nordeste para a área canavieira de São Paulo. O pesquisador busca compreender os paradoxos do mundo do trabalho: os trabalhadores assalariados são portadores de uma tradição, todavia o futuro da fábrica não foi um futuro para os trabalhadores. Outro paradoxo: a tradição propulsou o associativismo. A nova reflexão instigante foi sintetizada na questão: “a tradição é utopia”.
Os autores de referência de suas pesquisas entraram em dialogo para retomar alguns debates que cobram grande atualidade como a arte e cultura de resistência desses trabalhadores, com base nas obras de James Scott, Edward Thompson, Bourdieu, Hobsbawm. Em condições e contextos novos o professor Leite Lopes entrou no debate sobre o surgimento da reivindicação ambiental e os conflitos sociais como um campo novo de suas pesquisas.
Finalizando, a Aula Inaugural o reconhecido antropólogo brasileiro destacou que a “memória contribui para os trabalhadores controlar sua própria história e responder às questões que lhe são desfavoráveis”.